Uma declaração do ministro da Justiça, Tarso Genro, reacendeu o debate sobre a lei da Anistia e a impunidade dos torturadores da ditadura. Numa audiência realizada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça no último dia 31, Genro defendeu a punição aos militares que torturaram no período de exceção, classificando a tortura como “crime comum, não político”.

Tanto o ministro da Justiça quanto o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, propuseram reabrir o debate sobre a punição aos torturadores. No entanto, deixaram claro que se referem aos torturadores individualmente e não às Forças Armadas enquanto instituição e nem ao menos à ditadura militar.

“A partir do momento em que o agente do Estado pega o prisioneiro e o tortura num porão, ele sai da legalidade do próprio regime militar e se torna criminoso comum”, afirmou Tarso Genro, deixando claro que sua intenção não é questionar a ditadura, mas os seus “desvios”. Desta forma, corrobora a falsa versão de que a tortura foi praticada na ditadura por alguns militares “indisciplinados”, quando, na verdade, o método foi utilizado de forma sistemática pelos órgãos de repressão contra militantes de esquerda.

Mesmo extremamente limitada, a fala de Tarso Genro provocou a fúria do comando das Forças Armadas e dos militares. Até o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, aquele mesmo que mandou soltar Dantas duas vezes, veio a público declarar que tal assunto é de competência exclusiva do Judiciário e deve ser esquecido. Segundo o ministro, a discussão causaria uma “instabilidade institucional”. Esse foi o mesmo tom utilizado por parte majoritária da imprensa ao tratar o tema.

Os militares da reserva e da ativa chegaram a organizar um ato público no Clube Militar contra o ministro da Justiça e a possibilidade de revisão da Lei da Anistia. O presidente do Clube, Gilberto Figueiredo, chegou a criticar a fala de Tarso utilizando um tom de ameaça. “Os crimes que eles praticaram estão todos registrados. E as torturas não estão. Ninguém escreveu: hoje torturei fulano e sicrano. Já os processos contra os guerrilheiros estão registrados nos tribunais”, chegou a afirmar.

Anistia ou impunidade?
A chamada Lei de Anistia foi promulgada em 1979, no governo do general Figueiredo e já nos momentos finais da ditadura militar no país. Ainda que a mobilização popular tenha permitido a volta dos exilados e a anulação dos processos dos perseguidos políticos, a lei foi elaborada no marco da transição conservadora e teve como principal finalidade manter impunes os assassinos e torturadores do regime de exceção.

O presidente Lula, no entanto, não quer saber de polêmica e, tão logo a discussão se estendeu à imprensa e às Forças Armadas, reuniu-se com Tarso e o desautorizou a prosseguir com o debate. No evento em que anunciou a indenização à UNE pelo ataque em que sua sede sofreu durante a ditadura, Lula tentou publicamente pôr fim à polêmica. “Toda vez em que falamos dos estudantes, dos operários que morreram, nós falamos xingando alguém que os matou. Quando, na verdade, esse martírio nunca vai acabar se a gente não aprender a transformar nossos mortos em heróis, não em vítimas”, afirmou.

Utilizando uma demagogia que beira o cinismo, Lula fez o que vem fazendo durante todos os anos de seu governo. Manter encobertos os crimes da ditadura militar, a fim de não criar atritos com as Forças Armadas. Sob essa mesma lógica, mantém secretos os arquivos do regime militar, mesmo com decisão da Justiça para abri-los. Além de negar às famílias dos assassinados a localização dos corpos, assim como os incontáveis crimes do regime, ajuda a manter na sombra uma parte da história recente do país.

Tarso Genro, por sua vez, recuou rapidamente de sua posição já limitada de revisar a Lei de Anistia. Mesmo sabendo que o país é signatário de tratados internacionais que classificam a tortura como crime comum e imprescritível. Desta forma, os assassinos e torturadores da ditadura permanecem tranqüilos em seus pijamas, certos da impunidade. Tal situação possibilita declarações como a fala estúpida do folclórico deputado Jair Bolsonoro (PP-RJ) no Clube Militar. Segundo o defensor da ditadura, “o grande erro foi ter torturado e não matado”.

O comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, foi mais comedido. “O presidente sabe o que faz, o assunto está encerrado”, declarou. Quanto mais o tempo passa, mais improvável se torna a punição aos assassinos e torturadores da ditadura. Querem, tal como Pinochet, levar seus crimes para o fundo de suas tumbas.

Não comandante, o assunto está longe de ser encerrado.