Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Estamos publicando, neste especial, dois textos escritos pelo revolucionário bolchevique Vladimir Lênin sobre o Primeiro de Maio. Os textos foram traduzidos da versão em inglês, disponibilizada pelo portal “Marxist Internet Archives” (Arquivos Marxistas na Internet)*. Para que se compreenda melhor as discussões propostas por Lênin, na introdução de cada um deles, apresentamos alguns elementos básicos sobre o contexto histórico em que eles foram produzidos.

Este primeiro é um panfleto, escrito, em 19 de abril de 1896, para a “União de Luta pela Emancipação da Classe Trabalhadora” (vide abaixo). Neste período, Lênin havia acabado de se formar em Direito e estava advogando (depois de burlar a perseguição policial), principalmente na defesa de camponeses e da população empobrecida da cidade de Samara, no Sudeste da Rússia, um centro de produção e comércio de grãos. Seu envolvimento direto com a luta revolucionária havia iniciado alguns anos antes, em 1887, quando seu irmão mais velho, Alexander (conhecido como Sasha) foi enforcado em função de militância, na universidade, contra o Czar Alexandre III.

Como descrito em um artigo, da Enciclopédia Britânica, dedicado à formação de Lênin, sua experiência com a advocacia teve como principal resultado o desenvolvimento de “uma intensa repugnância pelo preconceito de classe do sistema jurídico e uma repugnância vitalícia em relação aos próprios advogados, mesmo aqueles que afirmavam ser social-democratas [revolucionários]”, por considerar que o Direito servia como uma forma de mascaramento ou distorção da atividade revolucionária.

Seja como for, já como membro de uma célula, em São Petersburgo, da organização marxista autodenominada Social-Democrata, que ele havia integrado em 1893, e depois de um breve período de trabalho militante com exilados russos no Leste Europeu, principalmente com Georgy Plekhanov, então um dos principais ideólogos do marxismo, mas, posteriormente, um líder menchevique que se opôs à tomada do poder, Lênin voltou a Rússia, em 1895.

Foi neste ano que, juntamente com Martov (também uma das futuras lideranças do menchevismo), Lênin se lançou à tarefa de reagrupar as correntes marxistas através da criação da “União de Luta pela Emancipação da Classe Trabalhadora”, que atuava no apoio às greves e movimentos e, também, através da participação de seus dirigentes em setores da classe, procurava desenvolver um trabalho de formação e educação marxistas.

Em dezembro daquele ano, a maioria dos dirigentes da “União” foi presa. Lênin, primeiro, amargou 15 meses de cadeia e, depois, foi enviado para o exílio, na Sibéria. Foi lá, diga-se de passagem, que ele se casou com a grande revolucionária Nadezhda Krupskaya, que também atuava na União e se tornou sua companheira na vida e na militância, cumprindo, depois da Revolução de Outubro, papel determinante nos rumos da Educação Socialista. E um dos primeiros resultados desta parceria, ainda no exílio, foi a correspondência, clandestina, que eles mantiveram com demais setores do partido, além da tradução de importantes contribuições de marxistas europeus.

Foi também neste período que, preocupado com os debates sobre a questão camponesa e como construir a aliança deste setor de enorme importância para a sociedade russa com o nascente, mas crescente, proletariado, que Lênin escreveu uma de suas obras mais importantes, “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia” (que só pode ser publicado, legalmente, em 1899).

Durante todo este período, a Rússia vivia em um dos mais sombrios momentos de sua história, sob o domínio, primeiro, do Czar Alexandre III, que governou o país com mãos de ferro entre 1881 e 1894, resgatando uma doutrina, formulada pelo também Imperador Nicolas I (1825-1855), que foi base do chamado Imperialismo Russo e conhecida como “Ortodoxia, Autocracia e Nacionalidade” ou, ainda, “Nacionalidade Oficial”, cujas bases eram a construção da unidade imperial sob o cristianismo ortodoxo e a autoridade absoluta do imperador, suprimindo, ao mesmo tempo, todos e quaisquer ideias consideradas destrutivas para essa unidade.

