Estudantes protestam em Brasília pela democratização da comunicação
Agência Brasil

Como no famoso bordão de Silvio Santos, grupos de telefonia e de comunicação disputam avidamente o controle do milionário sistema de TV digital a ser adotado no BrasilEm maio de 1997, a Vale do Rio Doce foi vendida por cerca de R$ 3,3 bilhões. A privatização foi alvo de protestos em todo o país e de uma batalha campal em frente ao leilão, no Rio de Janeiro. As previsões dos manifestantes eram corretas. Só no ano passado, a ex-estatal teve um lucro de R$ 10,443 bilhões. Agora, no governo Lula, está ocorrendo uma outra negociação, tão ou mais estratégica para o país. Segundo análise publicada pelo jornal Estado de S.Paulo, a TV digital deve movimentar mais de R$ 100 bilhões nos próximos 10 anos. Apesar de, entre os trabalhadores, não ter despertado nem a sombra do que foi a campanha contra a entrega do minério, por outro lado, os grandes grupos econômicos estão muito mais do que atentos.

Na disputa que envolve a escolha do padrão da TV digital e a tecnologia e os serviços que serão implementados, existem dois principais grupos de interesse, que atuam intensamente, com lobies milionários. De um lado, fabricantes de televisores e celulares, como Siemens, Philips e Nokia, aliados aos grandes grupos de telecomunicações, como a Vivo, defendem a adoção do modelo europeu de TV digital.

De outro, empresas japonesas, como Nec Corporation, Panasonic e Toshiba, unidas às empresas radiodifusoras, especialmente a Rede Globo, agem pelo sistema japonês.
Os interesses são claros. As teles desejam poder atuar na distribuição de dados e produzir conteúdo para TV e equipamentos móveis, operação para a qual ainda não há regulamentação. A Globo, por sua vez, teme a entrada das operadoras neste mercado, cada uma com um tamanho infinitamente maior do que o seu. Acostumados a disputar com novelas mexicanas, os Marinho teriam de lidar com gigantes multinacionais.

Crédito interativo
As possibilidades contidas na passagem da TV analógica para a digital são impressionantes. Além da qualidade de imagem, poderíamos assistir a programação no caminho para o trabalho, em equipamentos móveis; acessarmos até quatro canais por faixa, e teríamos interatividade, deixando de ser apenas “telespectadores”. Poderíamos usar o televisor para serviços públicos, como o FGTS, comentar programas, ler e-mails etc.

Nada disso é que o que move os lobies. De ambos os lados, o que interessa são os milhões lucrados com a venda de televisores e conversores, com royalties da tecnologia usada, com a publicidade dos conteúdos exibidos e até com vendas de faqueiros por controle remoto. Gustavo Gindre, do Coletivo Intervozes, em pronunciamento aos deputados federais, resumiu o que está em jogo: “Podemos usar este potencial para realizar o maior projeto de inclusão digital do mundo. Ou usar a interatividade para escolher quem vai para o paredão ou para comprar o vestido da mocinha da novela. O que parece mais relevante?”, questiona.

No dia 8, o jornal Folha de S. Paulo publicou reportagem indicando que o presidente escolheria o padrão japonês de TV digital (ISDB), indicado pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, e defendido com unhas e dentes pela Globo. Apesar dos desmentidos, tudo indica que, nos próximos dias, seja realmente esta a escolha do presidente, o que agradaria à Globo, já que o sistema japonês permite menor quantidade de canais, afastando assim a ameaça das empresas de telefonia.

Representantes do governo alegam que o padrão japonês seria mais vantajoso, pois este proporciona uma melhor qualidade de imagem e os japoneses teriam oferecido a instalação de uma fábrica de semicondutores no Brasil, o que permitiria transferência de parte da tecnologia usada. Na verdade, nenhum dos três sistemas de TV digital – o norte-americano, o europeu e o japonês – concordaram de fato com esta possibilidade, pois significaria abrir mão do controle sobre esta tecnologia e das divisas de sua distribuição mundo afora, inclusive por aqui. O consultor do consórcio japonês no Brasil chegou a negar publicamente que a instalação da fábrica estivesse garantida.

