No Manifesto Antropófago (1928), Oswald declarava: “Só a antropofagia no une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. (…) Tupi or not Tupi, that is the question”. O que se seguia, então, era uma espinafração de tudo que pudesse ser identificado com o conservadorismo ou o apego às tradições, a começar pela Igreja e seus ícones, como Padre Vieira e José de Anchieta.

A proposta era simples. Assim como os indígenas praticavam o canibalismo de forma ritual, para absorver o poder dos inimigos, os artistas e intelectuais deveriam canibalizar a influência estrangeira (inegavelmente mais forte) e, no processo de digestão, agregar a identidade e a cultura brasileiras, criando uma arte, ao mesmo tempo, nacional e universal.

É mais ou menos isso que Oswald faz com a célebre frase de Shakeaspeare (“ser ou não ser, eis a questão”). O tupi engole a clássica frase de Hamlet e subverte o inglês, deixando no ar uma irônica questão sobre as raízes e a identidade de nosso povo. Ironia que percorre todo o texto, em ótimas tiradas como “Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval” ou “Contra a realidade social, vestida e opressora, castrada por Freud”.

O ímpeto e a essência da antropofagia foram resgatados em alguns momentos e movimentos culturais do Brasil. Primeiro pelo Tropicalismo, no final da década de 60, quando espremidos entre a ditadura e uma produção cultural medíocre, americanizada e consumista, jovens sacudiram o cenário cultural canibalizando tudo isso e colocando para fora uma explosão criativa. No teatro, com o grupo Oficina, na música, com os Novos Baianos e os Mutantes e na poesia, com gente como Torquato Neto.

Hoje, pode-se dizer que o banquete antropofágico continua sendo celebrado em manifestações como o rap da periferia, que absorve o estilo norte-americano e o transforma com o gingado nacional, ou o mangue beat, que sabe devorar influências das mais diversas digerindo-as com os ritmos nordestinos e a beleza simples da literatura de cordel.
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