Dilma e Serra se esforçam em mostrar quem fará melhor o que já está sendo feitoNo Brasil, o debate eleitoral começou bem adiantado. Lula se antecipou ao calendário ao lançar extra-oficialmente a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. Inexperiente em disputas eleitorais, a ministra teve que sofrer uma “repaginação” para se cacifar à disputa do Planalto, colando-se a Lula para gozar pelo menos parte de sua popularidade.

Já entre a oposição de direita, o governador de São Paulo José Serra (PSDB), animou-se com o resultado da recente eleição no Chile, onde o candidato tradicional da direita, o oposicionista Piñera, venceu mesmo com a aprovação de 80% da presidenta Michelle Bachelet. Serra, na prática já tinha adotado a postura de candidato e, a exemplo de Dilma, viajava o país posando para os fotógrafos segurando crianças no colo ou experimentando buchada de bode no Nordeste.

As semelhanças
O grande desafio, tanto para Dilma quanto para Serra, será o de demarcar as diferenças entre as duas candidaturas. O governo tenta consolidar a imagem de Dilma Roussef como a legítima sucessora do que seriam os “avanços” da era Lula. A ministra é apresentada como uma “desenvolvimentista”, ou seja, uma defensora de um Estado forte, realizador de grandes investimentos e protetora da indústria nacional, o que teria sido a marca do governo Lula.

Já José Serra, embora apareça na frente nas pesquisas, terá um trabalho mais penoso. Como o PT se apropriou da política econômica levada a cabo por FHC em seus dois mandatos, o que apresentar de diferente? Sem novas propostas, o discurso do governador tucano deverá se pautar no “administrador competente” e “ético”, dizendo que o mérito de Lula foi justamente a continuidade do período FHC. Ou seja, Serra vai dizer que fará a mesma coisa que Dilma, só que melhor.

Fatos e discursos
Os dois discursos, porém, embora deixem clara a semelhança entre as duas candidaturas, partem de mistificações e tentam esconder o essencial. O governo FHC era neoliberal. O governo Lula é neoliberal. Um futuro governo Dilma ou Serra, será também neoliberal.

Sobre o caráter do governo FHC não há grandes polêmicas. O tucano foi o responsável por grande parte das privatizações nos anos 90, prosseguiu na abertura indiscriminada do país ao mercado internacional, fez sua reforma da Previdência e, durante seu governo, viu as taxas de desemprego explodirem. Foram os anos da flexibilização e precarização do mercado de trabalho.

Teve em seu governo a ajuda inestimável do então senador José Serra, que ocupou o ministério do Planejamento (entre 1995 e 1996) e o da Saúde (entre 1998 e 2002). Segundo declaração do próprio FHC, Serra foi um dos principais defensores da privatização da Vale do Rio Doce. Ao mesmo tempo, denúncias da compra de votos para a aprovação da reeleição e a corrupção nas privatizações minaram qualquer aparência “ética” que seu governo pudesse manter. O que, aliás, possibilitou a defesa da “ética na política” do PT.

As diferenças
O governo Lula, porém, não foi mera continuidade dos anos de FHC. Lula não é FHC, e a chegada ao poder de um histórico líder operário aumentou também muitas ilusões. Tal identificação foi fundamental para a política de ataques que o governo implementaria.

Assim que assumiu, em 2003, Lula de cara impôs uma reforma da Previdência no setor público. Nos três primeiros anos do mandato petista, manteve a política econômica do governo anterior, o que levou o país a um crescimento econômico medíocre, inferior à média dos países da América Latina. Em 2005, o escândalo do mensalão balançou o seu governo, colocando definitivamente o PT na vala comum dos demais partidos de direita.
A conjuntura internacional, de crescimento econômico acelerado, porém, aliado à condição do país de grande exportador de commodities (como aço, soja, carne, etc), permitiu ao Brasil manter taxas de crescimento relativamente mais elevadas nos últimos anos, apesar da política econômica. Coisa que, é bom que se diga, não significou de forma alguma uma melhora de vida da classe trabalhadora.

A grave crise econômica internacional no final de 2008, no entanto, expôs de forma dramática esse crescimento dependente, provocando de forma imediata uma onda de demissões no país. Posteriormente, o governo conseguiu segurar a economia através de pesados subsídios a banqueiros e empresários. A tão propalada recuperação, porém, vem perdendo fôlego e é possível que o próximo governo seja apanhado em cheio por uma crise.

Lula não foi melhor
Se a imagem e o discurso de Lula, assim como a conjuntura externa eram bem diferentes, a política econômica mantinha-se a mesma e, em alguns aspectos, até pior que FHC. Recentemente a ONG Contas Abertas divulgou um estudo no qual compara os níveis de investimentos realizados pelo governo FHC e o governo Lula, comparando os sete primeiros anos de cada um. Enquanto o governo FHC investiu R$ 149,9 bilhões, Lula investiu apenas R$ 127,1 bilhões, R$ 23 bilhões a menos.

Esse fato mostra que a imagem de um Estado mais atuante no governo Lula não passa de mistificação alardeada pelo próprio governo e boa parte da imprensa.

Já outro estudo, esse do economista Cláudio Salm, da UFRJ, mostra que os indicadores sociais não tiveram mudanças significativas entre os governos FHC e Lula. Aspectos como o número de domicílios com esgoto e água encanada, continuaram a ter uma tímida melhora, enquanto que serviços públicos como educação e saúde, continuaram piorando.
“Do ponto de vista da política econômica, já sabemos que não houve qualquer ruptura, como o próprio Lula havia anunciado que já não haveria, em 2002, na famosa Carta aos Brasileiros”, disse Salm, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

Já no caso de Serra, o seu governo em São Paulo pode servir como bom parâmetro para indicar como atuaria o tucano no Planalto. A gestão tucana deixou setores como Saúde e Educação em frangalhos, num mandato marcado pelo autoritarismo, como no caso dos decretos que minavam a autonomia da USP, derrotados pela mobilização dos estudantes.

O que está em jogo?
Esse é o espólio disputado por Dilma e Serra. Definir quem continuará a obra de Lula e FHC. Por isso mesmo, o confronto entre essas candidaturas majoritárias não trará nenhum grande debate. Não se questionará o pagamento da dívida pública, a ajuda bilionária a grandes bancos e empresas, a ausência de reforma agrária e qualquer tema que possa comprometer um regime voltado aos interesses do grande capital.

A falsa polarização torna ainda mais necessária uma alternativa eleitoral dos trabalhadores, que apresente uma saída anti-capitalista aos atuais problemas que insistem em esconder. Alternativa que, por hoje, se expressa na pré-candidatura de Zé Maria, do PSTU.

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