O transporte urbano no Brasil é caro, caótico e dominado por uma máfia de empresários, com a conivência corrupta dos governosA revolta da população contra o aumento da tarifas nos ônibus, iniciada em Florianópolis (SC) em 28 de junho, trouxe mais uma vez à tona o debate sobre o transporte público no Brasil, país onde cerca de 54 milhões de pessoas estão cerceadas do direito de ir e vir, por não terem condições de pagar as tarifas de transporte. Os mais afetados são desempregados, trabalhadores de baixa renda e estudantes.

A situação caótica do transporte não é de hoje. Na década de 50, com a implantação das multinacionais automobilísticas, o país dedicou-se à fabricação de carros, ônibus e caminhões. As ferrovias e hidrovias que seriam soluções muito mais baratas e eficientes para o transporte de pessoas e cargas entre os estados foram totalmente secundarizadas. Isso em um país com dimensões continentais como o Brasil.

Em relação ao transporte urbano, também as ferrovias e metrôs seriam opções mais eficazes para a população, o problema é que não o seriam para as grandes empresas que dirigem o país.

Um dos reflexos da aplicação dessa política no setor foi a geração do caos no tráfego nas grandes cidades. Grandes aglomerações de carros andam cada vez mais devagar nos engarrafamentos. O transporte alternativo, como as peruas, permanece ilegal ou não-regulamentado. A população pobre, por sua vez, fica amontoada nos ônibus, cada vez mais caros.

As passagens aumentaram de 28,7% a 62,2% acima da inflação do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), conforme levantamento feito em oito capitais brasileiras pelo jornal Folha de São Paulo, entre 1995 e 2002.

Em São Paulo, a passagem de ônibus no período subiu 240%, de R$ 0,50 para R$ 1,70, quando houve o aumento de 20%, em janeiro de 2003. A mesma situação ocorreu com a tarifa de metrô. O bilhete unitário passou, no período pesquisado, de R$ 0,60 para R$ 1,90, um reajuste de 216,7%. Pelo INPC, deveria custar, na época do aumento, R$ 1,58.

A prefeita Marta Suplicy, para mascarar este absurdo nas tarifas, implantou agora, nas vésperas das eleições, o bilhete único, que permite ao usuário andar por duas horas com o mesmo bilhete em mais de um transporte. Seria necessário, junto com esta medida, baixar o preço da passagem.

Foi um desses aumentos abusivos – 15,6% – que levou ao recente levante de Florianópolis, cujo valor das passagens já é o mais caro no país.

Os sem-transporte

O preço das passagens está levando muitos trabalhadores de baixa renda a dormirem nas ruas ou em albergues durante a semana por não terem dinheiro para voltar para casa todos os dias.

De 1995 a 2002, a média de usuários dos ônibus urbanos no país caiu 30%. Em São Paulo, a queda foi próxima a 50%. Segundo levantamento da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP), em 2000, São Paulo contava 8.706 moradores de rua. Mais de 60% trabalhavam em alguma atividade (catador de papel ou latas, camelô, pedreiro e carregador, por exemplo) e contavam com a renda média mensal de R$ 284. Essas pessoas, denominadas “excluídas do transporte”, segundo a pesquisa, seriam passageiros em potencial. Elas têm casa, mas não têm dinheiro para pagar passagens casa/trabalho/casa.

Estudos divulgados pelo Itrans (Instituto de Desenvolvimento e Informação em Transporte) e pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) indicaram que as classes D e E estavam deixando de usar os meios de transporte motorizados para andar a pé ou de bicicleta. Um estudo do Metrô apontou que na Grande São Paulo 36,6% das viagens já estão sendo feitas a pé pelas pessoas que não conseguem pagar as tarifas.
Post author Cláudia Costa, da redação
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