`O1989 – O CARACAZO

O atual processo venezuelano foi iniciado com o “caracazo”. Em fevereiro de 1989, uma insurreição operária e popular contra o governo de Carlos Andrés Pérez colocou em crise todas as instituições do país e foi duramente reprimida, gerando cisões inclusive nas Forças Armadas.

Desta crise surgiu um setor de oficiais que rompeu com o governo Pérez e se agrupou em torno de Hugo Chávez, que em uma tentativa de dar resposta a essa situação, encabeçou uma tentativa de golpe militar, em 1992. Mesmo preso, Chávez começou a ganhar prestígio entre os setores operários e populares, porque aparecia como oposição ao “Sistema“.

Carlos Andrés Pérez renunciou em 1993, fruto de novas mobilizações populares, e as eleições foram ganhas pelo veterano dirigente burguês Rafael Caldera. Em segundo lugar, ficou o dirigente sindical metalúrgico Andrés Velásquez. Em 1994, por exigência popular, Caldera libertou Chávez, que começou a formar sua própria corrente política. Em dezembro de 1998, a coalizão eleitoral de Chávez ganhou as eleições presidenciais e assumiu no início do ano seguinte.

O GOVERNO CHÁVEZ

A política chavista pode ser analisada em três aspectos.

Em relação à economia, continuou pagando pontualmente a dívida externa, aplica planos de acordo com as exigências do FMI e não tocou seriamente nos interesses de nenhum forte setor burguês nacional ou imperialista. Promulgou leis de Hidrocarbonetos, da Terra e da Pesca que, apesar das críticas burguesas, não significaram nenhuma transformação importante. Na área petrolífera, manteve a PDVSA como empresa estatal, mas nunca propôs reverter a abertura que permitiu a entrada das multinacionais na exportação do petróleo venezuelano.

No terreno institucional, modificou a Constituição, prejudicando os velhos partidos patronais (COPEI e ADECO), mas as mudanças se mantiveram claramente dentro do marco do Estado e do regime burgueses.

No plano da política exterior é onde Chávez se mostrou mais independente do imperialismo ianque, ainda que essa independência tenha se expressado mais em “gestos” do que em uma ação política permanente. Ele criticou a Lei Anti-terrorista de Bush, aliou-se a Fidel Castro, visitou Sadam Hussein, quando este ainda governava o Iraque, e o líder líbio Anuar Gadafi. Também negou-se a permitir a entrada de aviões militares norte-americanos no espaço aéreo venezuelano, inclusive na guerra do Iraque.

`Kirchner,Fez gestos de aproximação com Lula e Kirchner assim que se elegeram presidentes, apresentando-se como alternativa “bolivariana”, mas encontrou da parte desses governos uma preocupação muito mais forte em não fazer gestos que alarmassem o imperialismo, do que posar de nacionalistas para Chávez.

É bom que se diga que o comportamento cúmplice de Lula e Kirchner, inclusive enviando tropas ao Haiti para substituir as tropas ianques que serão enviadas ao Iraque, faz com que alguns setores da esquerda vejam mais positivamente Chávez, pela diferença de tratamento que tem por parte do imperialismo. Mas aqui há que esclarecer que o fato de que Lula seja um talibã do neoliberalismo não faz de Chávez, pela negação, um resoluto combatente anti-imperialista.

Ainda que isso mostre o grau de submissão de governos como o de Lula, também nos faz perguntar: O que esperava Chávez? Por que não chama a mobilização dos povos latino-americanos, como fez Bolívar? Hoje vivemos um momento em que as massas latino-americanas, e, em particular, da América do Sul, vivem ou viveram ascensos e vários processos revolucionários contra o imperialismo e seus planos, como na Bolívia, no Peru, na Argentina e no Equador. Em uma situação como essa, um chamado claro, de um governo de um país importante e agredido, pela unidade revolucionária contra o imperialismo, para não pagar a dívida, para romper com o FMI, para expulsar o imperialismo que rouba nossas riquezas, teria uma aceitação multitudinária.

Porém, isso para Chávez ameaçaria despertar um processo que poderia ultrapassar os limites do “Sistema”. E, por isso, ele é incapaz de fazê-lo e acaba por ficar na dependência dos governos “amigos”, que acabam de demonstrar a quem servem.

O GOLPE DE 2002

Apesar dessas profundas limitações, o imperialismo ianque decidiu apoiar e impulsionar a tentativa golpista de setores burgueses venezuelanos: o 11 de abril de 2002. Para montar o golpe, formou-se uma aliança contra-revolucionária que incluía o fugaz presidente Pedro Carmona Estanga, dirigente da Federação de Câmaras Patronais, a alta hierarquia da Igreja, os donos dos grandes meios de comunicação, altos oficiais militares, políticos dos velhos partidos patronais, a alta burocracia da empresa estatal petroleira (PDVSA) e os setores mais pelegos da velha burocracia sindical.

Chávez não enfrentou militarmente o golpe nem, muito menos, chamou a resistência popular. Isso se viu claramente quando declarou àqueles que o derrubavam: “Terminem seu golpe e assumam as conseqüências”.

O certo é que foi derrotado e detido. Quem derrotou o golpe foi a insurreição de massas de 13 de abril, uma ação superior e mais organizada que o próprio “caracazo”, que, com grande valentia, cercou o novo poder e o pulverizou. Com a derrota do golpe, o processo revolucionário venezuelano entrava assim em uma fase distinta e superior, com uma crise ainda maior das Forças Armadas e das instituições burguesas. Naquele momento crítico para a burguesia e o imperialismo, estes consideraram que a volta de Chávez representava o “mal menor” e a única possibilidade de controlar o movimento de massas.

DORMINDO COM O INIMIGO

Ao reassumir, a política de Chávez foi absolutamente conciliadora com os golpistas, a ponto de não tomar nenhuma medida contra os conspiradores. O único preso foi Pedro Carmona, que logo se refugiou na embaixada da Colômbia. Os outros líderes civis e militares não sofreram nenhuma punição. Tampouco houve ações contra empresas dos países que inspiraram e respaldaram a tentativa de golpe, como os EUA e a Espanha. Sobre isso, Chávez declarou: “Não vou fazer com eles o que fizeram comigo”.

Não é casual, então que a conspiração patronal-imperialista continue, ainda que por outros meios. Em dezembro de 2002, a patronal tentou uma espécie de locaute, buscando paralisar a indústria e o comércio e, em particular, a produção de petróleo. Depois de uma luta duríssima que levou vários meses, a patronal e seu locaute foram derrotados pelas massas organizadas nos bairros operários e populares e nas indústrias. A saída desse processo para o imperialismo foi uma pressão democrática, que contou com a colaboração direta de Lula que, com a autoridade de “esquerda” e de amigo de Chávez, convocou um grupo de países para buscar uma saída negociada entre governo e oposição venezuelana, no marco das instituições democráticas. O grupo foi chamado de “Amigos da Venezuela”, mesmo sendo integrado pelos governos dos EUA e da Espanha.

Por isso, os oposicionistas golpistas, derrotados, passaram a procurar uma via institucional, como a coleta de assinaturas para a realização do plebiscito, mecanismo previsto na nova Constituição. Ao mesmo tempo, os responsáveis por várias mortes nas duas tentativas de golpe e seus inspiradores, como o prefeito de Caracas, ficaram livres para continuar articulando a política pró-imperialista.
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