Jean Anil Louis-Juste, professor haitiano assasinado horas antes do terremoto
Arquivo / 2007

Terça-feira, 13 de janeiro de 2010. Por volta de 17 horas. Um terremoto anunciado, há anos, até na sua de magnitude (7,2), varre as regiões oeste e sudeste do Haiti. Fale-se em até 200 mil vidas humanas apagadas. Duas horas antes, outro terremoto político arrasa a esquerda haitiana. E a universidade, especialmente. Jean Anil Louis-Juste, professor conhecido por seu compromisso com as lutas populares foi crapulosamente assassinado. Do mesmo modo com que cientistas haviam identificado sinais de um iminente terremoto sobre o Haiti, inúmeros sinais do terremoto que arrasa a vida do camarada Janil haviam sido anunciados, há meses.

Todo o mundo tem na memória as lutas de junho a agosto de 2009 em redor do reajuste do salário mínimo. E se lembra certamente como Janil foi acusado de ter sido o diabo que se apoderou das mentes dos estudantes e os levou a entender que o salário de um operário não pode ser 125 gourdes, ou pouco mais do que 3 dólares. Até a culpa de um vidro desenhado naquela ocasião por um sábio arquiteto no edifício da Fokal, a maior ONG da Internacional Comunitária e da solidariedade de espetáculo no Haiti, era jogada nele. Guarda-se na memória não somente os esforços do governo a jogar nele a culpa das demandas de reajustar o salário do operário, mas, sobretudo, da primeira-ministra, que chegou até a pressionar a reitoria para demitir o professor Jean Anil Louis-Juste. Janil, como sempre, permanece uma voz emblemática das lutas pela humanização da vida no Haiti. E sabia-se que a burguesia nunca conseguiu dormir tranqüila enquanto ele era vivo. Nunca gostou da capacidade contundente e inovadora dele quando criou a expressão de “grandon-burgueses” para designar a especificidade desta burguesia-latifundiária.

O Haiti começou a conhecer o Janil quando era estudante na Faculdade de Agronomia e de Medicina Veterinária (FAMV) da Université d´état d´Haiti. Liderou uma greve na mesma faculdade contra o ditador Baby Doc enquanto este se preparava a exilar um grupo de jornalistas progressistas e de militantes de direitos humanos, em novembro de 1980. Desta data ao seu assassinato, Janil nunca abriu mão do seu engajamento para com as classes populares. Soldados da Minustah andavam com o nome dele entre junho e setembro de 2009. Em varias ocasiões tentaram invadir as Faculdades de Ciências Humanas (FASCH) e de Etnologia (FE) onde ele ensinava, para o levarem. Só quem não o conhecia, pode acreditar que tais intimidações pudessem silenciá-lo.

Na sua curta carreira de agrônomo, Janil passou a trabalhar ao lado dos camponeses de Papaye, Platosantral, onde se fez observado pela sua posição radical contra a utilização do desenvolvimento comunitário como “bandeira técnica” para despolitizar o campesinato e desnortear as suas energias no sentido contrario às suas reivindicações históricas. Essa radicalidade quase lhe custou a vida quando ocorreu o golpe de Estado de 1991. Livrou-se por pouco dos bichos-papões que foram buscá-lo em Papaye, no próprio dia 30 de setembro de 1991. Já estava de volta à capital.

Da experiência em Papaye nasceu o livro “Sociologie de l´animation de Papaye”, que produziu para receber a licenciatura em Serviço Social na FASCH, aonde dedicou toda a sua vida de militante sem por isso deixar de caminhar ao lado do campesinato e das classes populares e trabalhadoras em geral.

Não se pode achar um só momento nos 52 anos da vida de Janil onde não estivesse lutando contra a indústria da desumanização chamada humanitária. Sua tese de doutorado, “A Internacional Comunitária: ONGs chamadas alternativas e Projeto de livre individualidade. Crítica à parceria enquanto forma de solidariedade de espetáculo no Desenvolvimento de comunidade no Haiti” produzida fora do Haiti, no programa de Pós-graduação em Serviço social na UFPE, representa uma das maiores heranças que deixou. Ele criou o conceito de Internacional Comunitária justamente neste estudo a respeito da formação social haitiana para designar as instituições internacionais e seu complexo ideológico-político mal chamado de “Comunidade Internacional”, mas cujo papel é derrotar toda luta que procura se embasar na Internacional Comunista.

Para quem conhece a realidade haitiana, não deveria ser difícil entender a profundidade desta tese. Basta saber que o novo nome do Haiti é “Paraíso das ONGs” para medir o tom ousado da tese e quão importante são os interesses nos quais toca. As ONGs estão tão poderosas no Haiti que até a esquerda também se “onguizou” sob o pretexto de ONGs alternativas.

De volta ao Haiti, em 2007, Janil passou a atuar na construção da Associação Universitária Dessaliniana (ASID, em língua haitiana). Ele acabou convencendo os mais céticos da sua intenção a dedicar sua vida inteira na luta pela vida no Haiti. A participação da ASID na frente de todas as lutas sociais no Haiti durante esse curto tempo não poderia deixar os grandons-burgueses sem reação.

O assassinato do camarada Janil foi planejado com muita inteligência (se é que dá para chamar de inteligência o planejamento de um ato tão vil). Dois matadores de aluguel foram contratados para perpetuarem o crime e darem-no um caráter de banditismo de rua. Logo que ocorreu o crime, as mídias que conseguiram divulgá-lo antes do terremoto não hesitaram em tentar persuadir que se trata de dois ladrões que quiseram roubar, apesar de que as mesmas mídias têm reconhecido que Janil era o símbolo da contestação da ordem dominante na universidade.

Nunca gastaremos o nosso tempo pedindo que a justiça burguesa seja exercida a favor de Jean. Já sabemos que a única justiça que podemos esperar é a nossa. A nossa justiça que vencerá o capital, emancipando as vidas das correntes que dificultaram seu crescimento.

A vida do companheiro Janil era dedicada a combater a degradação da vida humana provocada pelo capital. Até a sua morte ajudou a salvar vidas. Os estudantes da Faculdade de Ciências Humanas que estavam na rua protestando contra o assassinato foram salvos do terremoto exatamente por estarem na rua naquele momento. Deste jeito, a expectativa dos grandons-burgueses de que pudessem apagar a vida de Janil é um erro monumental: sua obra e sua memória continuarão vivas todo e além do tempo que será necessário lutar contra a desumanização da vida.

– Companheiro Janil!
– Presente!