A atual crise do capitalismo, que promete assolar a economia mundial nos próximos anos, tem se manifestado na França de maneira muito pouco diferente das demais “potências” centrais. Anúncio do Ministério do Trabalho francês do dia 27 de novembro revela que no mês de outubro o país ultrapassou a barreira dos 2 milhões de desempregados, segundo dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos (Insee), numa população ativa de aproximadamente 28 milhões de trabalhadores. A Agência Nacional Para o Emprego (Anpe) informa que, entre os meses de agosto e outubro, 96.200 pessoas foram demitidas. Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a taxa de desemprego na França passará dos atuais 7,3% para 8,2% em 2009, enquanto a atividade econômica sofrerá uma contração de 0,4%.

Diante do impasse, a equipe econômica de Sarkozy prepara um plano de socorro de 20 bilhões de euros aos setores automobilístico e da construção civil, considerados particularmente atingidos pela crise no país. Por meio de incentivos fiscais, o governo pretende manter a demanda por automóveis, cujos estoques nos pátios dos construtores franceses chegam a 1 milhão de veículos. Nada muito diferente dos efeitos da crise no setor automobilístico norte-americano, por exemplo, em que General Motors, Ford e Chrysler chegaram a solicitar um plano de ajuda de 25 bilhões de dólares ao Congresso americano, ameaçando com 3 milhões de demissões em caso de falência.

Segundo o Deutsche Bank, tal cenário elevaria a taxa de desemprego nos Estados Unidos em mais de 8%, contra 6,5% em outubro . No caso da construção civil, a idéia é realizar investimentos públicos nos canteiros de obra interrompidos. As empresas do setor anunciam já um recuo de 6% em suas atividades em 2009, em comparação a 2008. Tendo criado 200 mil empregos desde o ano 2000, o setor vai interromper as contratações, além de demitir entre 25 e 30 mil trabalhadores no próximo ano, segundo a própria Federação Francesa da Construção. Já no mercado de imóveis usados, a redução de um quarto nas vendas também provocará redução de efetivos entre os aproximadamente 60 mil agentes imobiliários do país.

A diminuição da produção nestes setores tem, por sua vez, encadeado os efeitos da crise em direção a um terceiro ramo da produção francesa que emprega significativa parcela dos operários do país: a siderurgia. O maior grupo siderúrgico mundial, a produtora francesa de aço ArcelorMittal, já anunciou um plano de demissões voluntárias que visa atingir o número de 1.400 postos de trabalho em sua unidade matriz, em Dunquerque, norte da França. No total, serão 9 mil empregos suprimidos em todo o mundo nas áreas administrativa e comercial, por conta da queda na demanda pelo aço. Apenas na Europa, o grupo pretende se desvencilhar de 6 mil trabalhadores. Desde o início do segundo semestre, a siderúrgica tem operado com uma redução de 50% em sua produção. Um operário entrevistado pelo jornal Libération mostra bem a magnitude do que se passa: “a gente vê que vão parando as máquinas uma após outra: a oficina de prensagem e laminagem em dezembro, o alto-forno… suprimem o café, o açúcar, as fotocópias são racionadas. Enquanto isso, a empresa teve um lucro de 9 bilhões de euros desde o começo do ano!”.

Ao que tudo indica, a próxima medida a ser adotada massiçamente pelas indústrias francesas é o chamado desemprego técnico ou desemprego parcial. Uma empresa, ao invés de demitir seus empregados, entra com um pedido de desemprego parcial junto ao Estado. Aos trabalhadores afastados por esse recurso, a empresa deve pagar o equivalente à metade de seus salários brutos por hora de afastamento. O Estado, por sua vez, reembolsa a empresa por essa mesma hora paga para o afastado. Para as empresas com mais de 250 empregados, o valor do reembolso é de 2,13 euros por hora. Para as outras, 2,44 euros. Engenhosa solução governamental para indenizar os trabalhadores afastados com dinheiro dos próprios trabalhadores, já que a empresa é que acaba sendo indenizada com recursos públicos!

Outro operário entrevistado pelo Libération demonstra que os trabalhadores sabem muito bem do que se trata: “É o gato que morde o próprio rabo: a coletividade vai me garantir o SMIC [salário mínimo], mas sou eu que financio a coletividade!” Para essa ajuda direta às empresas, o Ministério da Economia aumentará o orçamento previsto para 2009. Desde o último mês, várias empresas do setor automobilístico vêm anunciando semanas de desemprego técnico, entre elas Michelin-Roanne, Renault-Sandouville, Renault-Mans e Toyota-Valenciennes.

Ainda para entender a crise…
O pequeno exemplo setorial de como a queda na demanda de aço por parte da economia francesa e do resto do mundo acarreta problemas de excesso de capacidade produtiva na maior siderúrgica do país demonstra, em micro-escala, o efeito cascata mundial. As grandes crises do capitalismo se espalham de maneira rápida por todo o circuito de valorização e realização do capital, ou seja, pela rede de produção e circulação de mercadorias.

O crédito farto a juros muito baixos, gerado pelo próprio crescimento da economia americana no início dos anos 2000, ocasionou grande demanda por dinheiro nos bancos. O mercado imobiliário expandiu-se, nesse caso, por conta não apenas da procura por casa própria, mas da procura por imóveis como forma de investimento. Os preços dos imóveis subiram. Os imóveis valorizados eram hipotecados por seus proprietários em troca de mais empréstimos nos bancos, dinheiro usado para mais consumo.

O preço dos imóveis atingiu um pico e começou depois a cair, fenômeno típico de superoferta. As hipotecas, então, desvalorizaram-se. Para compensar, os bancos aumentaram o valor dos juros dos empréstimos tomados antes pelos seus clientes, disparando a inadimplência. Por outro lado, com a queda abrupta no preço dos imóveis, a execução das hipotecas (ou seja, a expulsão de milhares de famílias das casas e a apropriação do imóvel pelo banco) não garantiu o retorno dos empréstimos concedidos.

Outro problema é que os bancos haviam transformado estas hipotecas em títulos vendidos a outros bancos, que os venderam a terceiros e assim por diante, gerando uma reação em cadeia mundial, todos esperando ganhar com os empréstimos iniciais concedidos aos clientes. Como estes empréstimos não foram pagos, todo o sistema quebrou.

Com isso, os primeiros demitidos foram bancários, aos milhares na Europa, principalmente na Suíça e Inglaterra. Os empréstimos à produção cessaram, causando a recessão e mais desemprego, e daí a ligação da crise financeira com o mundo da produção real. Trata-se, a rigor, de uma crise de superprodução associada ao excesso de crédito por razões especulativas e, por conseguinte, de demanda por consumo. Num nível determinado, os preços despencaram (no caso específico, principalmente dos imóveis nos Estados Unidos), gerando todo o efeito em cadeia descrito acima.

Há um fator que, se não é um componente estrutural da crise, compõe-se, todavia, como um efeito a ser observado, que é a chamada crise de confiança. Isto é, quem tem dinheiro não quer emprestar ou investir, com medo do calote, ou da perda. Por isso assistimos à queda livre dos índices das principais bolsas de valores do mundo. Com queda de produção, falência de bancos e a queda das bolsas, não há investimento que se considere seguro. O dinheiro é guardado “embaixo do colchão”. Um colchão, aliás, que fica bem recheado pelo dinheiro da burguesia que tem concentrada em suas mãos a mais-valia arrancada dos operários do mundo todo.