Leia abaixo os relatos de Dirceu Travesso e Carlos Sebastião, o “Cacau”, integrantes da Secretaria Executiva da CSP-Conlutas, que acompanharam as mobilizações na FrançaCerca de 3 milhões de trabalhadores participaram em 230 cidades da França das manifestações contra a reforma da Previdência proposta pelo Governo Sarkozy.

Entre outras medidas, a proposta do governo retira conquistas históricas dos trabalhadores franceses e aumenta a idade mínima para aposentadoria.

Os argumentos são os mesmos dos governos capitalistas em todo o mundo: a falta de dinheiro para bancar o pagamento das aposentadorias. Argumento inaceitável, já que foram esses mesmo governos que ante os primeiros sinais da crise econômica imperialista internacional, encontraram trilhões nos cofres públicos para entregar aos banqueiros e grandes empresas multinacionais.

As ameaças a essas conquistas não deixam dúvida sobre o caráter reacionário do capitalismo e seus governos. A ilusão vendida aos trabalhadores em todo o mundo que um dia poderiam alcançar as conquistas dos trabalhadores europeus, agora mostra o contrário.

Querem impor aos trabalhadores europeus a retirada de direitos, demissões, rebaixamento salarial, diminuição dos serviços públicos que apontam a necessidade do capitalismo, para se manter, impor o padrão de exploração dos países ditos de terceiro mundo. Ou pior que isso. Rebaixar as conquistas e direitos de todos, sejam dos trabalhadores dos países ditos desenvolvidos ou dos outros países do mundo.

Não é a toa que no Brasil também começa a se falar da necessidade de uma nova reforma da previdência com os mesmos objetivos de Sarkozy na França: retirar direitos. Mas os trabalhadores nas ruas em toda Europa, e agora na França, demonstram que podem derrotar os governos e preservar seus direitos.

Estivemos marchando junto com os 3 milhões trabalhadores que participaram em Paris das manifestações (dados da Intersindical, coordenação de oito centrais sindicais que convoca as manifestações). A concentração unitária ocorreu na Praça da Bastilha e de lá saíram duas marchas, que cortaram a cidade.

Na concentração, a grande maioria das centrais sindicais e outros movimentos disputava espaço, cada uma com agitação própria, panfletos, carros de som e… muitos balões gigantescos, não só das centrais, mas de segmentos e categorias também.

Participamos da coluna organizada por Solidaires. A marcha durou mais de três horas, se dirigindo à Praça Denfert Rochereau.

A coluna de Solidaires era das mais animadas, com forte presença de trabalhadores da saúde, PTT (correios e telecomunicações), rail (ferroviários), servidores públicos e outros setores. Havia muita gente jovem, garantindo muito entusiasmo à caminhada, impactante pela quantidade de gente, mas também pelos locais por onde se passava.

Cada rua, praça por onde passava a manifestação lembrava a história de uma classe trabalhadora que, não por acaso, tem conquistas sociais das mais avançadas do mundo. No caminho, passamos pela Sorbonne, único local “protegido” pela Polícia Militar. Em todo o restante do trajeto não havia presença de policiais.

A Praça Denfert Rochereau, local de chegada da passeata, é de onde saím as manifestações estudantis do maio de 68.

Durante o trajeto fomos apresentados a diversos militantes sindicais. A desconfiança das direções majoritárias é grande, em particular da CGT, a principal central do país.

Crise institucional
Além das grandes manifestações, o Governo Sarkozy vive uma grande crise. Denúncias de corrupção, escândalos de disputas de famílias burguesas envolvendo ministros levaram o governo a contar hoje, com a aprovação de somente por 35 % dos franceses. Índice dos mais baixos para um governo que levou a derrota de Sarkozy nas últimas eleições regionais e aponta para uma derrota eleitoral nas próximas eleições nacionais.

As conversas com os manifestantes as e palavras de ordem cantadas nas colunas de cada uma das organizações refletem o debate e os desafios colocados no processo. Professores, eletricitários, trabalhadores dos correios, ferroviários, aeroviários, bancários e tantos outros setores refletiam o contentamento pelo tamanho da manifestação mas, ao mesmo tempo, a dúvida sobre como vai continuar a luta.

Enquanto na coluna do Solidaires uma das palavras de ordem com mais força era “Todos juntos, todos juntos, Greve Geral” na coluna da CGT se cantava desde os carros de som “Todos juntos, todos juntos, sim, sim”.

Essa palavra de ordem (Todos juntos, todos juntos…) foi introduzida no movimento operário pela greve dos ferroviários de 1995, que causou uma comoção nacional e “forçou” a unidade de um amplo setor de organizações e movimentos em defesa dos ferroviários.

Até agora, com exceção do Solidaires, as outras centrais se negam a colocar a greve geral e chamam paralisações de um dia com manifestações.

Junto com esse debate vem outra diferença de palavras de ordem : “Retirada do projeto” como cantavam os setores mais à esquerda e combativos ou “Não ao projeto” como era cantada pelos outros setores.

No fundo há um debate sobre como conduzir a luta: parando a França, abrindo inclusive uma crise maior com possibilidade de queda do governo Sarkozy, ou pressionar para uma negociação de alterações dentro do projeto do governo, permitindo a reforma necessária para a burguesia e canalizando todo o processo para a via eleitoral e as próximas eleições presidenciais, via o bloco PS-PC.

No dia 15 de setembro foi votado e aprovado na Câmara de Deputados o projeto de reforma. Agora o projeto será votado no Senado, com previsão para meados de outubro. Os setores que defendem a via da negociação se recusaram a chamar uma manifestação no dia 15 e jogaram para ontem, 23 de setembro.

Mais uma vez o debate sobre a continuidade da luta e a possibilidade de derrotar de conjunto os ataques do governo Frances está colocado. Quem deve pagar a conta da crise? São os banqueiros e as multinacionais ou aceitar a lógica da burguesia de que os trabalhadores devem pagar a conta e negociar um ou outro detalhe no projeto?

Enganam-se os que acham que esse é um debate dos trabalhadores franceses. Está se jogando na Europa qual a saída para a crise econômica em todo o mundo. Se os governos capitalistas europeus, particularmente o francês, impõem esse ataque derrotando os setores mais organizados da classe trabalhadora mundial, a burguesia e o imperialismo, como um todo, se fortalecem para atacar os trabalhadores e povos do mundo.

A vitória de nossa classe na Europa, ao contrário, fortalecerá a luta e a resistência em nível internacional.

Os trabalhadores da França não estão sozinhos. Estão ocorrendo mobilizações em vários outros países e, no próximo dia 29, está convocada uma greve geral na Espanha.

Mas há dificuldades de coordenação e unificação dessas lutas, devido à política das direções majoritárias.

A CSP-Conlutas se fez presente nas mobilizações do dia 23, na França, levando a nossa solidariedade de classe e buscando estabelecer contatos, fortalecer relações com setores sindicais combativos.