Fotos: PSTU-SP

“Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há os que lutam muitos anos e são muito bons, mas há os que lutam toda a vida, e estes são imprescindíveis.” (Bertolt Brecht)


A esquerda desenvolveu um costume carinhoso de chamar seus militantes que estão há mais tempo nas organizações, seus dirigentes importantes, experientes, de “velhos”. A esquerda sempre atraiu para si uma camada de jovens, que tem mais disposição de sacudir as vestes poeirentas de nossos dias – que, por mais que se passem os anos, sempre acumulam poeira enquanto houver desigualdade e não houver liberdade.
 
No dia 20 de julho, a juventude do PSTU de São Paulo se reuniu com militantes históricos de nossa organização. Companheiros de longa data e de distintas gerações se juntaram para narrar nossa história. A história dos 20 anos do PSTU, nesse dia, foi apresentada com o recorte dos anos antecessores à fundação desse partido. Anos que fizeram essa história.
 
Na apresentação, destacaram-se as palavras: “Os companheiros que agora compõem essa mesa, Waldo Mermelstein, Enio Bucchioni, Valério Arcary e Genilda Souza, compartilham a história de suas vidas com a história de nosso partido. Houve um encontro entre os projetos e histórias de vida. Hoje se misturam por absoluto”. Com muita emoção, foram dada as boas vindas a Bucchioni, que retorna à casa.
 
Bucchioni deu início à conversa. Olhou com atenção e carinho os cerca de 80 jovens que, de alguma maneira, se amontoavam para ouvi-lo. Contou que, quando jovem, se encontrou com Mário Pedrosa. Estava cheio de entusiasmo para ir à luta e tomado pela vontade de mudar o mundo. Olhava para sua juventude e deparava-se com a inexperiência: “Ouvir aquele velho me fazia mais experiente, mais sábio. Mário nos fez trotskistas. Portanto, aproveitem e escutem esses velhos”.
 
“Hoje, para mim, é emocionante estar aqui com vocês, da juventude. Escutem os velhos, foi importante para mim”, continuou. Com emoção e simplicidade, ele relatou sua trajetória de militância. “Eu comecei a construir a Quarta Internacional no dia 11 de setembro de 1973. Naquele dia ocorreu o golpe militar de Pinochet. Fui a um terreno longínquo e fiquei aguardando chegarem as armas para resistir ao golpe militar no Chile. Não chegaram nunca. Eu, então, percebi que estava disposto a pegar em armas e a fazer a revolução. Percebi, também, que não seria com o stalinismo ou com Allende. Logo, fui construir a revolução internacional”. No início construíram o Ponto de Partida. Bucchioni encerrou sua participação com uma homenagem a Waldo: “Este aqui, ao meu lado na mesa, teve a coragem de voltar ao Brasil, durante a ditadura militar, e aqui cumpriu um papel fundamental na história da luta de classes brasileira”.


 
Waldo começou sua participação contando sobre a sua história de vida. Ele é de origem judaica e defendia o socialismo dos kibutz. Durante sua experiência no Estado de Israel, conheceu uma família palestina que havia morado na terra onde naquele momento Waldo vivia em seu kibutz. Nunca mais esqueceu isso. Foi um passo determinante para compreender o papel do Estado de Israel. Anos depois, Waldo passaria a ser contra este Estado e a defender o Estado da Palestina.
 
Em seguida, Waldo partiu de onde Bucchioni encerrara. Com o retorno ao Brasil, em 1974, foi criada a Liga Operária. Em 1978, foi fundada a Convergência Socialista (CS). Havia um ascenso na realidade brasileira. Os estudantes retomavam as ruas, como na marcha de 1977, e a classe operária levantava-se em greves. A organização trotskista recém criada no Brasil intervinha em todos esses processos. Em 1978, organizava 1.200 pessoas. Foi um crescimento estrondoso.

Em 1979, houve a maior crise da história da organização. Valério Arcary analisou a conjuntura daqueles tempos: muitas greves, o surgimento da figura de Lula, a fundação do PT etc. Ele destacou, principalmente, nossos erros. Waldo havia dito que, em 1974, havíamos apoiado o MDB nas eleições: “Éramos todos muito jovens. A equipe de direção nacional tinha pouco mais de vinte anos”.

