O Opinião Socialista entrevistou a delegação da Frente Operária Socialista, da Argentina, partido filiado à LIT – Liga Internacional dos Trabalhadores. Participaram da entrevista Luciana, militante da UBA (Universidade de Buenos Aires), Mario Villareal, da direção do FOS e advogado de apoio no caso de Caleta Olívia, Marcela, militante da UBA e Santiago, militante secundarista da região da Grande Buenos Aires.

Nas mobilizações por conquista de postos de trabalho, realizadas através de piquetes nas multinacionais do petróleo localizadas na Patagônia, na província de Santa Cruz, terra do presidente Kirchner, foram presos 24 manifestantes e até agora ainda restam 6 na cadeia, podendo pegar 16 anos de prisão.

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Qual a situação atual do caso?

Mario – Na Argentina há cerca de 30 presos políticos, a maioria da Capital Federal. Os de Caleta Olivia sequer são noticiados e não tem apoio de nenhuma grande entidade. Por isso fizemos o esforço de vir até aqui, para reforçar a campanha internacional, para divulgar as prisões e levantar fundos para manter a família.

São 6 companheiros presos, dos quais 3 são militantes de nosso partido. Os outros três atualmente são companheiros independentes.

Uma das companheiras obteve o direito de prisão domiciliar, mas o juiz já adiantou que isto seria apenas para ela, pois tem 4 filhos, sendo um portador de deficiência. Juntos, somam 24 os filhos dos companheiros presos.

Disse o juiz também que eles haverão de esperar a sentença para qualquer outro procedimento. Se forem condenados, a pena pode chegar a 16 anos de prisão. Não há um prazo determinado para a sentença, mas acredita-se que esta deva sair na metade do ano.

Temos que fazer uma forte campanha de agora até julho para ver se conseguimos libertá-los e uma campanha financeira permanente para ajudar seus familiares.

Não pode ser que não haja trabalho num povoado tão pequeno onde a indústria petrolífera lucra milhões de dólares, não pode ser que trabalhadores sejam presos por lutar por postos de trabalho nestas empresas.

Que fazem as outras organizações e partidos?

Santiago – Elas estão muito preocupadas cada uma com seus próprios presos políticos, numa forma mais de aproveitar politicamente do que realmente de libertá-los. Quando quisemos fazer uma coletiva de imprensa para denunciar a questão de todos os presos políticos do país, chamamos organizações e deputados. Fizemos um chamado especial ao Partido Obrero, que tem militantes em Caleta Olívia que participaram do processo. Não compareceram, assim como o MIJD (grupo de Castells) tampouco mandou alguém. No geral, seguem se recusando a qualquer tipo de ação unitária. Tudo isto se explica muito pelo fato de que 2005 é um ano de eleições na Argentina…

Uma postura totalmente ao contrária do que achamos correta, que é buscar a unidade com os peronistas, radicais ou quem quer que seja, desde que o objetivo seja libertar os companheiros. Os grandes partidos da esquerda argentina estão preocupados em contar votos, não na campanha de libertação.

Como estes fatos bateram na vanguarda? As pessoas sentem a repressão, estão receosas, a primeira reação é de solidariedade e enfrentamento…?

Luciana – Primeiro, há um problema que é que as prisões são praticamente desconhecidas do público em geral. Não há nenhum, nenhum espaço na mídia. Quando se explica o problema ao pessoal no trabalho ou na escola, normalmente as pessoas se solidarizam.

Uma outra questão é que pior ainda é para os presos do interior, que não têm nenhuma grande entidade, partido ou organização apoiando-os.

O problema, como disse Santiago, é que cada um quer capitalizar suas ações, ou seja, um dia vai um partido na Casa de Santa Cruz com seu cartãozinho, noutro dia vai outra organização com sua bandeira não sei aonde…

Estes atos em separado já são um problema típico da esquerda argentina, não? E como foi o último 20 de dezembro? (Pelos acontecimentos de 2001, o 20/12 se tornou data de protesto nacional, com uma grande passeta terminando na Casa Rosada, sede do governo)

Mario – Na verdade, se conseguiu fazer um ato unitário este ano. O problema é que estas manifestações perderam seu caráter de combatividade, virando um ato de “recordações”.

Isso se dá porque acabou-se de fechar um pacto entre o governo Kirchner, por um lado, e o P.O., o MAS (Movimento ao Socialismo) e outras organizações por outro, para que não se faça manifestações por trabalho, alimentos ou planos tipo seguro-desemprego até maio. Em troca, o governo lhe garantiria n planos e também a permissão de substituir pessoas nos planos atuais, extorquindo as pessoas, porque se não fazem o que mandam as organizações, lhe tiram os planos.

