Depois de dois anos de relativa calma, a classe operária chinesa volta às páginas dos jornais, com reportagens de greves ocorridas na região do delta do Rio Amarelo, sudeste da China, uma das maiores concentrações operárias de todo o mundo. O atual crescimento da economia chinesa levou ao aumento da inflação, principalmente dos preços dos alimentos, tornando insuportável viver com os baixos salários praticados naquele país. Ao mesmo tempo, a maior facilidade para conseguir emprego aliada à redução da mão de obra disponível anima os trabalhadores à luta.

Alguns exemplos mostram o padrão at­ual das mobilizações operárias. Na Merry Electronics, em Shenzhen, uma manifestação com mais de mil empregados pelo subdistrito de Dalang conquistou um aumento de 22% no salário, mesmo com a repressão policial.

Na China central o mesmo fenômeno se repete. Na Brother Industries, fábrica de máquinas de costura localizada em Xián, 900 operários cruzaram os braços por vários dias até que os patrões japoneses concordassem em abrir negociações por aumento salarial.

A longa tradição de luta das mulheres chinesas também se fez presente. Mais de 20 trabalhadoras de uma fábrica privatizada de beneficiamento de algodão em Henan foram presas, acusadas de “parar a produção”, depois que 5000 operárias e operários realizaram uma greve de duas semanas por aumento salarial, pagamento de férias e bônus conforme a lei, e aposentadoria por doença ocupacional.

As greves na Honda
Porém, as greves mais importantes do ponto de vista político e econômico foram realizadas pelos trabalhadores das cinco unidades da Honda na China. A primeira ocorreu em 21 de maio, na fábrica de transmissões em Foshan. Os 1.900 trabalhadores pararam a produção, liderados por um jovem de 23 anos, forçando o fechamento das quatro unidades de montagem, devido à falta das transmissões. Exigiam um aumento nos salários, que variam de US$ 150 a US$ 220 dólares mensais, para US$ 300 a US$ 370 dólares.

Pega de surpresa, a Honda ofereceu 24% de aumento do salário, em 31 de maio. Mas, apesar da enorme pressão exercida por funcionários do governo e membros da pelega Federação de Sindicatos da China, a greve foi mantida. Por fim, em 4 de junho uma proposta de 34% foi aceita, elevando os maiores salários a US$ 300. Estima-se a perda de produção de 3000 veículos diários durante esta greve.
A vitória conquistada na fábrica de transmissões entusiasmou os trabalhadores das outras unidades. No dia 7 de junho, duas fornecedoras de autopeças entraram em greve, obrigando novamente o fechamento de duas montadoras. Depois de 3 dias, um acordo com os trabalhadores de uma das fábricas foi anunciado pela Honda, sem mencionar os detalhes.

No dia 9, a greve mais importante foi iniciada, na Honda Lock, em Zhongshan, com 1.700 trabalhadores, mais da metade mulheres. Os trabalhadores exigiram, além de aumento salarial de 89%, o direito de construir um sindicato independente da Federação Sindical. Para isso, elegeram delegados de base em cada setor para negociar com a gerência, montando uma Comissão de 20 membros.

Nesta unidade, de trabalhadores com pouca qualificação, o salário é de apenas US$ 132 dólares. Além disso, o regime de trabalho é brutal: os trabalhadores são obrigados a ficar 8 horas de pé em seus postos, só podem ir ao banheiro mediante um passe dado pelo encarregado e são proibidos de conversar durante a jornada – uma prática normal em várias fábricas. Além disso, as mulheres só podem trabalhar sentadas no último trimestre de gravidez.

A reivindicação de liberdade sindical certamente levou a patronal a uma dura resposta, com a contratação de fura-greves no dia 14 de junho. O recrutamento foi feito com o apoio do governo local, sócio da fábrica da Honda. A greve foi suspensa, devido à ameaça de perda de emprego daqueles que não voltassem ao trabalho. No entanto, uma surpresa aguardava os encarregados, japoneses com salários 50 vezes maiores que os trabalhadores chineses: estes ameaçaram retomar a greve caso o aumento concedido – cerca de 20% entre salário e auxílios – não atingisse sua reivindicação. No momento o impasse permanece.

A luta pela liberdade de organização sindical
Uma primeira conquista já foi conseguida pelos trabalhadores da Honda: organizar-se de forma independente em relação à Federação dos Sindicatos da China, com a formação de uma Comissão eleita pela base.

Desde a greve da fábrica de transmissões ocorreram conflitos entre os dirigentes do sindicato local e os operários, pois não queriam ser representados por uma entidade completamente subordinada ao PCCh, que governa o país para favorecer a burguesia local (surgida do seio do próprio partido comunista) e o imperialismo, principalmente o norte-americano. Segundo os operários, o sindicato é “inútil”.

Na última greve, no entanto, ocorreu um salto de qualidade, com a reivindicação de reconhecimento de um sindicato independente. A esta, a empresa respondeu afirmando que a concordância estava além de sua autoridade e recomendou que os trabalhadores levassem-na ao governo que, obviamente, é contra qualquer organização operária fora de seu controle.

E, mesmo que alguns representantes eleitos tenham sido obrigados a se esconder para não ser presos, a continuidade da mobilização na fábrica da Honda Lock mostra que a organização dos trabalhadores já deu os primeiros frutos, cujo exemplo pode soprar novos ventos no movimento operário chinês.

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