Unir trabalhadores do campo e da cidade, estudantes, mulheres, negros, negras e GLBTs na nova entidade que irá surgir em junhoResumo das teses para o Congresso de Unificação da Classe Trabalhadora – Parte 3: Organização

Ao longo de 2009, os seminários de debate sobre a reorganização tiveram como uma das principais polêmicas o caráter da nova organização. Esta discussão se concretizou na polêmica sobre a participação dos movimentos estudantil e de luta contra as opressões na nova central sindical. Desenvolvemos aqui as opiniões acumuladas durante os poucos, mas significativos, anos de experiência de construção da Conlutas, refletindo o posicionamento da tese “Avançar na unidade para fortalecer as lutas da classe trabalhadora”.

A fundação da Conlutas inaugurou uma forma de organização no movimento social brasileiro, incluindo, além do movimento sindical, os movimentos popular, estudantil e os de luta contra as opressões. Esse modelo foi baseado na experiência de outras organizações pelo mundo, como a Central Operária Boliviana (COB), mas principalmente no papel estratégico que a unificação com esses setores pode promover.

A Conlutas se construiu convicta da importância central da classe trabalhadora, particularmente do operariado industrial, na luta contra o capitalismo e pela construção do socialismo. Há, porém, uma combinação de fatores que fez com que o processo de construção da Conlutas ousasse e apresentasse de forma inédita no Brasil uma organização de caráter mais amplo, constituída no seio das lutas dos setores operários, populares e estudantis.

O primeiro fator é a ofensiva recolonizadora do imperialismo, que provoca para todos os setores explorados e oprimidos do mundo cada vez mais miséria e sofrimento. Isto, por sua vez, exige uma resposta estratégica que se torna mais possível quanto mais unidade na luta e na organização o movimento de massas consegue construir. Outro fator são as experiências ocorridas nos processos revolucionários da América Latina, que tiveram setores populares e camponeses à frente, com organizações de semelhante caráter encabeçando essas revoluções, como a COB na Bolívia e a CMS (Coordenação de Movimentos Sociais) no Equador.

O terceiro fator corresponde ao papel estratégico que o movimento estudantil e o movimento de luta contra as opressões, quando atuando de acordo com o programa da classe trabalhadora, cumpriram ao longo da história.

Operários e estudantes no Maio de 68
É o exemplo mais emblemático para o movimento estudantil. Esse processo provocou a maior greve geral da história da França. A combinação entre o potencial explosivo e contestador da juventude com a força estratégica da classe trabalhadora determinou a força do movimento. A luta estudantil foi o estopim para as mobilizações dos operários da empresa estatal Sud-Aviation e da Renault, ambas com ocupação da fábrica.

No Brasil, convém lembrar a manifestação dos estudantes da USP reivindicando a liberdade dos presos políticos da ditadura militar, que incentivou um processo inicial de revoltas no chão das fábricas do ABC Paulista.

Mulheres trabalhadoras na Revolução Russa
Na Rússia ocorreu a expressão mais categórica das consequências revolucionárias de uma luta feminista e classista. Em fevereiro de 1917, as ruas de Petrogrado foram tomadas por mulheres trabalhadoras, costureiras e tecelãs, e mulheres de soldados que estavam na guerra. A revolta foi fruto da miséria promovida pela Primeira Guerra Mundial e sua consequência foi a derrubada do czar e a abertura do processo revolucionário que terminou com a tomada do poder pelos trabalhadores em outubro do mesmo ano.

A Revolução escrava no Haiti
A combinação entre a opressão racial e a exploração capitalista desenvolveu no Haiti uma luta heroica, que conseguiu derrotar os exércitos imperialistas da França, Inglaterra e Espanha e constituir a primeira república negra do continente. Este exemplo de luta desenvolvida entre 1791 e 1804 também demonstra a capacidade estratégica da combinação da luta racial com a luta de classes.

Gays e lésbicas em barricadas contra a homofobia
Tido como o “marco zero” da luta contra a homofobia, em 1969, o episódio de Stonewall ocorreu em meio ao fervor revolucionário que tomava conta do mundo, com mobilizações e revoluções questionando a ordem capitalista opressora. Assim, o enfrentamento de milhares de gays, lésbicas e travestis com a batida policial homofóbica, através de métodos históricos de radicalização da classe operária, revelou a importância e possibilidade de disputarmos o crescente movimento GLBT pelo mundo para um programa da classe trabalhadora.

Classismo
Um dos argumentos mais comuns nessa polêmica se refere ao caráter policlassista desses movimentos, de modo que o caráter de classe da nova central estaria ameaçado. De fato, se tratam de movimentos policlassistas, cuja composição varia entre componentes de origem social burguesa/pequeno-burguesa e de origem operária. No entanto, é necessário analisar a orientação programática desses movimentos. Na medida em que optem pela luta e pelo programa dos trabalhadores, devem ser bem-vindos à luta e à organização conjunta.

Também é verdade que, por essa composição social, são presas fáceis para projetos reformistas ou diretamente burgueses. Nesse caso, deixaremos esses setores serem ganhos para projetos inimigos dos trabalhadores, ou aproveitaremos o potencial estratégico desses movimentos em aliança com os trabalhadores?