Com a morte de Alexander III, seu filho subiu ao trono com o nome de Nicolas II, governando o país até ser derrubado e executado em 1917. Foi particularmente neste período que a Revolução Industrial realmente engrenou na Rússia, trazendo consigo os altos níveis de exploração e, vale lembrar, confirmando uma famosa frase de Karl Marx, em “O Capital”: o capitalismo tende a ser superado, já que carrega o germe de sua própria destruição, o proletariado.

Apesar deste contexto bastante distinto do mundo em que vivemos, é impressionante notar a atualidade do panfleto escrito por Lênin, tanto no que se refere à denúncia do capitalismo e seus representantes nos governo quanto à forma como os trabalhadores devem responder à exploração e à opressão capitalistas: através da unidade e independência de classe, em luta permanente.

“Não podemos procurar por ninguém que possa nos ajudar; só podemos confiar em nós próprios. A nossa força reside na união; a nossa salvação na resistência unida, teimosa e enérgica contra nossos exploradores”, diz um trecho do panfleto. É isto que iremos celebrar no Primeiro de Maio Classista, organizado pela CSP-Conlutas e a Intersindical. É esta mesma lição que está sendo pisoteado por aqueles que irão se confraternizar com a burguesia, com os exploradores, no “feriado dos trabalhadores”.

E cabe lembrar que o panfleto de Lênin foi escrito num período reacionário e autoritário, quando a principal reivindicação era a jornada de 8 horas e, diga-se de passagem, o Primeiro de Maio era ilegal e, portanto, celebrado clandestinamente pelos trabalhadores, uma situação que só mudou depois da Revolução de Fevereiro de 1917, depois do qual foi feita a primeira celebração pública, já como parte do caminho que levou os soviets à tomada do poder, meses depois.

Também vale ressaltar o grande exemplo dado por Lênin ao direcionar a conclusão de seu panfleto para a necessidade de que os trabalhadores se organizem no agrupamento revolucionário (ou embrião de partido) recém criado, a “União de Luta pela Emancipação da Classe Trabalhadora”, considerado instrumento fundamental para que sejam quebradas “as correntes com que os capitalistas e o governo nos mantêm presos, a fim de nos mantermos subjugados.” E mais: que façam isto se juntando “à luta dos nossos irmãos, os trabalhadores de outras terras, para estarmos com eles sob uma bandeira comum sobre a qual está inscrita: ‘Trabalhadores do mundo, uni-vos!’”

Panfleto de Lênin para o 1º de Maio (abril de 1896)

O feriado dos trabalhadores! Primeiro de Maio!

Camaradas! Olhemos cuidadosamente para as condições da nossa vida; observemos o ambiente em que passamos os nossos dias. O que é que vemos? Trabalhamos arduamente; criamos riqueza ilimitada, ouro e tecidos ricos, brocados e veludo; escavamos ferro e carvão das entranhas da terra; construímos máquinas, navios, castelos, caminhos-de-ferro. Toda a riqueza do mundo é criada pelas nossas mãos, é obtida pelo nosso suor e sangue.

E que recompensa recebemos pelo nosso trabalho árduo? Se houvesse justiça, deveríamos viver em excelentes casas, usar boas roupas, e, de forma alguma, ficarmos à espera do pão nosso de cada dia. Mas, todos sabemos, muito bem, que o nosso salário dificilmente é suficiente sequer para o mínimo necessário para nossa existência. Os nossos patrões rebaixam os níveis salariais, nos obrigam a trabalhar durante longas jornadas e, ainda, nos multam injustamente.

