A imprensa revolucionária sempre teve um papel de suma importância para os marxistas e para construção do partido revolucionário. Mas como fazer com que o partido mantenha uma boa imprensa, um bom jornal, como ampliar o espaço e a influência da imprensa revolucionária entre os trabalhadores, como escrever artigos claros e ao mesmo tempo atraentes, que prendam a atenção de nosso leitor, como disputar o espaço na consciência da classe trabalhadora com a imprensa burguesa? Essas e outras questões sempre fizeram parte das nossas preocupações. Sempre procuramos descobrir o segredo de fazer um jornal que fosse uma ferramenta de aglutinação dos militantes, de enlace entre aqueles que estivessem dispostos a lutar pela revolução socialista.

Uma das melhores evidências do papel essencial de uma boa imprensa revolucionária encontramos em Leon Trotsky. Para ele, a imprensa revolucionária era tão fundamental que acabou se confundindo com a sua própria vida militante. A cada passo em sua intensa trajetória de intelectual marxista e militante revolucionário existiu um jornal, às vezes dois, até mesmo três. Fosse na prisão, fosse no exílio, na guerra ou dentro do trem blindado correndo em alta velocidade para combater a contra-revolução, Trotsky nunca perdeu a chance de escrever para um jornal.
Lênin, que considerava essa uma das tarefas mais difíceis do partido – criar um jornal popular – viu na entrada de Trotsky no Partido Bolchevique a solução para esse problema.

Enfatizava o fato de que a criação de um órgão popular para esclarecer a política do partido para as massas era uma tarefa que exigia uma grande experiência. “Por isso o CC quer conseguir a colaboração do camarada Trotsky, que teve êxito na criação de seu órgão popular Rússkaya Gazeta”, dizia.

Mas ao contrário de Lênin, Trotsky deixou poucos escritos sobre a questão do jornal. Um deles é O jornal e seu leitor (em Questões do Modo de Vida) onde ele insiste no cuidado que devemos ter na apresentação de nossos jornais. Mas se vamos investigando os seus passos, podemos encontrar boas pistas sobre seu trabalho nos jornais, suficientes para acreditar que não havia nenhum grande segredo nele, apenas uma boa dose de sensibilidade e uma confiança absoluta na classe trabalhadora e na força das idéias revolucionárias.

Obviamente que do tempo em que Trotsky viveu e militou até hoje, a forma de fazer e distribuir um jornal operário mudou muito. Mas o objetivo desse jornal continua praticamente o mesmo.

Os primeiros jornais
O primeiro jornal feito por Trotsky chamava-se Nashe Delo (Nossa Causa). Era um jornal clandestino e circulava pelas fábricas da cidade de Nikolaiev, na Rússia, onde funcionava a União de Operários do Sul da Rússia. Essa organização foi fundada por Trotsky em 1897, junto com seus amigos estudantes e um grupo de operários. Tinha cerca de 250 membros, a maioria trabalhadores manuais.

É bom enfatizar a importância que Trotsky atribuía à qualidade e à apresentação gráfica dos panfletos e jornais que faziam, e o extremo cuidado com que escrevia os textos. Ele conta: “Eu me sentava para escrever os panfletos ou os artigos, que depois eu mesmo me encarregava de copiar em letra de fôrma para o gráfico. Ainda não sabíamos que existiam as máquinas de escrever. Me preocupava em traçar as letras com a maior meticulosidade, pois tinha o prurido de que nenhum operário, ainda que só soubesse soletrar, deixasse de entender os panfletos e manifestos saídos de nossa ‘imprensa’. Cada página me custava duas horas pelo menos. Às vezes passava semanas inteiras com as costas dobradas e só me levantava da mesa para assistir a alguma reunião ou dar um curso para os operários. Ficava feliz quando chegavam os informes das fábricas e oficinas contando a ansiedade com que os operários devoravam aquelas folhinhas misteriosas com letras em cor violeta, passando-as de mão em mão e discutindo acaloradamente seu conteúdo. Para eles, o autor desses panfletos devia ser um personagem importante e misterioso, que sabia penetrar em todas as indústrias, que averiguava tudo o que ocorria entre os operários e se adiantava aos acontecimentos por meio de uma folhinha nova ao cabo de vinte e quatro horas”.
O Nashe Delo ia muito bem e tinha grande acolhida entre os operários de Nikolaiev. Mas em janeiro de 1898, Trotsky foi preso e deportado para a Sibéria.

