Apesar do triunfalismo do governo ianque e seus aliados, rapidamente ficou claro que a captura de Saddam Hussein, no final de 2003, não paralisou a resistência militar e de massas à ocupação imperialista. Na verdade, a situação não foi sequer atenuada. Pelo contrário: continuou, de maneira crescente, debilitando a ocupação.

Vejamos alguns dados. Desde 1º de maio de 2003, data em que terminou a guerra “normal”, uma média, diária, de 33 atentados ocasionou mais de 500 mortes de soldados ianques e milhares de feridos. Esta cifra é muito superior às baixas sofridas durante a própria guerra. A isto devem se somar as baixas de soldados e funcionários britânicos, italianos e espanhóis.

Os próprios homens do imperialismo vêem que a situação se complica cada vez mais. O tenente-general Raymond Oderno, chefe do operativo que capturou Saddam, declarou: “Saddam não estava dirigindo a onda de violência anti-norteamericana, por isso a resistência continuará”. Os analistas políticos afirmam o mesmo. Tom Dodge, do Instituto de Estudos Estratégicos dos EUA, considera que “a insurgência cresceu muito mais além do controle de Saddam. Há de 15 a 30 grupos sem contato direto (político ou financeiro) com ele”. Segundo distintas avaliações de organismos de inteligência norte-americanos, a cifra de combatentes da resistência varia entre cinco e 50 mil.

Duas vertentes da resistência

Com as dificuldades que nos apresentam a distância e o fato de manejarmos somente informações jornalísticas, acreditamos que a resistência à ocupação tem duas vertentes. Uma de caráter militar, que tem maior repercussão nos meios de comunicação. Nesta vertente parece predominar o setor sunita da população, do qual Saddam fazia parte, e a maioria de seus ex-funcionários civis e militares. A outra vertente é de caráter massivo, expressada através de mobilizações, fundamentalmente do setor xiita, que representa os 60% mais empobrecidos da população, discriminados (política e economicamente) pelo regime de Saddam.

Longe de apoiar as tropas invasoras para “libertá-los de Saddam”, como esperava o imperialismo, o povo xiita repudia a ocupação e os invasores. Por isso, no ano passado, eles aproveitaram festejos religiosos para exigir que “os iraquianos formem seu próprio governo, sem Saddam nem os EUA”.

E, este ano, realizaram mobilizações com cerca de 100 mil pessoas em Bagdá, a capital, e de vários milhares em Basra, Nasiria, Kerbala e outras cidades. Além disso, há contínuos enfrentamentos contra as patrulhas e os quartéis dos ocupantes.
Ainda que tenham origem em setores sociais e religiosos distintos, ambas as vertentes expressam o ódio à ocupação, ao saque que o imperialismo submete o país e ao crescente aumento da pobreza, da miséria e do desemprego. A ocupação imperialista conseguiu que, depois de décadas de enfrentamentos, xiitas e sunitas, hoje, se unam para lutar contra o inimigo comum.

O imperialismo não poderá derrotar este processo somente assassinando ou prendendo uns poucos líderes. Para conseguir impor uma derrota, a realidade exige uma longa permanência, com milhares de soldados, banhados de sangue e fogo. Exatamente o oposto o que desejam os ianques.

A direção xiita se divide

Este processo de mobilização de massas dividiu sua direção, formada majoritariamente por líderes religiosos ligados ao governo do Irã e que, até agora, tentavam acalmar as coisas e encontrar uma saída para a situação em conjunto com a APC (Autoridade Provisória de Coalizão), o “governo-fantoche”, apoiado pelas autoridades ianques da ocupação.

Um setor, como Abdal Asís al-Hakim, colabora de maneira aberta com a ocupação e a APC. Outros, como o aiatolá Alí as-Sistani, começam a exigir eleições para antes de 30 de julho, inclusive sem que retirem as tropas invasoras. Este líder religioso, que nunca condenou a ocupação, tenta canalizar e confundir as mobilizações do povo xiita. Mas sua exigência se choca com a política norte-americana, que não prevê nenhum processo eleitoral, pelo menos até 2005.

Finalmente, aparece uma posição mais dura, como a de Muhamad Ayad al-Kibaisi, que exige, antes de qualquer eleição, o fim da ocupação. O certo é que estas divisões na direção burguesa xiita abrem fissuras que podem favorecer ainda mais as lutas e mobilizações e a perda de controle de suas bases por parte dessas direções.
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