Numa palavra, nos oprimem de todas as maneiras possíveis e, em caso de insatisfação da nossa parte, nos demitem imediatamente. Descobrimos, repetidamente, que aqueles a quem nos dirigimos para termos proteção são amigos e lacaios dos nossos patrões. Nós, os trabalhadores somos mantidos na ignorância, a educação nos é negada, para que não possamos aprender a lutar para melhorar as nossas condições. Eles nos prendem a amarras, nos descartam sem o menor pretexto, encarceram e exilam qualquer pessoa que ofereça resistência à opressão e nos proíbem de lutar. Ignorância e servidão – estes são os meios pelos quais os capitalistas e o governo, sempre ao seu serviço, nos mantêm subjugados.

Que meios temos para melhorar as nossas condições, aumentar os nossos salários, reduzir a nossa jornada de trabalho, nos protegermos de abusos, ler livros inteligentes e úteis Todos estão contra nós – os patrões (pois quanto pior estivermos, melhor eles vivem), e todos os seus lacaios, todos aqueles que vivem da generosidade dos capitalistas e que, a seu bel-prazer, nos mantêm na ignorância e servidão.

Não podemos procurar por ninguém que possa nos ajudar; só podemos confiar em nós próprios. A nossa força reside na união; a nossa salvação na resistência unida, teimosa, e enérgica aos nossos exploradores. Há muito que eles compreenderam onde reside a nossa força, e tem tentado, de todas as maneiras, nos manter divididos, e não permitir que compreendamos que nós, trabalhadores, temos interesses em comum.

Cortam os salários, não todos de uma só vez, mas um, de cada vez. Colocam capatazes sobre nossas costas, introduzem o trabalho por empreitada [ou temporário]; e, gargalhando nas nossas costas, divertem-se com a forma como nós, trabalhadores, nos esforçamos para executar nosso trabalho, baixando os nossos salários pouco a pouco.

Mas, nada dura para sempre; a mudança é inevitável. Há um limite para a paciência [para aquilo que se pode suportar]. Durante o ano passado, os trabalhadores russos mostraram aos seus patrões que a submissão servil pode ser transformada na ardente coragem de homens que não se submeterão mais à insolência dos capitalistas gananciosos pelo trabalho não remunerado.

Em várias cidades foram registradas greves, como em Yaroslavl, Taikovo, Ivanovo-Voznesensk, Belostok, Vilna, Minsk, Kiev, Moscou, dentre outras cidades. A maioria das greves terminou com vitórias para os trabalhadores, mas mesmo as greves mal sucedidas são apenas aparentemente infrutíferas. Na realidade, elas assustam terrivelmente os patrões, causam-lhes grandes perdas e os forçam a conceder concessões, por receio de uma nova greve.

Os inspetores [supervisores] da fábrica também começam a se mexer [a ficar mais espertos] e a reparar que os capitalistas são muito mais falhos do que aqueles que eles apontam como desprovidos de qualidades. Ficam cegos até os seus olhos sejam abertos pelos trabalhadores que convocam uma greve. É quando, de fato, os inspetores de fábrica percebem a má gestão nas fábricas de personagens tão influentes como o Sr. Thornton ou os acionistas da fábrica Putilov.

Também em São Petersburgo, criamos problemas para os patrões. A greve dos tecelões na fábrica de Tornton, dos trabalhadores na fabricação de cigarro nas fábricas de Laferm e Lebedev, dos trabalhadores da fábrica de calçados, a agitação entre os trabalhadores das fábricas de Kenig e Varonin e entre os trabalhadores das docas, e, finalmente os recentes distúrbios em Sestroretsk [distrito da então capital São Petersburgo] provaram que deixamos de ser mártires submissos, e partirmos para a luta.

Como é sabido, os trabalhadores de muitas fábricas e oficinas organizaram a “União de Luta pela Emancipação da Classe Trabalhadora”, com o objetivo de expor todos os abusos, de erradicar a má gestão, de lutar contra as opressões insolentes dos nossos exploradores sem escrúpulos, e de conseguir a libertação total do seu poder.

