A idéia de que “a primeira rodada da crise atingiu empresas e a segunda atingirá estados” se tornou um lugar comum e parece que vai tomar proporções inauditas. No entanto é insuficiente, se a tomamos apenas como um aforismo.Todos se recordam como a atual crise econômica foi resolvida em seu capítulo 2008: os estados nacionais despejaram trilhões de dólares para salvar seus sistemas financeiros da quebra imediata. O que poucos se lembram era dos fundamentos da crise anterior, para além de sua forma aparente. Façamos uma breve recapitulação. O neoliberalismo foi a vitória total do capital financeiro parasitário sobre outras formas de capital. O fenômeno das “ponto-com” foi apenas o exemplo mais claro de até onde um pedaço de papel poderia se “valorizar” e circular sem ter nenhum lastro com o mundo real. Como nós sabemos esses papeis seguem circulando como dinheiro, e como tal consomem e se apropriam da mais valia produzida pela exploração dos trabalhadores.

Essa roda viva tem seus limites, físicos inclusive. Na medida em que se “valoriza”, esse capital exige mais remuneração e mais exploração dos trabalhadores. Essas exigências explicam a voragem com que os ritmos de trabalho aumentaram e os direitos (salários diretos e indiretos) diminuíram nos últimos anos.

A explosão dessa esfera privada do neoliberalismo foi a crise de 2008. A mera exploração da classe trabalhadora não podia seguir remunerando o capital parasitário, não podia garantir os lucros esperados. Subitamente se descobriu que o rei estava nu. Resumindo os papeis sem lastro da economia privada foram pedir socorro aos cofres dos estados. Até ai tudo bem, uma vez que o estado nunca teve grandes problemas em privatizar os lucros e estatizar prejuízos. Como o buraco era muito grande, os estados resolveram o problema emitindo seus próprios papeis com lastros duvidosos no mercado.

Num resumo sumário da definição marxista de capital fictício pode-se dizer que eles são papeis com “uma lembrança ou promessa de lucros” e que circulam como dinheiro. O grande problema é que agora está chegando a hora em que os papeis do estado, que salvaram os papeis privados, estão eles mesmo precisando ser salvos.

O problema que antes atingiu a esfera privada chegou a sua esfera pública. Não se trata mais da intervenção pública na esfera privada para que o estado salve as grandes corporações financeiras. Agora trata-se do estado, a representação da sociedade e suas contradições salvar-se a si mesmo.

As crises e vicissitudes desse salvamento, são, como vimos na crise americana, políticas. O eixo da crise anterior está se deslocando a passos rápidos de uma crise de mercado para uma crise de estado. Não apenas pelos ataques a classe trabalhadora mas porque a solução da crise passa pelo ataque de setores distintos da burguesia e por um processo de canibalismo entre os países imperialistas para ver quem paga a conta.
Seguindo a metáfora do rei nu, as burguesias imperialistas estão chegando a conclusão de que não apenas o rei esta nu, mas que a corte, desastrosamente seguiu sua moda.

Quando os de cima não podem…
A crise americana das ultimas semanas de julho evidenciou mais uma vez a inexorável lógica da burguesia. Unida para explorar os trabalhadores, relativamente unida quando se trata de dividir os butins de suas rapinas, e absolutamente desunida quando se trata de saber quem entre eles paga a conta.

A discussão entre democratas e republicanos evidenciou que no coração do capitalismo há diferenças imensas sobre quem ficara como o “mico” da crise econômica evidente. Essa crise, alavancou uma outra, a das relações entre o bloco europeu e os EEUU, que já estava latente nos últimos meses, mas que esta tomando proporções maiores na medida que fica evidente a crise americana.

Atolado em seus problemas, a sensação que os EUA passam para o mundo é de que para além de não terem um plano para “salvar o mundo” nem se quer têm um plano delineado para se salvar a si mesmos.

O pomo da discórdia entre republicanos e democratas estava em que fórmula usar para cortar o déficit público americano, segundo o El País as negociações não andavam porque Obama propunha tanto o corte nos serviços públicos, como o aumento de impostos às empresas petroleiras e aos ingressos superiores aos 250 mil dólares anuais. Já os republicanos pretendiam que toda a redução do déficit viesse do corte de gastos.

A posição intransigente dos republicanos teve um duplo motivo. Primeiro, um cálculo eleitoral: desgastar Obama e obrigá-lo a ”romper com seu programa”. Segundo, os 200 republicanos da Câmara de Representantes e mais de 40 senadores desse partido haviam jurado simbolicamente que jamais, sob nenhuma circunstância, votariam a favor de um aumento dos impostos. Esse grupo radical, ultradireitista, foi, à sua maneira, coerente. O El Pais, jornal espanhol, avaliou que “o Partido Republicano nunca mediu as consequências de seu pacto com o movimento Tea Party para ganhar as eleições legislativas de 2010” e mais adiante: “Provavelmente, o máximo líder republicano no Congresso, John Boehner, o entendeu por fim (…) enquanto buscava um a um os votos que necessitava para levar adiante sua proposta sobre o aumento do teto da divida”. Essa é uma situação sintomática da divisão criada dentro do partido republicano pelo setor de extrema direita.