Um jornal atrás do outro
Em 1902, Trotsky fugiu da Sibéria e foi para Londres, onde filiou-se ao grupo de social-democratas russos, dirigido por Lênin. Aí, colaborou na redação da Iskra (Faísca), jornal encabeçado por Lênin, Martov e Vera Zasulich.

No processo revolucionário de 1905, ele teve uma participação tanto teórica quanto prática. Fez trabalho de agitação e uma intensa atividade propagandística. Escreveu em três jornais ao mesmo tempo: a pequena Russkaia Gazeta (Gazeta Russa), que publicava junto com Parvus, e que transformaram em um órgão de luta das massas. Em poucos, o jornal passou de 30 mil para 100 mil exemplares vendidos, tendo atingido a tiragem de meio milhão de exemplares nos primeiros dias de dezembro de 1905; era feito em condições bem precárias em relação aos recursos gráficos. Em 13 de novembro de 1905, apareceu o Natchalo (Início), órgão político que fundou com os mencheviques.
Essa vida atribulada de Trotsky no calor da revolução de 1905 é descrita por Isaac Deutscher: “Das assembléias, Trotsky corria a seus escritórios nas oficinas de redação, pois dirigia e codirigia três jornais. O Izvestia do Soviet aparecia em intervalos irregulares e era produzido com ingênua valentia (…). Além disso, Trotsky conseguiu, com a ajuda de Parvus, que vivia em Petersburgo, obter o controle do jornal liberal Russkaya Gazeta, que transformou em um órgão popular do socialismo militante. Pouco depois fundou com Parvus e Martov um jornal de grande circulação: Nachalo (Início), visto como porta-voz do menchevismo. Na verdade, Nachalo era sobretudo o jornal de Trotsky, pois ele impunha as condições aos mencheviques: o jornal defenderia a ‘revolução permanente’”.

Preso na repressão à insurreição de 1905, Trotsky é novamente deportado para a Sibéria, em 1907, e novamente consegue fugir de lá. Passa a viver em Viena, na Áustria, de onde, a partir de outubro de 1908, Trotsky começou a publicar em russo o jornal Pravda (A Verdade). O jornal aparecia duas vezes ao mês e estava destinado aos operários, entre os quais teve muito sucesso. A publicação durou três anos e meio, e apesar de ser apenas bimestral, exigia um trabalho enorme e cansativo, porque a correspondência secreta com a Rússia levava muito tempo.

Quatro anos depois, os bolcheviques começaram a publicar em São Petersburgo um jornal com o mesmo nome. Trotsky responsabilizou o bolchevismo pelo plágio, e deixou de publicar o Pravda em Viena. Mas depois passou a colaborar no Pravda publicado sob a direção de Lênin.

A partir de 1912, com a iminência da Primeira Guerra Mundial, Trotsky começa a trabalhar como jornalista no Kievskaia Mysl (O Pensamento de Kiev), que lhe ofereceu um cargo de correspondente de guerra nos Bálcãs.

Nos anos de 1912 e 1913, Trotsky se dedicou a estudar a situação política e social na Sérvia, Bulgária e Romênia. Aí ele aprendeu muito sobre a guerra, cujas lições lhe seriam úteis não só em 1914, mas também em 1917. E o jornalismo foi a forma que ele encontrou para melhor expressar suas idéias, colocando suas matérias a serviço da luta contra a guerra.

Isaac Deutscher lembra que, para falar da guerra, Trotsky narra as aventuras de um único soldado, revelando por meio delas todo o horror dos campos de batalha. No texto intitulado O Sétimo Regimento de Infantaria da Epopéia Belga, escrito em 1915, Trotsky descreve as experiências de De Baer, um estudante de direito da Universidade de Lovaina que concentra em si mesmo todo o drama da Bélgica invadida e ocupada. Trotsky acompanha sua saga desde o início da guerra, as batalhas, os cercos, as escapatórias, o nascimento do patriotismo entre o povo invadido, os absurdos da guerra. O estudante sofre espantosos tormentos nas trincheiras e, enviado a um hospital na França, se descobre que é muito míope para ser soldado e é dispensado. Abandonado pelas forças militares em um país estranho, não consegue emprego; e quando Trotsky o conhece, ele está passando fome e vestindo trapos. Com o foco centrado em De Baer, Trotsky reproduziu o drama vivido por milhões de jovens soldados como ele, e, com isso, não fez demagogia, apenas mostrou o absurdo da guerra.