A “União” distribui panfletos, à vista dos quais os patrões e os seus fiéis lacaios tremem nas suas botas. Não são os panfletos, em si, que os assustam; mas a possibilidade da nossa resistência unida, da demonstração do nosso gigantesco poder, que nós já lhes mostramos muito mais de uma vez.

Nós, trabalhadores de São Petersburgo, membros da “União”, convidamos os demais trabalhadores a juntarem-se à nossa “União” e a promover a grande causa de união dos trabalhadores para uma luta pelos seus próprios interesses. É tempo de nós, trabalhadores russos, quebrarmos as correntes com que os capitalistas e o governo nos mantêm presos, a fim de nos mantermos subjugados. Já é tempo de nos juntarmos à luta dos nossos irmãos, os trabalhadores de outras terras, para estarmos com eles sob uma bandeira comum sobre a qual está inscrita: “Trabalhadores do mundo, uni-vos!”

Na França, Grã-Bretanha, Alemanha e outros países, onde os trabalhadores já se uniram em fortes sindicatos e ganharam muitos direitos, estabeleceram o 19 de abril, o Primeiro de Maio no estrangeiro [Antes da Revolução de Outubro, o calendário russo estava 13 dias atrasado em relação ao Oeste Europeu], como feriado geral da classe trabalhadora.

Abandonando as fábricas abafadas, os trabalhadores marcham em fileiras sólidas, com colunas [dos distintos setores e categorias] e faixas, ao longo das principais ruas das cidades; mostrando aos patrões toda a força do seu poder crescente. Reúnem-se em encontros com numerosas pessoas, onde são proferidos discursos, relembrando as vitórias sobre os patrões no ano anterior e indicando os planos de luta no futuro.

Com medo de que ocorra uma greve, nem um único dono de fábrica multa os trabalhadores pela ausência do trabalho neste dia. Neste dia, os trabalhadores também recordam aos patrões a sua principal reivindicação: a jornada de trabalho de oito horas – 8 horas de trabalho, 8 horas de descanso e 8 horas de lazer. Isto é o que os trabalhadores de outros países estão exigindo, agora.

Houve um tempo, e não há muito tempo, em que eles, como nós, agora, não tinham o direito de fazer com que suas reivindicações fossem sequer apresentadas. Eles também estavam sendo massacrados pelas carências e faltava-lhes unidade, tal como nós, agora.

Mas eles, através de uma luta obstinada e pesados sacrifícios, ganharam para si próprios o direito de discutir, em conjunto, os problemas da causa dos trabalhadores. Enviamos os nossos melhores votos aos nossos irmãos de outras terras para que a sua luta os conduza rapidamente à desejada vitória, ao tempo em que não haverá senhores nem escravos, nem trabalhadores nem capitalistas, mas todos trabalharão de forma igual e todos desfrutarão da vida da mesma forma.

Camaradas! Se nos esforçarmos enérgica e sinceramente para nos unirmos, não estará muito distante o momento quando nós, tendo unido as nossas forças em fileiras sólidas, seremos capazes de nos unirmos abertamente nesta luta comum dos trabalhadores de todas as terras, sem distinção de raça ou credo, contra os capitalistas de todo o mundo.

E nossos braços enrijecidos serão levantados bem altos e as infames correntes da servidão cairão por terra. Os trabalhadores da Rússia surgirão, e os capitalistas e o governo, que serve e ajuda, sempre zelosamente, os capitalistas, serão atingidos pelo terror!

19 de abril de 1896

União de Luta pela Emancipação da Classe Trabalhadora

* Tradução de Wilson Honório da Silva: “Lenin’s May Day Leaflet” (1896) – https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1896/apr/19.htm —  e “May Day” (1904) — https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1904/apr/30a.htm. Nota do tradutor: para facilitar a leitura, os parágrafos foram “quebrados” de forma distinta do texto original, já que, como era o estilo da época, estes eram bastante longos.