 
Valério falou sobre as pressões que os dirigentes revolucionários sofrem em sua atuação. A vida no capitalismo nos dá poucas felicidades, ensina que o prazer é a sensação da felicidade, e que o maior prazer é a conquista. A conquista visível aos olhos dos outros. Com isso se desenvolve o prestigismo, isto é, o querer ser notado, querer ter destaque, algo que se aproxima do carreirismo. O prestigismo, segundo ele, é um câncer que assola muitas organizações de esquerda, quadros e dirigentes. Tem uma base material, que é a origem de classe de muitos desses dirigentes, que foram educados para serem grandes.
 
A crise de 1979 nunca foi profundamente compreendida. Mas, definitivamente, foi marcada por disputas prestigistas. Estas cegam os olhares e os impedem de compreender a realidade, desenvolvendo a desconfiança. Em 1902, em O que fazer?, Lenin apontou que a base mais profunda da democracia partidária é a confiança. O partido revolucionário de tipo leninista tem como regime interno, isto é, tem seu funcionamento baseado no centralismo democrático. Esta é nossa concepção de partido, é o que nos pode fazer vencer. Mas, tal regime depende, por inteiro, da confiança entre os membros da organização, e é posto abaixo com uma infestação de desconfiança.
 
Em 1979, houve uma metástase da desconfiança. O partido se dispersou quase por completo. Passou a ter entre 300 e 400 militantes. Mas aqueles que se sustentaram, se calejaram e não negaram seus erros para superá-los. A história de uma organização revolucionária é sempre marcada por erros e por lições sinceras aprendidas com tais erros.
 
Em seguida, Genilda emocionou os presentes falando de sua história de vida e de sua trajetória militante. Seu pai era metalúrgico, estudou até a quarta série primária e se dizia comunista. Passou para ela as principais lições de sua vida, como não nunca confiar em patrões e stalinistas. Genilda fez parte da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (POLOP), definida por ela como uma organização neo-stalinista, por dez anos. Lembra-se de maneira precisa de uma conversa que teve com seu primeiro dirigente:
 
“ – Por que vocês estão aqui?
– Para fazer a revolução.
– Por que querem fazer a revolução?
– Para mudar o mundo! (Entre outras respostas quaisquer)
– E se vocês não o fizerem?
Impacto. Todos se surpreendem. Não era uma possibilidade pensar naquilo.
– Você está maluco! Nós com certeza veremos a Revolução!”
 
Com lágrimas nos olhos e a voz trêmula, Genilda disse: “Eu até hoje nunca vi a revolução”. Nesse momento, os olhos de toda a nova geração que ouvia atentamente os seus velhos vão, um a um, tornando-se úmidos.
 
Ela continuou: “Nunca esqueci suas palavras. Eu nunca vi a Revolução. Mas, sei que tudo o que fiz, em toda a minha vida, foi para vê-la. E que se não for eu mesma quem a veja ou a tome pelas mãos, serei parte de sua história. Por isso, conto tudo isso a vocês, que agora retomam meus sonhos de juventude, que agora revivem meus momentos de alegria e irreverência de meus vinte e poucos anos”.
 
A experiência na POLOP foi importante para formá-la em muitos aspectos. Mas essa organização se provou errada politicamente quando foi sectária com a classe operária brasileira que criava o PT. Genilda optou por ser parte desse importante processo político. Ficou encantada pela mobilização das massas. A experiência de militância no PT a fez crítica a direção de tal partido.
 
A paixão pela mobilização da classe operária e a crítica dura à burocratização da direção do PT a aproximou da CS. Genilda ajudou a construir o PT desde o início e foi parte da direção deste partido. Apresentou a importância da CS ter se colado no ascenso da classe operária brasileira e destacou: “fiz tudo isso sendo mulher”.
 
Ao final, alguns jovens fizeram seus comentários e tiraram dúvidas. Carlos disse: “antes de ser do PSTU, quando secundarista, eu fui anarquista. Um mês depois de entrar no partido, eu debatia com os anarquistas dizendo ‘a gente [PSTU] fez isso em 1970, aquilo em 1980, etc.’, e eles me diziam: ‘como assim a gente? Você tem 19 anos! Como assim estava em 1970! E, ouvindo essa palestra eu entendi mesmo: é a gente. É nossa história”.
 
Esta foi a lição de uma tarde que uniu a nova geração e os seus velhos. A juventude compreendeu que esteve em 1973 esperando as armas para resistir ao golpe no Chile. Esteve na fundação do PT. Esteve na Palestina. Esteve sendo mulheres, negros, negras, homossexuais, fazendo história. A juventude do PSTU não tem apenas 16, 20 ou 26 anos: tem a história de uma organização que cristalizou a história da classe trabalhadora internacional e é parte de seu destino.