Iniciamos o dia com o compromisso de procurar, imediatamente, uma lan house para enviar nosso relatório, apesar das condições de acesso a internet não serem nada favoráveis.

Após o café, passamos pela sede do sindicato dos eletricitários do Haiti, onde também funciona a secretaria geral da Confederação Nacional dos Servidores Públicos. Conversamos com alguns dos dirigentes locais sobre as atividades do 1º de maio.

Depois, seguimos para a principal atividade do dia e mais significativa para nós brasileiros. Fomos distribuir um panfleto nas portas das fábricas, ainda pela manhã, chamando os trabalhadores para o ato do 1º de Maio.

A dura realidade e exploração do trabalho vivida pelos trabalhadores haitianos nos saltaram aos olhos. Na primeira etapa da panfletagem, num setor industrial predominantemente têxtil, muitos jovens saíam das fábricas visivelmente famintos, ávidos por um prato de comida que era comprado nas ruas próximas. Ao receberem o panfleto, nos perguntavam logo se havia dinheiro ou alimento para eles, mas sempre com o sorriso nos olhos, demonstrando a alegria característica do povo haitiano.

O setor têxtil é um dos que mais explora a mão-de-obra local, limitando o salário dos trabalhadores a 70 gourdes, moeda local, por dia. Isso equivale, no final do mês, a aproximadamente US$ 42 ou R$ 100. Este é o salário mínimo do Haiti, o mais baixo de todo o continente americano. Considerando que muitos trabalhadores precisam pegar transporte para deslocamento de casa ao trabalho, gerando um custo diário de, em média, 20 gourdes, aproximadamente um quarto de seus rendimentos.

Como curiosidade, conhecemos uma trabalhadora que atualmente presta serviço em Cité Solei fazendo serviços gerais. Seu salário é de meio dólar americano por dia. Ela faz o percurso de ida e volta pra casa à pé, cerca de oito quilômetros.

Por volta das 13h, fomos à sede da Batay Ouvriye, onde almoçamos e conversamos um pouco sobre a programação da tarde. Nesse momento, tivemos a informação, através do companheiro Didier, que a polícia havia autorizado as manifestações depois de tantas pressões das lideranças sindicais.

Até ontem, apenas dois ou três companheiros iam conversar com os militares, sempre apresentando o documento formal com a programação das atividades do 1º de Maio. Ao perceberem a resistência policial, resolveram ir com grupo maior, com mais de trinta companheiros, cuja pressão provocou a mudança de postura das autoridades, que passaram a concordar com a programação e o pedido dos trabalhadores.

Seguimos para outro setor do parque industrial, onde panfleteamos até o final da tarde. Antes, porém, conseguimos entrar no setor e observamos a estrutura de segurança e de controle do empresariado sobre os trabalhadores. São várias indústrias instaladas dentro de uma mesma área, nos moldes de um grande condomínio fechado, com rígido controle de seguranças privados, da política e, inclusive, da própria Minustah, cujos veículos circulavam com frequência entre as ruas dentro e fora do condomínio, impondo a pressão psicológica sobre os trabalhadores.

Nas ruas próximas ao portão do setor, há um verdadeiro mercado livre. Predominam mulheres desempregadas e vendedoras ambulantes. Segundo depoimento dos companheiros da Batay, são essas as mulheres as mais sofridas, seja pela situação a que se submetem, seja pela opressão e violência sofrida no trato pelos homens, pela polícia e por seguranças privados, que tentam impedir suas atividades. Muitas mulheres jovens, várias grávidas, muitas senhoras de terceira idade no sofrimento em busca do pão cotidiano.

No retorno, assim como na ida, a dificuldade com os transportes é a mesma enfrentada por trabalhadores de todo e qualquer país ou setor operário: demora, carros lotados, sem condições de acomodação, trânsito congestionado, lento, desorganizado. Caminhonetas superlotadas de trabalhadores, alguns pendurados nas grades laterais, com suas mochilas vazias e rosto expressivo, com mescla de cansaço, de fome, de esperança de ter um dia seguinte melhor. Por isso, ainda capazes de expressar um ar de alegria. Este é um pouco do quotidiano dos trabalhadores do Haiti.