Cartaz de divulgação

Amparado por um mega-esquema de distribuição e publicidade, a seqüência do filme Tropa de Elite cravou um recorde no cinema brasileiro ao levar mais de 2,6 milhões de espectadores em seus primeiros dias de exibição. A superprodução traz de volta o personagem que se tornou parte do pop nacional, o protagonista Capitão Nascimento, interpretado com espantoso realismo por Wagner Moura.

Tropa de Elite 2 vem sendo apontado como uma profunda inflexão em relação ao primeiro longa. O próprio título já anuncia tal mudança: “Agora, o inimigo é outro”. E, de fato, nesse filme o foco se altera. Embora ainda vejamos a história sob os olhos e a perspectiva do capitão do Bope, agora a câmera desvia dos traficantes dos morros cariocas para a própria polícia. Mas seria um filme “progressivo”, como muitos vem apontando?

Milícias
Logo de cara, o filme começa com o agora Coronel Nascimento, mais velho, comandando uma ação do Bope para acabar com uma rebelião de presos em Bangu I, desatada por uma briga entre facções rivais. Após deixar uma quadrilha praticamente trucidar a outra, Nascimento pede autorização ao governador do Rio para permitir que seus homens invadam o presídio e “termine o serviço”, ou seja, aproveitar a oportunidade para eliminar alguns dos líderes do tráfico.

Temendo um banho de sangue e uma repercussão negativa na imprensa, o governador resolve atender a exigência de um dos traficantes, interpretado por Seu Jorge, e manda o ativista de direitos humanos, Diogo Fraga, (muito bem interpretado por Irandhir Santos) a fim de tentar dialogar com os presos. O ativista é o alterego do atual Deputado Estadual do PSOL, Marcelo Freixo. Embora Fraga consiga controlar a rebelião, o Bope invade o presídio e acaba matando o líder da rebelião.

A ação atabalhoada do Bope e a morte de vários presos causam comoção na imprensa e Nascimento é afastado do comando do batalhão. Mas, temendo contrariar alguns setores da classe média que vêem o capitão como um herói, Nascimento não é rebaixado, mas promovido a subsecretário de Segurança Pública.

E é nesse ambiente dos gabinetes que se passa boa parte da história. Nascimento usa seu prestígio para aumentar e equipar o Bope, transformando o batalhão em uma “máquina de guerra”. A repressão acaba com o domínio do tráfico nos morros, mas abre espaço para um outro tipo de crime organizado. E é aí que aparecem as milícias que, na ausência dos grandes traficantes, acabam dominando as comunidades, através de métodos típicos de gangues, e protegidos por uma série de políticos com o próprio governador à frente.

A partir daí, o ex-comandante do Bope se envolve numa luta cujos inimigos não são mais descamisados empunhando fuzis nos morros, mas políticos engravatados nos gabinetes. Fraga, antes visto com desconfiança por Nascimento (que insiste em chamá -lo de “intelectualzinho de esquerda”), torna-se o seu único aliado nessa briga. O maior mérito do filme é, sob essa nova perspectiva, expor as relações entre a polícia corrupta e os políticos (ou o “sistema”, como diz Nascimento). E tem também, compondo essa tríade bizarra, o apresentador fascistóide do jornal sensacionalista na TV, que em frente às câmeras prega o extermínio dos bandidos, mas que por detrás delas apoia a milícia e se elege deputado por meio delas.

Tropa de Elite e o “sistema”
É inegável que esse segundo Tropa de Elite é bem mais complexo que o tosco maniqueísmo pintado no primeiro filme. Mas até onde vai a mudança de foco sugerida pelo diretor? Ele rompe de fato com o ranço fascista do primeiro filme?

Acusar José Padilha de direitista não seria justo, haja visto filmes como Ônibus 174 e o documentário Garapa, sobre a fome. Por outro lado, apesar de inúmeras declarações contrárias do próprio Padilha, não dá para ignorar que Tropa de Elite, o primeiro, flerta sim com o fascismo. A escolha do narrador e, conseqüentemente, da perspectiva pelo qual vamos acompanhar a história, não é algo neutro. Assim, Padilha decidiu contá-la através dos olhos de um policial, para quem a tortura e o assassinato a sangue frio são plenamente justificáveis. Para quem a culpa do tráfico é do usuário de drogas, supostamente responsável por manter e financiar o crime.

Os reflexos do filme na sociedade tornam difícil refutar essa ideia. Os policiais do Bope, romantizados e glamourizados pelo filme, tornaram-se estrelas, a ponto de serem aplaudidos em Ipanema. O caveirão, que invade as favelas e aterrorizam a população, acabou se tornando brinquedo de criança. No cinema, cada tiro é comemorado, por vezes de forma efusiva, pelos espectadores. Será que ninguém foi esperto o suficiente para entender as reais intenções do filme, como quis se justificar Padilha? É difícil de engolir.

Já Tropa de Elite 2, constitui uma contundente denúncia contra as milícias e suas ramificações, chegando até certo ponto a questionar o próprio caráter da polícia (nesse sentido, a fala final de Nascimento durante a CPI das milícias não deixa de ser surpreendente). Porém, ele não rompe com os pressupostos do primeiro filme. Fica implícito que o tal “sistema” tão denunciado por Nascimento limita-se à banda podre da polícia e suas extensões parlamentares. Pode-se dizer, assim, que o que Padilha fez, grosso modo, foi aglutinar o discurso da ética na política ao bangue bangue rasteiro de seu filme anterior.

Desse ponto de vista, não basta ser “faca na caveira”. Tem que também ser “ficha limpa”.