Dupla representação ou unificação das lutas?
Sobre a preocupação com a dupla representatividade, ressaltamos que as diversas categorias possuem suas formas específicas de organização, seus sindicatos e federações. A união através da central dá globalidade para a luta de todos os trabalhadores. Ao organizar os movimentos popular, estudantil e de luta contra as opressões, a central unificará e potencializará as lutas de todos os setores explorados e oprimidos. Essa importância é superior aos perigos de dupla representação, algo que os dispositivos organizativos da central podem resolver.

O peso de decisão
O determinante fundamental do caráter classista da organização está na definição de seu programa e na composição de sua direção. Assim, além de defendermos a estratégia socialista na nova central, achamos fundamental que os trabalhadores tenham maior peso de decisão. Isso se materializa na proposta de que o movimento estudantil e o movimento de luta contra as opressões tenham um peso de 5% nas instâncias de decisão da nova central. Essa composição e forma de organização, em vez de atentar contra o caráter classista da central, permite embutir mais classismo nesses setores.

Unidade orgânica ou fórum de mobilizações?
Ainda assim, muitos companheiros nesse processo de reorganização argumentam a definição dos 5% como uma representação formal. No entanto, os mesmos apresentam a proposta de organizar esses setores em um “fórum de mobilização” com um vínculo orgânico inferior aos laços que a organização em uma mesma central pode promover. Achamos que a formalidade está nessa proposta, que não dá conta do potencial de luta desses setores.

Ao mesmo tempo, a proposta do fórum se justifica pela importância de manter uma relação com o movimento estudantil e os movimentos de luta contra as opressões para além do “calendário de lutas”. Há, portanto, uma reivindicação de organicidade maior. Por que, então, não ousarmos para a construção de uma central de caráter sindical, popular e estudantil?

Onde está a polêmica
Não nos parece mera coincidência o fato de que as organizações que estão contra a presença do movimento estudantil e do movimento de luta contra as opressões na nova central sejam as mesmas entidades que infelizmente ainda estão na União Nacional dos Estudantes (UNE) e se engajam na construção da Marcha Mundial de Mulheres.

Os argumentos que os companheiros apresentam são parte do debate, mas entendemos que a polêmica central é a saída organizativa para o movimento estudantil e para o movimento de luta contra as opressões.

A realização do congresso da classe trabalhadora reflete a existência de um rico processo de reorganização, que alcança o conjunto dos movimentos sociais. Não é possível que os companheiros avaliem que essa dinâmica se restringe ao movimento sindical. A traição do governo Lula e a cooptação das entidades para servirem de porta-voz do governo se deram para todo o movimento social. A UNE é um entrave tão grande ao desenvolvimento das lutas estudantis, quanto a CUT o é para a classe trabalhadora.

Infelizmente, o avanço político que significou a disposição dos companheiros em construir uma alternativa da esquerda unificada não conseguiu reverter a posição retrógrada que apresentam no movimento estudantil. Ou seja, tentar desviar as lutas que objetivamente se dão por fora da UNE para uma disputa inglória de seus congressos, marcados pelo governismo e pela burocratização.

Na organização da luta das mulheres, foi importante a presença das companheiras da Intersindical saudando o ato do 8 de Março da Conlutas, refletindo a unidade mais orgânica que estamos construindo. Sabemos das batalhas a serem dadas para que essa alternativa signifique também um avanço na luta feminista e classista. E a melhor forma de garantir isso é tendo a presença ativa e orgânica dos movimentos contra as opressões na nova central.

Estamos em um momento de intenso debate, em que aparecem muitas diferenças e muitos acordos. No desenvolvimento das discussões, avançamos para utilizar a democracia operária como a forma de resolver as polêmicas que surgem. Mas, ainda assim, a disposição de refletir e de mudar de opinião, por parte de todos os setores, foi e será fundamental.

Por isso, apelamos aos companheiros para que não façam com que uma posição atrasada, do ponto de vista do processo de reorganização, defina a dinâmica do que ocorre de mais avançado neste mesmo processo. O significado histórico do congresso da classe trabalhadora deve ser concretizado na criação de um instrumento de luta amplo, que incida sobre o espaço, as contradições e as dificuldades para desenvolver os instrumentos de luta específicos de cada setor.

Não há momento mais oportuno para os companheiros reverem a posição que apresentam em relação à organização dos estudantes e dos movimentos de luta contra a opressão, tanto no que diz respeito à presença orgânica na nova central, quanto no que se refere à construção da UNE e da Marcha Mundial de Mulheres.

Todos concordam que a fundação dessa nova central deve ser promover mais condições para os trabalhadores lutarem. Da mesma forma, na medida em que incorporar outros movimentos, promoverá uma capacidade organizativa e de luta mais avançada. Os companheiros terão a coragem de abrir mão desse passo fundamental em função de sua localização em entidades e organizações governistas que jogaram no lixo sua história de lutas? Realmente, esperamos que não.

Construir o Congresso
O congresso vai decidir sobre a incorporação ou não desses setores. Por isso, é fundamental que sua realização e teses sejam debatidas na base das escolas, universidades e nos locais de atuação dos movimentos de mulheres, negros e GLBTs.

É importante também que os ativistas desses movimentos estejam presentes no congresso, apresentando seus programas e suas lutas, para que fique clara a orientação classista e programática das organizações que querem fazer parte orgânica da nova central. A Anel, o Movimento Mulheres em Luta da Conlutas, o Quilombo Raça e Classe e o GT GLBT da Conlutas estarão lá para isso e para confirmar a disposição de atuar com o programa e sob a direção dos trabalhadores.

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