Redação

A Editora José Luís e Rosa Sundermann acaba de lançar o livro O Imperialismo e a crise da economia mundial, coletânea de textos de Leon Trotsky sobre a transição entre Inglaterra e EUA na hierarquia imperialista e sua relação com a crise econômica de 1929 e a luta de classes

O capitalismo forjou uma hierarquia entre os Estados cuja base econômica foi aprisionada por uma férrea divisão mundial do trabalho. No topo desta divisão estão os países imperialistas, que concentram a indústria mais avançada e exploram a maioria absoluta dos países do mundo.

Na esteira da exploração econômica estão a subjugação política e o poder militar, que mantêm o sistema, não somente econômico. O poder das armas também define o lugar que cada país pode ocupar neste sistema macabro onde o capital é acumulado.
Os Estados Unidos ocupam hoje o centro econômico político e militar deste sistema de Estados, mas nem sempre foi assim. Depois da Segunda Guerra Mundial, os EUA substituem a Inglaterra como o país mais poderoso do mundo. Esta transição tem como pano de fundo uma feroz luta entre as classes e setores de classes. O resultado foram duas guerras mundiais, a construção da URSS e, posteriormente, a expropriação da burguesia em um terço da humanidade.

A crise da ordem mundial controlada pela Inglaterra foi o critério utilizado para a seleção dos textos de Trotsky reunidos no livro “O Imperialismo e a crise da Economia Mundial”. O seu fio condutor é a contradição ressaltada por Trotsky entre a manutenção da hegemonia imperialista da Inglaterra sobre o planeta e sua decadência econômica.

Revolução e contra-revolução
A sequência inicial dos textos vai de 1921 a 1926. O debate se concentra em torno do boom da economia mundial depois da grande destruição causada pela Primeira Guerra (1914-1918). Nestes textos vale ressaltar o método com o qual Trotsky estabeleceu sua análise sobre este período. Este foi o nosso objetivo ao incluir o debate anterior à crise de 1929, na medida em que a análise da situação mundial determinava para os revolucionários de então estabelecer as perspectivas mais gerais da economia e da luta de classes.

(…) A questão básica não se resolve calculando a produção, mas por meio de uma análise dos antagonismos econômicos. O miolo da questão é este: Os Estados Unidos e, em parte o Japão, estão empurrando a Europa a um beco sem saída, não estão deixando nenhum mercado para suas forças produtivas, que foram somente em parte rejuvenescidas durante a guerra. (…) ao empurrar os europeus mais e mais para uma franja estreita do mercado, os Estados Unidos estão preparando atualmente um novo deterioro sem precedentes das relações internacionais, tanto entre os Estados Unidos e Europa como dentro da mesma Europa. Mas na etapa atual do desenvolvimento, os EUA estão conseguindo um conjunto de objetivos imperialistas por vias “pacíficas”, quase “filantrópicas”. (sublinhado nosso – “Sobre a Questão da estabilização da economia mundial”.)

Desta forma, para Trotsky, a análise dos ciclos econômicos, tanto no que se refere aos períodos de estabilidade como os de crise, deve estar dentro de um marco mundial determinado. Assim, ao tomar como critério os antagonismos econômicos entre os Estados imperialistas, que não tinham sido completamente resolvidos com a carnificina da Primeira Guerra Mundial, Trotsky foi capaz de estabelecer quais as contradições fundamentais que se acumulavam para o desenlace da próxima crise.
E este processo estava determinado pelo fato de que os imperialismos europeus seguiam sendo empurrados para um beco sem saída. Um processo cada vez mais grave por causa da longa agonia do imperialismo inglês, que perdia o controle do mercado mundial para um novo e pujante concorrente, os Estados Unidos.

A nova realidade econômica sob a qual se desenvolvia a luta de classes à escala mundial expressava então uma profunda contradição entre o poderio econômico dos Estados Unidos e o seu peso político.

Por isso, quando explode a crise econômica de 1929, Trotsky segue utilizando a mesma ferramenta teórica que lhe permitiu vários anos antes antecipar a dinâmica da Revolução Russa e depois da revolução mundial: a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e os Estados nacionais. Observando o desatar da mais profunda crise econômica do capitalismo no século 20, Trotsky conclui, em 1931:

As bases materiais dos EUA não têm precedentes. Sua preponderância potencial no mercado mundial é superior à preponderância real da Inglaterra no perío­do de apogeu de sua hegemonia mundial… Esta energia potencial se transformará inevitavelmente em energia cinética, e algum dia o mundo será testemunha de uma grande explosão da agressividade iaque em todos os cantos do planeta. O historiador do futuro escreverá em seus livros: “A famosa crise de 1930 dividiu a história dos Estados Unidos em um sentido que suscitou uma transformação de orientação nos objetivos espirituais e materiais de tal magnitude que a velha Doutrina Monroe, ‘A América para os Americanos´, foi superada pela nova doutrina, ‘O mundo inteiro para os norte-americanos´. (Entrevista concedida ao Manchester Guardian, fevereiro de 1931).
A profundidade da crise de 1929, que oficialmente duraria até 1941, somente encontra uma saída quando a produção industrial dos Estados Unidos se converte em uma máquina de guerra. As forças produtivas da América do Norte se convertem em seu oposto, em forças destrutivas. As novas mercadorias produzidas – bombas e armas – encontram o novo mercado aberto pelo imperialismo alemão, que estava em um beco sem saída e também buscou resolver sua crise convertendo sua indústria em uma máquina de guerra.

Assim, o que Trotsky destaca nos textos sobre a Grande Depressão dos anos 30 é que a palavra de ordem de “o mundo inteiro para os norte-americanos” foi a saída política para superar a crise econômica. Sua análise da crise econômica buscava identificar então o fato de que o antagonismo entre Europa e Estados Unidos não resultaria em uma solução pacífica para a crise. O peso econômico dos EUA exigia nada menos do que o controle do mercado mundial e uma nova localização deste país na hierarquia dos Estados. Sem esta solução política não haveria solução econômica.

A crise econômica atual vem acompanhada também de uma profunda crise política que agora Obama tentará superar. A estratégia de Bush para o Novo Século Americano foi enterrada nas areias do Iraque, mas os EUA souberam alternar os Bushs e os Obamas em sua história, da conquista pacífica do mercado mundial, quase “filantrópica”, como ressalta Trotsky, ao genocídio de Hiroshima, Nagasaki, Vietnã e Iraque.

A crise da economia mundial que agora presenciamos, ao estar concentrada nos centros imperialistas, abre um importante debate que vai além das perspectivas estritamente econômicas. Em que medida esta crise afetará o poder e o controle dos Estados Unidos do atual sistema mundial de Estados? Estaríamos diante de transformações profundas na ordem mundial? Estaria se modificando o teatro em que o drama da nossa época, em que a revolução e a contra-revolução se desenvolvem?
Os textos que compõem “O Imperialismo e a crise da economia mundial” não podem substituir a análise da crise atual, que tem sua própria combinação de fatores. No entanto, podemos encontrar em Trotsky um marco teórico e metodológico que ajude a fazer as perguntas corretas para compreender a crise que se inicia.

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