Torcida vascaína protesta contra o racismo
George Bezerra, de Fortaleza (CE)

Na Europa, o agravamento da crise econômica tem levado a burguesia do velho continente a incitar o ódio contra a comunidade de imigrantes que vive neste continente, boa parte dela composta por negro(a)s provenientes do norte da África ou do mundo árabe. Para dividir nossa classe na luta contra os planos de austeridade e reverter a situação revolucionária a favor da burguesia, o imperialismo europeu reforça, conscientemente, a opressão racial no seio da classe trabalhadora.

Uma ideologia nefasta, com forte penetração entre os trabalhadores dos países centrais, que pode ganhar parte do proletariado europeu a crer que uma das causas dessa crise são as ondas migratórias dos países periféricos em direção à Europa. E pior, pode inculcar na cabeça dos nossos irmãos e irmãs de classe que a superação da crise pode se dá através da adoção de leis xenófobas contrárias à migração. Neste sentido, a unidade entre trabalhadores imigrantes e europeus tornou-se uma questão chave para derrotar os planos da Troika. Sem essa unidade, não há saída do ponto de vista do proletariado, para superar a crise.

Na ausência de uma alternativa revolucionária vitoriosa, a crise pode aumentar o ódio contra os imigrantes e negros, dando origem a novos governos burgueses conservadores ou abertamente de direita que chegam ao poder com um programa xenófobo.

Racismo nas arquibancadas e dentro das quatro linhas
Além disso, o racismo, enquanto uma ideologia que tem peso de massas (ora em repouso na cabeça de milhões, ora posta em movimento), não se restringe à eleição de governos ultraconservadores ou a mudanças no ordenamento jurídico. No esporte, onde o espírito de respeito, companheirismo e solidariedade deveria predominar em relação ao adversário, temos observado diversas manifestações racistas.

Os estádios de futebol têm sido palco de atos racistas deploráveis, que vão desde bananas jogadas por torcedores em direção à jogadores negros até gestos e sons que lembram os macacos. Atirar bananas nos jogadores negros foi um fato constante no futebol europeu nas décadas de 1970 e 1980. O ato foi praticamente erradicado nos últimos anos, junto com os cânticos racistas, mas voltaram a ocorrer recentemente, desde o início da crise, com vários casos no futebol espanhol e italiano.

São atitudes que humilham, desmoralizam, desestabilizam e, para usar a frase do zagueiro da seleção brasileira, Juan , “deixam sem chão” centenas de latinos e africanos que desfilam um belo futebol pelos gramados da Europa. Além do ex-jogador do Flamengo, passaram por situações como essa, Roberto Carlos, Roque Júnior e mais recentemente, Robinho e Neymar.

E nos estádios da América Latina…
Infelizmente, não é só na Europa que assistimos o aumento da escalada racista nos estádios de futebol. Parece que a onda preconceituosa ganhou eco aqui, do lado de cá do Atlântico. Na partida entre Vasco e Libertad pela Copa Libertadores da América, disputada em Assunción no Paraguai, Dedé e Renato Silva (zagueiros do Vasco) foram chamados de ‘macacos´ e cuspidos por torcedores do time paraguaio. Um ódio, transformado num ato de fúria e motivado, exclusivamente, pelo racismo.

Tudo poderia ter terminado por aí, como na maioria das vezes, sem nenhuma punição, com muita indignação por parte do time do Vasco e as vítimas desmoralizadas, sentindo-se impotentes, principalmente o jovem e talentoso zagueiro Dedé. Mas, felizmente, não foi o que aconteceu.

É possível uma outra postura nos estádios…
Na semana seguinte, quando o juiz apitou o fim da partida de volta entre Vasco e Libertad, o placar de São Januário marcava 2 x 0 para os donos da casa. Jogo difícil, nervoso, truncado, cheio de emoções e com direito a uma obra de arte digna da técnica e maturidade de Juninho Pernambucano, que aos 37 anos ainda encanta. Ao final, sensação de dever cumprido, alívio e festa entre a torcida cruzmaltina.

