A eleição em 2002 de um presidente com origem social na classe trabalhadora em um país capitalista periférico, como o Brasil, foi um acontecimento atípico. Em outras palavras: do ponto de vista da dominação capitalista foi até uma anomalia. Mas não foi uma surpresa. O PT já não preocupava a classe dominante, como em 1989.
Um balanço destes dez anos parece irrefutável: o capitalismo brasileiro não foi ameaçado pelos governos do PT. Acontece que para fazer omeletes, como ensina a sabedoria popular, é necessário quebrar alguns ovos. Os governos do PT foram governos de colaboração de classes. Pretenderam governar para todos. Mas beneficiaram, sobretudo, os mais ricos. Por isso, embora o Brasil seja menos pobre que há dez anos, não é menos injusto. Não foi para isso que uma geração lutou tanto.
Lula conquistou, entre 1978 e 1989, a confiança da imensa maioria da vanguarda operária e popular. A proeminência de Lula foi uma expressão da grandeza social do proletariado brasileiro e, paradoxalmente, de sua impressionante inocência política.  Uma classe trabalhadora jovem e semiletrada, sem experiência de luta sindical, recém-deslocada dos confins miseráveis das regiões mais pobres, e concentrada em dez grandes regiões metropolitanas. Mas com disposição de luta.

A VIRADA DO PT
O país viveu um refluxo das lutas sindicais depois da vitória eleitoral de FHC e a derrota da greve dos petroleiros em 1995. Não existia mais a década de mobilizações nos anos 1980. Sem vigilância, o aparato burocrático dos sindicatos agigantou-se, monstruosamente, e o aparelho do PT se adaptou, eleitoralmente, ao regime, e ficou irreconhecível. O PT já tinha demonstrado nas prefeituras, governos estaduais e no Congresso Nacional que era uma oposição ao governo de plantão, mas não era inimigo do regime democrático-liberal de tipo presidencialista que vingou depois de 1985.
Não era sequer inimigo irreconciliável do estatuto da reeleição, uma deformação anti-republicana e, especialmente, reacionária. A burguesia já admitia, desde 1994 pelo menos, que o PT pudesse ser um partido de alternância disponível para exercer o governo em um momento de crise econômica e social mais séria. Lula e Zé Dirceu assumiram, publicamente, mais de uma vez, compromissos com a governabilidade das instituições, exercendo pressões controladoras sobre os movimentos sociais sob sua influência. Lula não foi um improviso como Kirchner. Lula não foi uma surpresa como Evo Morales. Lula não foi considerado um inimigo como Hugo Chávez.

DE LULA À DILMA
É preciso distinguir o que foi o governo Lula, e o que está sendo o governo Dilma, das percepções que ele deixou, e das ilusões que ainda beneficiam o PT na presidência. O crescimento econômico entre 2004 e 2008, interrompido em 2009, porém, recuperado com exuberância em 2010, foi inferior à média do crescimento dos países vizinhos, mas a inflação foi, também, menor. A média do crescimento do PIB durante os anos do governo Lula foi de 4% ao ano, inferior ao crescimento da Argentina ou da Venezuela no mesmo período, mas a inflação abaixo dos 5% ao ano foi, também, menor.
Desde 2011, com Dilma, o Brasil entrou em fase de estagnação econômica. As concessões à grande burguesia aumentaram, ao contrário do que afirmam os defensores das teses desenvolvimentistas. Isenções fiscais, privatizações generosas, novas e ambiciosas parcerias público-privadas (PPPs), favorecimento e garantias redobradas aos investimentos estrangeiros, além de sinalização de novas reformas trabalhistas e previdenciárias.

Manutenção da política econômica
O mais importante, no entanto foi a manutenção do tripé da política econômica herdada do governo de Fernando Henrique Cardoso e supervisionada pelo FMI: a garantia do superávit primário acima de 3% do PIB, o câmbio flutuante em torno dos R$2 por dólar e a meta de controle da inflação abaixo de 6,5% ao ano. Não deveria surpreender o silêncio da oposição burguesa, e o apoio público indisfarçável de banqueiros, industriais, latifundiários e dos investidores estrangeiros.
Eis a chave de explicação do sucesso popular dos governos do PT: reduziu o desemprego a taxas menores que a metade daquelas que o país conheceu ao longo dos anos 1990; permitiu a recuperação do salário médio que atingiu em 2011 o valor de 1990; aumentou a mobilidade social, tanto a distribuição pessoal quanto a distribuição funcional da renda, ainda que recuperando somente os patamares de 1990, que eram, escandalosamente, injustos; garantiu uma elevação real do salário mínimo acima da inflação; e permitiu a ampliação dos benefícios do Bolsa Família.
Foi um governo quase sem reformas progressivas e muitas reformas reacionárias, porém, com uma governabilidade maior que seus antecessores.
Mas estes dez anos não passaram em vão. Uma reorganização sindical e política pela esquerda do governo, e das velhas organizações, como a CUT e o PT, já começou, ainda que o processo de experiência tenha sido e permaneça, relativamente, lento. A influência do lulismo não irá diminuir, todavia, sozinha. Será necessária uma luta política corajosa e lúcida para construir novos instrumentos de representação e organização do proletariado. Esse foi o sentido da fundação da CSP-Conlutas e de outras articulações. A esquerda revolucionária marxista deve ser um ponto de apoio firme deste processo, porque a ela pertence o futuro.
 

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