Aconteceu recentemente em Brasília uma reunião que pode ter enormes consequências para o movimento sindical. O jornal Estado de São Paulo (20/05/2012) noticiou que o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), reuniu líderes sindicais, representantes do governo e direções de partidos para debater um anteprojeto de lei que institui a figura jurídica do Acordo Coletivo Especial (ACE). A proposta partiu dos Metalúrgicos do ABC, o mais importante dos sindicatos da CUT.

A proposta, apresentada na reunião por Sérgio Nobre, presidente da entidade, dá poderes aos sindicatos para fecharem acordos coletivos com as empresas por fora do que é determinado na legislação trabalhista. De acordo com o sindicato, a medida permitiria acordos específicos “em decorrência de especificidades da empresa e da vontade dos trabalhadores, justificam adequações nas relações individuais e coletivas de trabalho e na aplicação da legislação trabalhista”.

Trata-se de um avanço na flexibilização dos direitos trabalhistas. A legislação não proíbe nem impede o sindicato e as empresas de fazerem acordos coletivos, estabelecendo condições melhores para os trabalhadores do que aquelas estabelecidas em lei. Então, o único sentido de uma mudança que permita acordo por fora da legislação é estabelecer condições piores para os trabalhadores.

Não é difícil imaginar, diante de uma possível queda na produção, o que seriam essas tais “condições específicas”. O projeto da CUT abre brecha para que as empresas, alegando uma situação de crise, imponham a elevação da jornada de trabalho ou a redução de salários. Caso a crise se agrave, poderão “propôr” a suspensão do 13º salário, das férias etc. Ou seja, pode-se estar preparando, por iniciativa da CUT, uma reforma trabalhista.

Colaboração de classes
Não é por acaso que na cartilha lançada pelo sindicato para explicar sua proposta utilize o exemplo das Câmaras Setoriais, ocorridas em 1992 e 1993. Essas Câmaras representam a virada do sindicalismo combativo que marcou os primeiros anos da CUT para a colaboração de classes com as grandes empresas.

A colaboração de classes foi incorporada primeiramente pelos dirigentes sindicais e, depois, pelo PT. Hoje é a ideologia oficial dos governos de Lula e Dilma. Foi o pior veneno imposto na consciência de milhões de trabalhadores pelo lulismo.

Quando a CUT ainda lutava contra este tipo de postura, na Constituinte de 1988, polemizava com a proposta de pacto social feita pelo governo José Sarney. “Com o aprofundamento da crise econômica e social no país, provocado pela incapacidade do projeto da burguesia em dar respostas aos anseios da população, mais uma vez vem à tona a proposta de pacto social, onde a burguesia e o governo Sarney contam com a ajuda de Medeiros-Magri [sindicalistas da Força Sindical na época], agentes do capital no seio do movimento operário. A CUT entende que não pode haver pacto entre desiguais e que nesse tipo de pacto os trabalhadores só têm a perde”, diziam na época.

Hoje, a CUT e a Força Sindical são os agentes do Capital no seio do movimento operário.

O (mau) exemplo das Câmaras Setoriais
Segundo a cartilha da CUT, os resultados das Câmaras Setoriais “foram espetaculares”. Houve renúncia fiscal do estado e renúncia dos trabalhadores a mobilizações salariais. Basta ver os dados abaixo para ver quem ganhou com o pacto.
As multinacionais produziram, em quatro anos, 70% a mais, tiveram um ganho de produtividade de 78%. E não respeitaram o acordo de garantia no emprego, mesmo produzindo muito mais. Realmente os resultados foram espetaculares…para as empresas.

Desaceleração da economia
Existem inúmeros sinais de desaceleração da economia, empurrada pela crise europeia. A indústria teve uma queda no primeiro quadrimestre de 2,8%, em relação ao mesmo período de 2011. O PIB cresceu apenas 0,2% no primeiro trimestre. Existe uma queda nas cotações das matérias primas que afeta as exportações brasileiras. O fluxo de dólares, que vinha se mantendo altíssimo, está diminuindo em função do agravamento da situação mundial. Em maio, pela primeira vez desde 2010, foi negativo.

A desaceleração pode se transformar em uma nova recessão, como consequência da crise internacional. Ainda não existe essa realidade, e o mundo sindical ainda vive momentos de lutas salariais como fruto do crescimento.

Mas já existem setores em estagnação e mesmo retração. Nesses casos, já começou a ocorrer a imposição desse tipo de acordo defendido pela CUT e Força Sindical. A MWM (motores) fechou um acordo de redução de jornada e de salários (entre 15% a 17,5%) nos próximos três meses, com os sindicatos dos metalúrgicos de São Paulo e Canoas (RS).

Um dos setores mais expostos é o automobilístico que teve enormes lucros em todos os últimos anos, mas apresentou queda de 3,1% no primeiro quadrimestre, só recompondo as vendas (parcialmente) em maio, depois da redução de IPI. A capacidade instalada já é bem superior à demanda existente em função da instalação de novas plantas industriais pela concorrência. Já estão em curso episódios como o Plano de Demissão Voluntária (PDV), na GM, e a suspensão de 1500 operários, na Mercedes. É por isso que as montadoras de automóveis estão na origem dessa proposta da direção sindical do ABC.

O exemplo europeu
A iniciativa da CUT é parte de um plano das grandes empresas para uma possível crise no país. Não se trata de uma ideia que, de repente, surgiu na cabeça de alguns sindicalistas, mas de uma iniciativa das multinacionais automobilísticas através do Sindicato do ABC. Depois de tantos anos de convivência com as grandes empresas, esses sindicalistas já se prestam a este tipo de serviço.

E isso é grave porque indica o grau de ataque que está vindo por aí. Nenhum governo de direita conseguiu esse tipo de flexibilização dos direitos trabalhistas.
Muitas vezes esse tipo de acordo é apresentado como “divisão de sacrifícios para todos”. Não é isso que ocorre. Nem sequer é possível preservar o emprego. Na Espanha, o famoso Pacto de La Moncloa, no final dos anos 1970, levou, em dois anos, ao fim 760 mil postos de trabalho.

Na Europa, os planos de austeridade foram defendidos pelos governos da social-democracia, como o Pasok na Grécia e o PSOE espanhol. Na realidade, impõem perdas gigantescas para os trabalhadores como a redução de salários e cortes nas aposentadorias para preservar o pagamento aos banqueiros.

Se o movimento operário aceitar a lógica do “acordo”, os ataques não param mais. Basta olhar para a Europa e ver que, depois de um plano de austeridade, vem outro ataque.

O verdadeiro movimento operário no Brasil, que não se transformou em “agente do Capital no seio do movimento operário”, está chamado a repudiar essa tentativa de Reforma Trabalhista disfarçada. A CSP-Conlutas, que teve na sua origem toda uma série de lutas nesse sentido, certamente terá um papel de vanguarda nessa mobilização.

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