Outubro é o mês da grande insurreição operária dirigida pelos bolcheviques que conduziu o poder aos sovietes. Para explicar melhor o desenrolar dos acontecimentos daquele momento, dividimos essa história em dois artigos. Confira a segunda parte.

A tomada do poder pelos sovietes (Parte 2). Leia aqui.


 

Todos o poder aos Sovietes de Operários, Soldados e Camponeses! Pão, Paz e Terra!”, essa era a manchete exibida pelo Dien, um dos jornais diários dos bolcheviques. A edição era do dia 25 de outubro de 1917 (7 de novembro em nosso calendário), o dia da tomada do poder pelos sovietes.

O principal artigo, assinado por Zinoviev, companheiro de esconderijo de Lenin, dizia assim: “Todo operário, todo soldado, todo verdadeiro socialista, todo democrata sincero e honesto compreende que a situação atual nos colocou perante um dilema: ou o poder continuará nas mão da camarilha de burgueses e grandes proprietários de terra, e, nesse caso, os operários, soldados e os camponeses só poderão esperar do governo as mais terríveis perseguições e repressão, a continuação da guerra, a fome e a morte, ou o poder passará às mão dos operários, dos soldados e dos camponeses revolucionários, e, assim, a tirania dos grandes proprietários de terra será para sempre abolida, os capitalistas serão rapidamente aniquilados, e o novo governo cuidará logo de propor as condições para a assinatura de uma paz verdadeiramente justa. Desse modo, os camponeses terão garantida a posse da terra, e os operários, o controle da indústria; os famintos terão pão, e a criminosa e estúpida carnificina terminará.

Como vimos no primeiro artigo, a insurreição já estava em curso desde o dia anterior. Várias instalações do governo – prédios, empresas públicas – já estavam nas mãos do Comitê Militar do Soviete de Petrogrado. Alguns ministros e altos funcionários também foram detidos, enquanto presos políticos eram libertados. Pequenas notas daquela edição do Dien noticiavam os acontecimentos daquela noite agitada.

Mas ainda faltava a tomada do Palácio de Inverno, sede do governo russo. Naquele dia, também começou o II Congresso dos Sovietes da Rússia. Dos 650 delegados com direito a voto, os bolcheviques tinham 390 votos. Mais tarde, vieram outros delegados, totalizando 900 participantes. Os bolcheviques sempre estiveram em maioria.

Os conciliadores – mencheviques e socialistas-revolucionários – discursavam exigindo o fim da insurreição. Diziam que, se o governo fosse derrubado, os bolcheviques não se sustentariam no poder por mais que poucos dias, e a Rússia caminharia para uma guerra civil. Muitos se opunham à revolução dizendo que queriam salvar a própria revolução (!?). Todas essas ameaças não surtiram efeito, e boa parte desses oradores abandou o congresso. Os delegados socialistas-revolucionários dividiram-se: os de esquerda permaneceram no Congresso (cerca de 150); os outros, se foram.

Os debates acalorados entravam noite adentro. Uma nova direção foi eleita, formada por Trotsky, Kamenev, Lunacharsky, Alexandra Kolontai e Noguine. Finalmente, os bolcheviques, considerados uma seita desprezada e perseguida semanas antes, agora estavam no posto supremo da imensa Rússia totalmente sacodida pela insurreição.

Mas, de repente, ouviu-se uma nova voz mais profunda, dominando o tumulto da assembleia. Era a voz surda de um canhão! Todos os olhares voltaram-se ansiosamente para as janelas. Uma espécie de febre ardente dominou a assembleia”, descreveu o jornalista John Reed, testemunho ocular da revolução. Eram os tiros do encouraçado Aurora, dando o sinal para a tomada do Palácio de Inverno.

Vladimir Antonov-Ovsenko, militar bolchevique que liderou a tomada do Palácio de Inverno.

O tiro de misericórdia
Kerensky já havia percebido que sua situação estava para lá de delicada. Por isso, fugiu da capital num carro da embaixada norte-americana. Mas, naquela noite, alguns ministros de Kerensky continuavam reunidos no interior do Palácio de Inverno, defendido apenas por alguns estudantes do Colégio Militar e por um batalhão feminino fiel ao Governo Provisório.

Vladimir Antonov-Ovseenko, bolchevique e oficial de carreira do Exército, foi designado para comandar a tomada do Palácio. Fazia frio naquela noite. Os soldados da Guarda Vermelha tentavam se aquecer como podiam em pequenas fogueiras. No entorno do Palácio, barricadas foram levantadas nas entradas do edifício. Os disparos do Aurora puseram todos em movimento para a invasão do prédio. Em poucas horas, a resistência das guarnições, fiel ao governo, foi debelada. Finalmente, um pequeno grupo de soldados liderados pessoalmente por Ovseenko consegue chegar à sala luxuosa de paredes brancas onde os últimos membros do Governo Provisório estavam reunidos ao numa enorme mesa. Todos os ministros foram presos. A insurreição havia triunfado.

As primeiras medidas do governo soviético
No congresso dos sovietes, contaram-se 505 votos a favor da passagem do poder para os sovietes contra 162. O congresso também aboliu a pena de morte, determinou a soltura dos soldados e camponeses por motivos políticos, concedeu a liberdade de agitação. Os altos funcionários do governo provisório foram destituídos de seus cargos e ainda foi decretada a prisão de Kerensky e Kornilov.

Cabia, agora, a tarefa de organizar o primeiro governo dos sovietes que foi constituído numa coalizão entre bolcheviques e socialistas-revolucionários de esquerda. Lenin foi escolhido para presidi-lo. Após meses de clandestinidade, o líder dos bolcheviques ressurge publicamente na sessão dos sovietes, sem sua típica barbicha, com “o seu casaco puído e calças cumpridas demais”, nas palavras de Reed. Lenin sobe à tribuna e anuncia os primeiros decretos do governo soviético.

As primeiras medidas referiam-se ao fim da guerra e à distribuição das terras aos camponeses. O congresso dos sovietes aprovou uma declaração do governo pela paz democrática e sem anexações de territórios nem indenizações. Propôs uma trégua imediata para que as negociações de paz se realizassem. A diplomacia secreta foi abolida. O congresso conclamou os operários franceses, ingleses e alemães a lutarem pela paz, a pressionarem os seus próprios governos e a lutarem contra toda a exploração.

Sobre a questão agrária, as terras dos camponeses pobres, bem como as dos camponeses ricos (os chamados kulaks) não foram confiscadas. Assim, seria mantida a propriedade privada de terra na Rússia Soviética. Lenin ainda acrescentou da tribuna que, embora o programa dos bolcheviques para o campo fosse diferente, os operários e o seu partido não podiam impô-lo aos camponeses. Seria errado adotar um programa que desse as costas aos anseios dos próprios camponeses e que desrespeitasse a sua experiência política. Mas “as propriedades dos latifundiários, bem como todas as terras de apanágio, dos mosteiros e da Igreja, com todo o seu gado e alfaias, edifícios e todas as dependências, passam a ficar à disposição dos comitês agrários e dos sovietes de deputados camponeses”.