Esse pacto causou, por uma lado, uma ruptura no movimento dos trabalhadores desempregados e, por outro, as direções que assinaram o acordo abandonam a luta.

Mas isso se aprovou no Bloco Piqueteiro Nacional e na Assembléia Geral dos Trabalhadores? A FTC, dirigida pelo MAS, concordou com isso? E o FOS, que faz parte da FTC – Mesa Nacional, o que fez?

Mario – Sim, isso foi aprovado nos fóruns que você mencionou. A FTC – Mesa Nacional não assinou a ata e estamos com uma cópia da mesma para denunciar a acordo.

Para terminar, ainda sobre a questão da repressão, como está a questão da Lei de Convivência – está realmente sendo aplicada?

Mario – Na verdade esta lei era mais uma exigência da pequena burguesia, comerciantes, para impedir que os ambulantes trabalhassem nas ruas, ou especial repressão nas zonas de prostituição etc. Mas o principal era que exigia que se comunicasse previamente a cada intenção de realizar manifestações, para obter autorização do governo.

Mas este código de convivência passou para segundo plano, por causa do incêndio na boite Cromagnon, onde morreram adolescentes e gerou uma grande revolta, pressão e mobilização que chegou a ameaçar a estabilidade do governo de Aníbal Ibarra, da Capital Federal.

O que aconteceu, no fundo de tudo isso, é que o governo de Kirchner se alinhou aos Estados Unidos, deixou de fazer um discurso democrático e aplicou todas as medidas econômicas e repressivas.

Por isso é uma questão de honra para todos os militantes operários, estudantes e do movimento popular, que se faça uma forte campanha para que se garanta que a família dos presos não passem fome e que estes sejam libertados.

E como repercutiu, por exemplo, a campanha realizada no Brasil? Sei que nossa campanha chegou ao conhecimento dos presos, vimos inclusive uma carta deles à CONLUTAS. Que importância têm estas manifestações, o envio de e-mails etc. (além do suporte financeiro, obviamente)?

Mario – Do ponto de vista da pressão jurídica é muito importante! Porque para um juiz de um povoado de 30 mil habitantes, milhares de assinaturas, mensagens de sindicatos, pedidos de deputados fazem uma pressão bastante forte.

Por outro lado, para os presos, é de inestimável valor saberem que em diferentes partes do mundo, como Brasil, Espanha, Rússia, companheiros se mobilizam pela sua libertação. Possivelmente, esta é a única razão para manterem a moral tão alta. No nosso último jornal, fizemos uma matéria com fotos dos atos que ocorreram nestes países.

Existe alguma atividade marcada na campanha internacional? Quais os próximos passos?

Mario – Não temos nenhum ato marcado, mas sim a tarefa permanente de arrecadação financeira para o sustento das famílias, além da articulação com personalidades e entidades de Direitos Humanos.

Por outro lado, estamos iniciando um trabalho junto aos moradores dos bairros onde vivem os companheiros e onde ocorrem as mobilizações para formar um comitê de solidariedade local.

Observações finais?
Marcela –
Apenas uma questão, ressaltar o papel das mulheres neste processo. Estão presas 3 companheiras, cujo crime foi lutar para dar de comer aos seus filhos.

Inclusive há uma companheira de outra localidade que foi espancada pela polícia até que perdesse seu filho, não?
Sim, em Las Heras, uma cidade a 80 km de Caleta Olivia. Ela e o marido, mais 8 companheiros foram presos em casa, apanharam durante o trajeto pra delegacia e, chegando lá, ao apelarem que parassem de bater pois estava grávida, os policiais responderam com mais cacetadas na barriga, dizendo que não iam permitir que se reproduzissem marginais. A companheira foi parar no hospital para fazer uma curetagem, mas, quando fomos ver, para entrar com um processo, o registro médico não relatava nada.

E o que comentavam agora sobre a situação geral na Argentina?
Santi –
O que eu dizia é sobre a situação geral das correntes, estão todas muito mal por terem apoiado Kirchner ou por ainda estarem apoiando. Ao mesmo tempo, surgem alternativas, mas nenhuma ainda conseguiu se firmar ou aparecer como uma alternativa real, com força.

Marcela – Tem mais uma coisa a se notar, é que no processo de 2001, as mobilizações foram centralmente protagonizadas por setores desempregados e da classe média. Neste momento, está surgindo uma nova direção da classe operária, que começa a romper com a burocracia e se colocar para disputar a direção do movimento sindical, encabeçar as lutas por salário, etc.

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