Fora do campo, antes de começar o jogo, parte da torcida do Vasco já tinha conseguido uma vitória daquelas, que não tem como ser mensurada e não fazia parte do novo placar de São Januário. Promoveram um ato belíssimo contra o racismo. Muitos torcedores pintaram metade da cara de negro e a outra de branco, simbolizando a luta pela igualdade racial. Várias faixas em São Januário diziam: Abaixo o Racismo! Dedé e Renato, estamos com você! Outras centenas de torcedores vestiram a camisa negra, uniforme especial que celebra a história do clube no combate ao racismo. Não me recordo de uma manifestação de massas contra o racismo numa partida de futebol. É uma prova que futebol e mobilização social podem caminhar juntos. É uma prova que bandeiras democráticas, como a questão da igualdade racial, são importantes e têm potencial para sensibilizar parcelas significativas da população.

O ato em São Januário poderia ter sido maior e mais bonito, caso a diretoria do clube o tivesse impulsionado. Dinamite falou que apoiava. Mas, foi um apoio mais da boca pra fora. Sequer, teve a coragem de atender a campanha de parte da torcida, que utilizou as redes sociais exigindo que o time utilizasse, durante a partida, o uniforme “camisas negras”. Preferiu seguir as “regras” da Comebol e usar os uniformes que já estavam inscritos.

Com quem caminhar na luta contra o racismo?
O que une uma torcida de futebol é a paixão pelo seu clube. A partir daí começam as inúmeras diferenças entre torcedores. Diferenças de gênero, raciais, de orientação sexual e de classe social. Numa torcida de um time grande, como a do Vasco, vamos encontrar milhões de machistas, homofóbicos, racistas, opressores, oprimidos e alguns milhares de exploradores (burgueses).

A parte da torcida vascaína que empunhou a bandeira de luta contra a opressão racial está de parabéns! Agora, fica um alerta, principalmente para os milhões de vascaínos, flamenguistas, palmeirenses, corintianos e demais torcedores que moram nos bairros da periferia e que são negros: Na luta contra a opressão racial temos que ganhar todos os trabalhadores (brancos, negros, índios, asiáticos, homens, mulheres, heterossexuais e homossexuais), independente do time de coração, mas não podemos caminhar juntos com nossos inimigos de classe, com nossos exploradores, pois esses se beneficiam do racismo para dividir, explorar e derrotar nossa classe. Um vascaíno burguês, que tira proveito do racismo para pagar salários inferiores a uma operária negra da construção civil, também vascaína, nunca será um aliado na luta contra o racismo e o machismo.

Muitas vezes, a torcida nos une. Algumas outras, a raça também. No entanto, a classe nos divide! Na maioria dos casos, é a torcida que nos divide, mas a classe que nos une. E como vivemos numa sociedade que se move pelos interesses de classe, qualquer ideologia que venha a conciliar trabalhadores e patrões, numa sociedade marcada pela exploração, ou dividir os trabalhadores, torna-se nefasta, reacionária. Jargões tipo, “Somos uma nação de mais de 30 milhões de rubro-negros” ou “somos um bando de 30 milhões de loucos por ti Corinthias!”, diluem o conceito de classes, iguala Andrés Sanchéz ao corintiano que mora em São Miguel Paulista e que dá um duro danado para ir ao Pacaembu.

Neste sentido, a luta contra a opressão racial e pela construção de uma sociedade sem exploração e opressão se dar com a ampla unidade da classe trabalhadora, independente da torcida ( trabalhadores vascaínos e flamenguistas, palmeirenses e corintianos, gremistas e torcedores do inter, atleticanos e cruzeirenses, torcedores do Bahia e do Vitória, do Ceará e Fortaleza, Santa Cruz e Sport, Remo e Paysandu…).

* Professor de Geografia da Rede Pública do Ceará e vascaíno inconsertável.