Protesto de trabalhadoras da indústria têxtil.
Ana Godoi

fome e a miséria transformaram a vida dos trabalhadores russos num verdadeiro calvário no ano de 1917. Desde o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, a piora na vida dos operários, que já era muito dura devido às condições do país, produziu um efeito devastador para o czarismo: a ideia da revolução apossou-se do coração dos trabalhadores!

Apesar da compreensão mais generalizada da necessidade de dar um basta nas mazelas da vida, no início de 1917 ainda não estava nítida a possibilidade de derrubar o governo. Os trabalhadores se radicalizavam em lutas e greves contra a piora nas condições de vida, mas ainda não havia começado o movimento da máquina da revolução. No entanto, naquele 8 de março, as portas da mudança se abriram, e quem mostrou o caminho foram as mulheres trabalhadoras.

O 8 de março já havia sido transformado em um Dia Internacional de Luta das Mulheres Trabalhadoras e, nos anos anteriores, grandes mobilizações tomaram conta da Europa, fruto do acirramento da luta causado pela guerra. Assim, alguma movimentação política já era esperada para esse dia, não apenas na Rússia, mas em outros países. Porém o que se passou extrapolou em muito as expectativas. As trabalhadoras da indústria têxtil deflagraram uma greve de enormes proporções e saíram em marcha pelas ruas da cidade de Petrogrado, revindicando pão, pois não suportavam mais a fome. Os demais trabalhadores não esperavam um movimento grevista para aquele dia. No entanto, seguiram o exemplo daquelas mulheres e aderiram ao movimento. Era 23 de Fevereiro de 1917 no calendário bizantino Russo, mas no restante da Europa era 8 de março.

A mobilização das mulheres deu início à grande Revolução Russa. Nos dias que seguiram, o Czar Nicolau II foi derrubado. Essa foi a primeira cena da revolução que abriu caminho para a primeira revolução vitoriosa do operariado. Nos dizeres da militante bolchevique Alexandra Kollontai, “O Dia das Mulheres Trabalhadoras de 1917 tornou-se memorável na história. Nesse dia, as mulheres russas ergueram a tocha da revolução proletária e incendiaram todo o mundo. A revolução de fevereiro se iniciou a partir desse dia.

Cartaz celebra a “vida nova” inaugurada com a Revolução de Outubro; restaurantes populares e creches permitiam às mulheres participar ativamente das comissões de fábrica

A revolução e as mulheres
A Revolução Russa garantiu direitos civis às mulheres trabalhadoras, que passaram a ter os mesmos direitos políticos que os homens, conquistas que nenhum Estado burguês havia garantido a elas. O caminho para a emancipação das mulheres estava sendo construído a partir da ditadura do proletariado, e aquelas trabalhadoras têxteis foram parte fundamental desse processo. Por isso, o 8 de março passou a ser o dia de relembrar, não apenas do poder revolucionário da mobilização daquelas mulheres, mas também de reforçar a necessidade de uma revolução operária no processo de libertação das mulheres.

Em outubro de 1917, os bolcheviques lideraram os soviets na tomada do poder. Os primeiros anos da revolução garantiram um avanço histórico para as lutas das mulheres, com o direito ao divórcio, ao aborto e ao salário igual ao dos homens, enquanto restaurantes, lavanderias e creches comunitárias atacavam as bases da escravidão do trabalho doméstico.

Em 1918, entrou em vigor um novo Código Civil, suprimindo todos os direitos dos homens sobre as mulheres. Assim, o marido não podia mais impor à mulher o seu nome, nem seu domicílio, nem sua nacionalidade e ficava assegurada a mais absoluta paridade de direitos entre marido e mulher. Em 1920, as mulheres conquistaram o direito ao aborto legal e gratuito nos hospitais do estado. A primeira Constituição da República Soviética, de julho de 1918 deu à mulher o direito de votar e ser eleita para cargos públicos.

Um feito sem precedentes
No entanto, nos anos seguintes à revolução, após a acensão de Stalin ao poder, muitas dessas conquistas retrocederam. O stalinismo impôs uma contrarrevolução burocrática em todos os níveis, e o 8 de março passou a ser um dia de exaltação da família e da pátria soviética.

Se a Revolução Russa não conseguiu conquistar a plena emancipação da mulher e o stalinismo fez retroceder essa tarefa, isso não se deveu a um problema da revolução ou do socialismo que, a rigor, não chegou a ser posto à prova.

A revolução trouxe para a mulher enormes conquistas que a fizeram saltar de uma situação de degradação e opressão brutal para o que havia de mais avançado em termos de conquistas políticas e sociais. Por outro lado, a revolução desfez o tabu da inferioridade feminina e a ideia de que a opressão da mulher pode acabar no capitalismo.

Infelizmente, após 100 anos, nenhuma outra experiência em toda história conquistou tantos direitos para as mulheres em tão curto espaço de tempo. Até hoje, nenhum país capitalista – por mais avançado que seja – possui medidas que colocam efetivamente as mulheres em igualdade de condições com o homem como as leis que foram promulgadas na jovem república soviética.

Isso porque, diferentemente da sociedade capitalista, a construção de uma economia coletiva e socialista exigia que fosse assim. O problema histórico da opressão da mulher não apenas se mantém como se aprofunda. As bases para sua superação definitiva só podem ser construídas com o fim do capitalismo.