A divisão inter-burguesa e inter-imperialista não está se dando apenas do lado de cá do Atlântico. A crise grega demonstrou que o velho continente também está dividido. Voltando ao mesmo El Pais, em relação à crise grega, afirmava que os países da zona do euro estavam divididos “pelo papel que deve adotar o setor privado – bancos e seguradoras principalmente – no segundo plano de ajuda”.

Angela Merkel, chefe do governo alemão, não estava disposta a abandonar suas exigências de que desta vez os bancos deviam pagar também pela crise, e não somente os contribuintes (muito menos os de seu país). No entanto, Jean Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, (BCE), respaldado pelo pleno do conselho do BCE e com o apoio de Espanha e Itália, se opunham a uma participação dos bancos que pudesse ser interpretada como um default seletivo.

Já o membro do decadente imperialismo português, Barroso, presidente da comissão europeia, pedia a todos os líderes que mostrassem a ética da responsabilidade europeia: “Há também uma responsabilidade do BCE. A solução exigirá que todos os atores assumam plenamente sua responsabilidade”.

Essas diferenças sobre como “salvar” a Grécia têm origem, segundo o jornal espanhol, na crescente aversão alemã à integração europeia. O próprio jornal dá a senha de porque os alemães estão contra uma maior integração, que significaria “uma união de transferências”, seja pelo resgate dos países em dificuldades, emissão de eurobonos ou compra de papeis de dívida degradada, pelo Banco Central Europeu.

Por outro lado, o jornal enfatiza que “Sarkozy é quem mantém as posições mais ambiciosas”. O presidente francês “defendeu com entusiasmo uma visão federalista da Europa” que seria a panaceia para resolver os problemas originais da moeda única que nasceu sem Tesouro e sem política fiscal e que poderia permitir a existência e a emissão de eurobonos e quiça um Fundo Monetário Europeu. Recentemente, e após a Itália ter sido alvo da fúria dos mercados, foi a vez de Berlusconi vir defender os eurobonos.

A luta entre os dirigentes europeus também se expressou no enfrentamento entre o presidente do banco central alemão, Jens Weidmann, que não perde chance de mostrar sua independência da chanceler alemã, Angela Merkel. Em comunicado no dia seguinte à cúpula europeia, ele atacou o segundo acordo da UE para ajudar a Grécia, em especial a participação da banca no socorro.

Não resta dúvida de que a burguesia europeia não tem acordo sobre quem deve pagar a conta, para além do proletariado e da juventude de seus países. Quando a conta ficou alta demais para que apenas esses atores quitassem os débitos, e chegou a hora de que banqueiros, especuladores e capitalistas meterem as mãos no bolso, a divisão, antes latente, veio à tona.

Algumas conclusões
A burguesia mundial vive não apenas uma crise econômica, vive uma crise social e, mais importante, uma crise politica.

O que gestou a atual crise politica, é claro, foi sua crise econômica. No entanto essa crise política, que se expressa justamente em qual a melhor política para sair da crise econômica é o que da a dinâmica dos acontecimentos atuais.

Não se pode perder de vista, que as atuais crises do imperialismo e de suas burguesias nacionais estão no marco da resistência sempre crescente dos trabalhadores e dos setores populares. Uma quebra dessa resistência facilitaria muito o serviço do agentes do capital.

Nesse momento, no entanto, são as diferenças entre os diversos imperialismos por um lado e entre suas burguesias nacionais por outro que levaram o mundo a beira de um novo crack nas semanas que passaram.

Nenhum elemento na realidade indica que essas diferenças serão superadas nos próximos meses. Os organismos multilaterais do imperialismo, até agora, não dão indícios de que tirarão da cartola um novo coelho para a crise que se instalou.

É também necessário não perder de vista os exemplos que vêm do Chile, da repressão londrina, do impedimento dos manifestantes de voltarem à Praça do Sol na Espanha, da quase total imobilidade em relação ao massacre na Síria, do crescimento da extrema direita parlamentar nos EUA, para sabermos não somente que esses senhores não estão inertes diante da crise, mas que a própria crise poderá gerar em seu seio setores dispostos a levar a repressão contra as massas e contra a crise a patamares superiores aos que hoje vemos.

Por outro lado, a corrida das burguesias nacionais para se salvarem cada uma a si mesmas em detrimento de seus “parceiros” e a dificuldade de coordenarem uma saída conjunta só fortalecem essas tendências.

O exemplo vivo da crise de 1929 – com sua depressão, o surgimento de uma extrema direita mundial, o isolacionismo dos EUA, e a guerra como saída final da crise imperialista – deve estar no horizonte de todos aqueles que buscam compreender a realidade atual e se preparar para as batalhas que, de fato, já começaram.

* Colaborou Diana Curado