Escutando os donos da voz
Mesmo sendo o usuário a arcar com a maior parte dos custos – brasileiros gastarão cerca de 10 vezes mais do que as emissoras, com televisores, conversores e impostos – eles não foram ouvidos.

Tampouco o país precisaria, necessariamente, adotar um dos três padrões desenvolvidos pelas maiores potências imperialistas. Desde o início do debate, 22 consórcios de universidades e institutos nacionais têm realizado pesquisas para desenvolver um padrão alternativo, que se adotado, garantiria autonomia em relação à tecnologia estrangeira, menor custo para os adaptadores que todos teríamos de comprar, desenvolvimento industrial, e, conseqüentemente, empregos. O governo ignora a iniciativa.

A TV digital traz a tecnologia para avançar na democratização dos meios de comunicação, já que permite a criação de múltiplos canais. Em vez de canais de venda, imaginemos o avanço que seria a criação de canais para o movimentos sociais, onde, por exemplo, os sem-terras pudessem reagir à campanha contra suas ocupações.
É preciso que os movimentos sociais que já não têm mais ilusões neste governo assumam a luta pela democratização dos meios de comunicação, enfrentando os monopólios, grupos econômicos e famílias que controlam os veículos e denunciando o papel de Lula que, escolheu um ministro da Globo e fecha rádios comunitárias.

Eleições e TV digital: tudo a ver
A disputa entre os dois principais grupos representa uma queda de braço entre um setor com grande poder econômico, o das teles, e outro, com grande poder político, a Rede Globo, conquistada a partir do monopólio. No fim, apesar de todos os milhões de dólares que movimentam, as teles parecem estar levando a pior. Se o dinheiro é o que faz a roda girar no capitalismo, algo deveria estar errado. Mas as coisas não são tão simples. O determinante para a escolha de Lula está sendo o fato de estarmos em um ano eleitoral, e estarmos vivendo o desfecho da maior crise política de seu governo.

Nesta conjuntura, torna-se perigoso contrariar interesses das emissoras, em especial a Rede Globo. O retorno aos noticiários dos episódios do mensalão, ou mesmo de outros casos, como os que envolvem o assassinato do prefeito Celso Daniel, os telefonemas de Palocci ou a empresa do filho de Lula, seriam perigosos para sua candidatura, ainda que esteja embalada nas pesquisas. Assim como há o acordão que livra a cara dos deputados no Congresso, a escolha do modelo de TV digital parece revelar outro toma-“lá-dá-cá“, que garantiria boas notícias em troca da garantia do controle do mercado.

O debate sobre a TV digital arrasta-se desde 1999, mas, no fim, a lembrança de uma cueca no horário nobre foi decisiva para encurtar a conversa. Agora, Lula torce pela recuperação do jogador Ronaldo, para que o noticiário possa ficar tão “agradável“ quanto o que era elogiado pelos generais da ditadura militar.

O que muda

• A qualidade da imagem é dada pelo número de linhas e de colunas de pixels. A TV analógica usa 480 linhas. A digital usa 1.080.

• Além do aumento da qualidade, o formato de tela também muda, passando para o horizontal, como o de cinema (16:9). O som, de 2, passaria a ser transmitido em 5 canais.

• Para poder assistir a TV digital, todos terão de comprar conversores (“set top boxes“), que custarão entre R$ 200 e R$ 600, ou novos televisores. O sinal analógico continuará sendo transmitido, por mais de 10 anos.

• OS SISTEMAS
Europeu (DVB-T) – Usado em 57 países.
Japonês (ISDB-T)- Usado no Japão
Norte-americano (ATSC)- Usado nos EUA, Canadá, México e Coréia do Sul.

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