O filme “Tropa de Elite 2 – O inimigo agora é outro”, dirigido por José Padilha e muito bem protagonizado por Wagner Moura, é o mais novo sucesso de bilheteria do cinema brasileiro. Até agora, já foi visto por quase 6,6 milhões de espectadores. O filme foi ajudado pelo sucesso de seu antecessor e pela sede dos espectadores de assistir novamente aos incorruptíveis “caveiras” em sua cruzada contra o tráfico de drogas.

Mas aqueles que foram ao cinema para assistir a um filme de ação hollywoodiano acabaram surpreendidos. Não que faltem tiroteios e outras cenas de ação, o filme está repleto delas. No entanto, seu desfecho leva o espectador a refletir sobre a fonte de toda a miséria e violência: como diz o próprio ex-capitão (agora, coronel) Nascimento, o tal “sistema”.

Coronel Nascimento e “o sistema”
A trama mostra como parte da cúpula corrupta da Polícia Militar (velha conhecida do primeiro filme) vai deixando de receber propina do crime organizado para se tornar parte dele. O Bope, que na ficção é incorruptível, vai deixando de ser o herói da história e passa a ser apenas uma arma dos políticos para multiplicar as milícias.

O filme se aproxima ainda mais da realidade. Os políticos são corruptos e só se preocupam com duas coisas: dinheiro e votos. A milícia controla as comunidades, ou seja, os currais eleitorais que favorecem os políticos. A polícia divide-se entre integrar as milícias ou viver de propina. A segurança pública deixa de ser uma luta entre policiais e bandidos e passa a ser um negócio extremamente rentável.

O desenrolar do filme mostra o desenvolvimento das milícias e suas ligações umbilicais com o Estado. Enquanto as relações promíscuas entre o crime e o governo vão se tornando mais claras, as mais profundas convicções do coronel Nascimento vão ficando abaladas. Ele enxerga como anos de dedicação à luta contra o tráfico nada adiantaram, e que cada grupo criminoso que ele eliminou foi sempre substituído por outro mais adequado ao sistema. A cada experiência, o coronel vai amadurecendo a ideia de que sua luta é contra o “sistema”, e não contra tal ou qual grupo criminoso.

Coronel Nascimento oferece um surpreendente depoimento, onde pede o fim da polícia militar, acusa o parlamento de “ficha suja” e brada contra o “sistema”. O policial conclui que “entra governo e sai governo, o sistema continua invencível, articulando-se em novas frentes e submetendo-se a novos interesses”, enquanto uma visão panorâmica do Congresso Nacional é exibida na telona.

Ética na polícia e ética na política resolvem?
O filme nos leva a refletir inevitavelmente sobre quais seriam as soluções para a violência nos centros urbanos. Uma delas, com a qual muitos irão concordar, seria pôr fim à corrupção no seio da polícia.

Mas será possível eliminar a corrupção na polícia? Ou ainda, será que a existência de uma polícia realmente incorruptível poderia nos trazer um mundo sem crime organizado? O próprio filme indica que não. Os “caveiras”, mesmo com a capacidade fictícia de não se deixarem corromper, fracassam de forma retumbante.

O personagem Diogo Fraga (alter-ego do deputado estadual Marcelo Freixo – PSOL/RJ) amplia as dimensões dessa indagação. Trata-se de um deputado ético, com boas intenções, que trava uma luta contra a corrupção na Assembleia Legislativa. Mas será possível, mediante a luta parlamentar, afastar da política os “fichas-sujas”? Novamente o filme indica que não, ao mostrar o isolamento de Fraga diante dos corruptos.

A impotência dos dois heróis do filme não se dá à toa. O sistema contra o qual os dois se batem é o capitalista, que divide o mundo entre ricos e pobres e condena bilhões à miséria absoluta para sustentar os lucros de alguns poucos. Por trás do político e do policial corrupto existem interesses maiores, que vão da indústria de armas até os especuladores imobiliários.

O voto não pode mudar o sistema
Assim, da mesma forma que uma “tropa de elite” ética não pode resolver o problema da violência, a existência de um punhado de parlamentares éticos não pode resolver os problemas do sistema capitalista. O projeto de reformar o capitalismo por dentro só pode levar ao fracasso, seja pela cooptação, seja pela derrota pura e simples, ou porque, ao fortalecer a ilusão eleitoral, fortalece-se o sistema de conjunto.

Desviar as energias da vanguarda dos movimentos sociais para reformar o sistema poderia até produzir novos e trágicos heróis de filmes, mas não resolveria os problemas das pessoas reais. Ainda mais quando setores da esquerda, pautados por cálculos eleitorais, “esquecem” reivindicações históricas do movimento em troca de outras mais palatáveis para o eleitorado, como os circos das CPIs ou a capitulação frente às UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) – principal programa de segurança do governador Sérgio Cabral (PMDB), que consiste em ocupar e manter a polícia instalada dentro das favelas.

As medidas que enfrentam o problema da violência são acúmulos do movimento socialista. O fim de todas as polícias, formando uma polícia civil única, com direito a sindicalização e comando eleito em assembleias populares nos bairros, controlada pelas comunidades; a legalização das drogas; a estatização de toda a indústria de armas e outras medidas sociais, principalmente o aumento de salários e a criação de empregos para todos, já seriam suficientes para desmantelar o crime organizado. Pensar em medidas que combatam a corrupção no parlamento também é possível: fim do sigilo bancário, financiamento público de campanha, mandatos revogáveis, fim de todos os privilégios etc.

Mas é preciso entender que mesmo as menores medidas só serão conquistadas com a luta dos trabalhadores e dos movimentos sociais, e não pelas mãos de um ou outro herói. Derrotar o sistema capitalista é a única solução, que só pode ser obtida de forma coletiva, com a luta do povo e da classe trabalhadora, como já dizia um verso de um antigo funk dos morros cariocas: “o povo tem a força, só precisa descobrir, se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui.”