Sem ousadia não existem mudanças. No V Fórum Social Mundial, seria muito importante que os ativistas de esquerda tivessem a ousadia de encarar a crise da ideologia dominante.A maioria do FSM (ONGs, representantes do PT e social-democracia européia) apresentou propostas de humanização do capitalismo. “Um outro mundo é possível” é o lema do Fórum, sem precisar romper com o capitalismo, rejeitando qualquer alternativa revolucionária e socialista. A ideologia predominante no FSM busca canalizar para alternativas eleitorais todo o sentimento anti-neoliberal.

Mas a realidade, que entra pelas janelas do Fórum, teima em mostrar que sem uma ruptura com o capitalismo, um “outro mundo” não pode ser possível. Uma vez no poder, o PT, assim como a social-democracia européia, impõe o mesmo receituário neoliberal de sempre.

As propostas reformistas do FSM são apenas enfeites que servem para justificar perante as massas a continuidade da política econômica neoliberal. Depois estes governos terminam repudiados pelas massas iguais aos da direita. Não por acaso, em Porto Alegre (cidade berço do FSM), o PT acaba de sofrer uma derrota eleitoral.

Existe assim uma crise no Fórum, que sua direção majoritária finge não ver, insistindo no mesmo eixo, nas mesmas fórmulas vazias e superficiais. Agora que Lula já não pode mais se apresentar como a alternativa “da esquerda”, está trazendo Hugo Cháves que, apesar de seus conflitos com o governo Bush, segue aplicando o neoliberalismo.

A ousadia necessária é voltar a pensar em revolução. Não basta ser contra Bush, é preciso apontar uma alternativa antiimperialista conseqüente, o que inclui a luta contra os governos europeus também imperialistas. Não basta ser contra o neoliberalismo, é preciso defender a ruptura com o capitalismo. As vias eleitorais demonstraram ser um beco sem saída para a luta das massas. É preciso associar as lutas diretas com um projeto de luta pelo poder, como afirma James Petras em sua entrevista no Opinião Socialista (ver p. 4 e 5). A rebeldia dos ativistas das lutas de todo o mundo deve servir para a contestação das ideologias reformistas no FSM.

Algumas propostas reformistas do Fórum

Somos todos “cidadãos”?

É preciso questionar o discurso da “cidadania”, que se transformou no mote da maioria do Fórum, deixando de lado a perspectiva socialista.

A defesa da cidadania foi revolucionária nas revoluções burguesas que derrotaram o feudalismo (séculos 18 e 19).

Na decadência do capitalismo, a “defesa da cidadania” significa igualar os cidadãos proprietários dos meios de produção e os cidadãos proletários. No entanto, eles têm interesses opostos: os lucros dos burgueses implicam na miséria dos proletários. A defesa da cidadania tenta convencer os trabalhadores a buscar uma saída conjunta sem radicalismos nem revoluções.

Estado “democratizado”?

Outra ideologia dominante é a que defende a “democratização do Estado burguês”. Os reformistas do FSM (não inovando em nada com os reformistas do início do século 20) dizem que o Estado burguês pode ser mudado por dentro, ficando a serviço dos trabalhadores. O Estado seria uma espécie de casa vazia, que mudaria seu caráter, a depender do tipo de morador que a ocupasse. Assim, bastaria chegar ao governo pela via eleitoral, para democratizá-lo.

No entanto, o Estado e seu regime democrático têm demonstrado ser uma arma eficaz da burguesia. Não para mudar o Estado, mas para mudar a esquerda que se adapta à institucionalidade. O PT é a maior demonstração disso.

A “democratização do Estado” serve para legitimar a prática eleitoralista da esquerda reformista. Voltar a pensar a necessidade da revolução socialista é, mais uma vez, uma demonstração de realismo.

A ficção da economia “solidária”

Outro pilar do reformismo é a defesa da “economia solidária” que se concretizaria com a generalização de associações auto-gestionárias, cooperativas, organizações de consumo ético, Bancos do Povo etc. Propostas de “uma economia capitalista voltada para o mercado interno”, em contraposição à globalização.

Não se leva em conta que a economia mundial é controlada por grandes multinacionais e bancos. Os defensores dessa proposta nada dizem sobre o que fazer com elas.

A alternativa ao neoliberalismo é a expropriação das grandes empresas e a planificação democrática da economia. Ou seja, a ruptura com o capitalismo.
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