PSTU Ceará

Fortaleza passou por dias de terror na semana passada. Foram 21 ônibus incendiados, vários prédios e viaturas públicas atacadas e alguns rodoviários feridos. Tudo começou por uma crise nos presídios cearenses que ultrapassou os muros da cadeia e atingiu toda sociedade.

Dois trabalhadores rodoviários sofreram queimaduras nos ataques e os ônibus foram recolhidos pelos empresários deixando toda a população desprovida de transporte. É necessário cercar de solidariedade os trabalhadores rodoviários e suas famílias e exigir que não sejam obrigados a trabalhar em situação de insegurança. Por outro lado, é vergonhoso o discurso do sindicato patronal do setor de transporte (Sindiônibus) que tenta fazer os empresários de vítimas alegando prejuízos. Os verdadeiros prejudicados são a população e os trabalhadores rodoviários, não só pela violência, mas também pelas tarifas caras, os ônibus lotados, os salários arrochados e as condições de insegurança a que as empresas de transporte submetem os seus funcionários todos os dias. Quando os trabalhadores cruzam os braços pela intransigência dos patrões são duramente atacados pela imprensa e pelo governo, o mesmo não aconteceu com a paralisação patronal que deixou milhares de pessoas sem ter como voltar para suas casas.

A violência está crescendo junto com o desemprego e a piora dos serviços públicos. Os roubos cresceram quase 20% ano passado chegando a mais de 130 mil casos registrados e, apesar da diminuição em relação ao ano anterior, ainda são assassinadas cerca de 9 pessoas por dia no Ceará. A maioria são jovens, negros e pobres. O crescimento da violência é resultado de uma piora nas condições de vida dos trabalhadores. Hoje, existem cerca de meio milhão de pessoas desempregadas no estado, que não tem perspectiva de conseguir um emprego. Por outro lado a aprovação de leis que congelam os gastos públicos, a aprovação da terceirização sem limites e as Reformas Trabalhista e Previdenciária vão piorar ainda mais as condições de vida dos trabalhadores e isso inevitavelmente provocará um aumento nos índices de violência.

Os presídios no Brasil, e no Ceará como parte deste, são verdadeiros barris de pólvora que por vezes acabam explodindo e ferindo muita gente. Para mostrar trabalho, Camilo (PT) e Roberto Claudio (PDT) fazem declarações dizendo que não cederão e que não descansarão até que todos os criminosos sejam presos. O Governador chegou a entrar em uma viatura para acompanhar as operações policiais pessoalmente. Mas toda essa propaganda serve apenas para esconder que eles são os principais responsáveis pelo caos na capital cearense e na Região Metropolitana. A saída apresentada para combater o crime pelos governos é prender cada vez mais gente. O novo Secretário de Segurança Publica do Estado, André Costa, é um policial da Polícia Federal que gosta de aparecer como justiceiro e defende a ampliação das prisões e dos assassinatos por parte da polícia. Esse é o mesmo perfil do atual vice-prefeito de Fortaleza, Morone.

Mas se cadeia resolvesse o problema, o Brasil estaria em paz. O país tem a quarta maior população carcerária do mundo e é onde ela tem a maior taxa de crescimento. No Ceará, nos últimos 11 anos, a população carcerária aumentou mais de 70%. Foram construídos e ampliados vários presídios, mas eles não conseguem comportar o número de pessoas presas que aumenta a cada dia. Muitos deles não foram sequer julgados, cerca de 70% das pessoas em penitenciárias estão aguardando julgamento e podem inclusive ser consideradas inocentes.

As penitenciárias não servem para reabilitar ninguém, ao contrário, parte das pessoas presas são cooptadas pelas facções que comandam as prisões. A aglomeração em um mesmo complexo prisional de pessoas que cometeram crimes violentos com outros que realizaram pequenos delitos e ainda outros que podem não ter cometido crime nenhum é um verdadeiro sistema de recrutamento da população pobre e desempregada para o mundo do crime. Quem ganha com isso são os chefes do crime, que não moram nas periferias e que enriquecem às custas de uma “mão de obra” barata e substitutível que está sendo jogada na criminalidade pela ausência de direitos sociais básicos.

O perfil das pessoas encarceradas também mostra que as prisões são seletivas. Um estudo realizado em 2014 sobre o perfil da população carcerária cearense constatou que 54% destes eram jovens de 18 a 29 anos, 82% eram negros e 88% possuíam até o ensino fundamental completo. Isso é assim porque esse estrato da população é o que enfrenta piores condições sociais e que sofre com o peso do racismo nas ações policiais e na justiça. Outra informação importante é que cerca de uma em cada quatro pessoas foi presa sob alegação de tráfico de drogas.

Para combater de verdade a violência é preciso mais do que discursos duros e usar da força policial para aumentar a repressão sobre a população pobre e negra da periferia. É preciso ir até a raiz do problema que é a pobreza, o desemprego, a precariedade dos serviços públicos. É preciso garantir educação, acesso ao emprego e condições de vida dignas, especialmente para os jovens. Por outro lado, temos que barrar nas ruas, com Greve Geral, as reformas trabalhista e Previdenciária do Temer. Essas reformas irão piorar as condições de trabalho, aumentar o desemprego e consequentemente a violência.

É preciso também legalizar as drogas e manter a sua produção, comercialização e uso controlada pelo Estado. Isso quebraria o poder do tráfico sobre as comunidades e possibilitaria tratar o tema do uso de drogas como um problema de saúde pública, não como caso de polícia.

Além disso, é necessário que se adotem programas de educação correcional para os detentos, de maneira que se diminua a reincidência e a cooptação das facções e adotar penas alternativas para crimes não violentos impedindo o encarceramento em massas da população negra e pobre. Um estudo de 2014 da RAND Corporation aponta que “Os reclusos que participaram de programas de educação correcional tiveram ‘probabilidades 43% menores de reincidir do que os presos que não o fizeram’.

Por fim é necessário desmilitarizar a PM e criar uma Polícia Civil única controlada pela população, com direito de sindicalização, greve e eleição de oficiais. Os trabalhadores não podem confiar nessa polícia que temos hoje que não tem nenhuma relação com as comunidades e que são responsáveis por todo tipo de arbitrariedade, corrupção, abusos e prisões ilegais. A chacina em Messejana que deixou 11 mortos e 7 feridos é um reflexo do papel que cumprem. Nem é possível confiar no crime, que diz que “pacificou” as periferias dos assaltos e que tenta aparecer como “ao lado da população”, mas que continua recrutando nossos jovens como mão de obra barata e substitutível para seus negócios escusos.

Por isso as comunidades precisam preparar sua própria autodefesa controlada pelas associações de moradores e movimentos socais dos bairros que fiscalizem a ação policial e as ações criminosas e tomem medidas para defender a população. Para isso é necessário que se legalize a posse de armas para que os trabalhadores tenham condições de se defender.

Mas essas coisas não serão dadas por Temer, Camilo, Roberto Claudio ou qualquer outro desses governantes comprometidos com os ricos. Ao contrário, eles estão empenhados em retirar nossos direitos e em aumentar a repressão contra a população pobre e negra das periferias. Somente botando pra fora todos eles e construindo um verdadeiro governo dos trabalhadores, conduzido por Conselhos Populares em que os moradores das periferias possam se reunir para decidir todas as coisas importantes (desde os investimentos na educação até a demissão de um mal policial, ou a intervenção para coibir o crime) é que é possível resolver de vez o problema da violência e evitar cenas de terror como as que vivenciamos em Fortaleza na última semana.

Publicado originalmente no Site do PSTU Ceará