Enquanto a guerra assolava a Europa, Trotsky escreveu em Zurich o folheto A Guerra e a Internacional, um dos primeiros documentos marxistas de caráter antibelicista. Nesse texto, dirigido em primeiro lugar contra os social-democratas alemães, ele explica que o dever dos socialistas era defender uma paz democrática, sem anexações ou indenizações, pela autodeterminação das nações oprimidas.

Em janeiro de 1917, Trotsky vai para Nova Iorque, nos Estados Unidos. Lá colabora com a redação do Novy Mir (O Novo Mundo), que tinha como redatores Nikolai Bukarin, Alessandra Kolontai e V. Volodarsky. Escreve uma série de artigos analisando a revolução russa. Comparando esses artigos de Novy Mir com as cartas que Lênin escreveu na mesma época (as Cartas de Longe), que enviava de Zurique a Petrogrado, percebe-se a concordância com a análise e as perspectivas da revolução russa.
Em março de 1917 Trotsky volta para a Rússia e publica artigos no semanário que fundou: Vperiod (Adiante), órgão dos membros da Organização Interdistrital. O jornal apareceu até que a organização dos internacionalistas ingressou no Partido Bolchevique, tendo atingido os 16 números.

Vitoriosa a Revolução de Outubro, Trotsky é nomeado Ministro da Guerra e passa grande parte do tempo viajando por todo país num trem blindado. No trem, além das atividades militares, ele escreveu muito e publicou um jornal chamado V Puti (No Caminho), onde diariamente se noticiava as ações e as batalhas ocorridas.
Servindo ao leitor
Os jornais de Trotsky sempre faziam muito sucesso. “Isso não surpreende a ninguém que revise as coleções dos jornais e os compare: os jornais de Trotsky tinham muito mais brilho e força de expressão”, diz Deutscher em O Profeta Armado. Mas por que seus jornais atraíam tanto os leitores?

Logicamente, são inúmeros os fatores que podem nos levar a fazer um jornal atraente e escrever belos textos. No entanto, um deles é imprescindível: a sensibilidade para com os problemas humanos. Trotsky gostava de dizer que seus jornais não serviam para explicar nada ao leitor, mas sim, serviam ao leitor.

Acostumados a serem tratados pela imprensa burguesa como ignorantes, objetos descartáveis, imbecis que precisam ser educados, os trabalhadores, quando encontram um jornal que os trata como o que realmente são – sujeitos -, tendem a ouvir melhor as suas idéias e a sentir que ali está alguém que se interessa por eles.
“Caros colegas jornalistas: o leitor lhes suplica que evitem dar-lhes lições, fazer sermões ou serem agressivos, mas sim, que descrevam clara e inteligivelmente o que se passou, onde e como. As lições e as exortações ressaltarão por si mesmas”, aconselha.

A preocupação em escrever de forma clara, saber relacionar os fatos entre si e baixar tudo à terra, com exemplos concretos, eram outros atributos do jornalismo de Trotsky. Ele não usava o jornal apenas como agitador, no sentido de abrir suas páginas para noticiar fatos ou agitar bandeiras. Seus jornais eram fundamentalmente órgãos de propaganda. Ele escrevia artigos que tinham uma carga explicativa muito grande.

Em síntese: para Trotsky é preciso fazer um jornal para um leitor vivo, desperto para a luta diária pela vida e para os problemas políticos. O leitor tem necessidade de que se manifeste interesse por ele, ainda que nem sempre ele saiba exprimir esse desejo. Foi movido por essa idéia e com esse leitor em mente que ele conseguiu fazer jornais socialistas que se esgotavam no ato, disputados avidamente por operários, soldados e camponeses, estivessem onde estivessem.

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