Prova inquestionável de que a corrupção é uma característica fundamental do capitalismo (e não um acidente de percurso) é o fato de que falcatruas e roubalheira encontram solo fértil em todas as instituições e setores da sociedade.
Além da lama correr solta no Palácio do Planalto, no Congresso e em vários partidos, agora, o lamaçal está vindo à tona em um terreno considerado “sagrado” para quase todos os brasileiros: os campos de futebol.

No dia 2, Luiz Zveiter, presidente do Superior Tribunal da Justiça Desportiva (STDJ), foi obrigado a anular 11 jogos do Campeonato Brasileiro apitados pelo juíz Edílson Pereira de Carvalho, principal personagem do escândalo de corrupção que atingiu o futebol nacional. Até o momento, a chamada Máfia do Apito já envolveu pelo menos um outro árbitro, Paulo José Danelon (fraudador confesso de ao menos três jogos do Campeonato Paulista), e dois apostadores – Nagib Fayad, o Gibão, e Wanderlei Pololi.

Gravações telefônicas revelaram que em diversas ocasiões os dois juízes inventaram pênaltis, provocaram jogadores com a intenção de forçar a distribuição de cartões ou utilizaram outros métodos para manipular o resultado. Para cada partida roubada eles recebiam cerca de R$ 10 mil, enquanto os “empresários” faturavam alto em apostas, de R$ 200 mil a R$ 400 mil, em sites ilegais no Brasil e nas milionárias casas de apostas da Inglaterra.
A descoberta da falcatrua, contudo, não só está longe de ser uma novidade como também é, certamente, apenas a ponta de um iceberg tão amplo e malcheiroso quanto aquele que se esconde por baixo do mensalão lulista.

Muitos interessesem jogo
Como lembrou o jornalista Sérgio Augusto, em O Estado de S. Paulo de 2 de outubro, dentro do próprio mundo do esporte, a história da Máfia do Apito, se for realmente investigada, pode abrir um poço sem fundo: “Se um roto-rooter (um desentupidor) ético entrasse, sem entraves, nas entranhas da CBF, a faxina só iria terminar nos entupidíssimos esgotos da Fifa”.

Há anos, verdadeiras quadrilhas se encastelaram no comando e controle do futebol brasileiro. Nomes como o de Ricardo Teixeira, presidente da CBF, e Eurico Miranda, presidente do Vasco, costumam circular com a mesma desenvoltura em páginas policiais e cadernos esportivos.

Além disso, o fato de que os interesses em jogo extrapolam em muito os limites dos campos foi mais uma vez demonstrado com esse episódio. Não é à toa, por exemplo, que os tentáculos da Máfia do Apito chegaram tão rápido em Brasília, onde, na semana passada, houve uma intensa movimentação pró e contra a instalação de uma CPI sobre o tema ou a convocação, pela CPI dos Bingos, dos dois juízes ladrões.

Se é verdade que o súbito interesse dos partidos governistas em instaurar uma CPI pode ser facilmente justificado como mais uma tentativa de tirar os holofotes de Lula e seus comparsas, também é fato que a não instalação de qualquer tipo de investigação interessa, e muito, a uma porção de gente. Gente tão organizada e bem-relacionada com o poder que tem até um grupo de representantes no Congresso, a chamada “Bancada da Bola”.

Até 2002, a maior expressão da Bancada era Eurico Miranda, então deputado pelo atual PP de Maluf, mas não conseguiu se reeleger em função da lama em que naufragou em sucessivas investigações sobre negociatas com a Nike e tantas outras denúncias.
Mas, a bancada rapidamente se rearticulou e colocou um novo time em campo que, hoje, entre outros, conta com os deputados José Rocha (PFL-BA), José Mendonça (PFL-PE) e Darcísio Perondi (PMDB-RS) e tem apoio dos senadores Renan Calheiros (PMDB-AL), Tasso Jereissatti (PSDB-CE), Roseana Sarney (PFL-MA) e Leomar Quintanilha (PFL-TO), todos amigos íntimos de Ricardo Teixeira.

Uma história que se repete
Um aspecto importante dessa história é que não há nada de novo nela. Há quase 40 anos, em 1968, um caso de corrupção no futebol paulista envolveu nada menos do que 150 juízes e o presidente da Federação Paulista de Futebol. De lá para cá, as denúncias são constantes.

No início da década de 80, a revista Placar desmascarou a Máfia da Loteria Esportiva, um esquema bilionário que envolvia 125 empresários, jogadores, ex-jogadores, dirigentes de clubes e federações, bicheiros, donos de lotéricas e juízes. Nos anos noventa, descobriu-se que o árbitro Wilson Catani recebera R$ 18 mil para beneficiar o Botafogo de Ribeirão Preto, no Campeonato Paulista; em 1997, o dirigente da Comissão Nacional de Arbitragem de Futebol (Conaf), Ivens Mendes, foi flagrado subornando os dirigentes do Corinthians e do Atlético Paranaense.

Já em 2002, Armando Marques foi pego tentando coagir um juiz a falsificar a súmula de um jogo, o que, na época, causou o seu afastamento da Comissão de Arbitragem, mas não impediu que, na seqüência, chegasse à presidência da Conaf, cargo que ocupou até sexta-feira, 30, quando teve de se afastar depois que veio a público que partiu dele a indicação de Edílson para o quadro de juízes da Fifa.

No meio dessa história toda, não dá para esquecer o papel da Globo, que também mexeu seus pauzinhos para tentar evitar a repetição dos jogos temendo ter prejuízos financeiros ao ter que refazer sua programação. É bom lembrar que, neste exato momento, a maioria dos principais envolvidos, incluindo Edílson e Gibão, estão “repousando” em seus condomínios fechados, aguardando o julgamento em liberdade e contando com uma pena leve, já que fizeram acordos de delação premiada, a mais nova e cobiçada moda entre os salafrários.

Se tudo isso irá acabar em uma pizza do tamanho do Maracanã, não se sabe. Apesar das possibilidades serem grandes. Até o presidente do Flamengo, clube que durante todo o campeonato disputou as últimas posições, aposta nisso e já tentou preparar a sua virada de mesa. Aproveitando-se do escândalo, Márcio Braga disse que o campeonato perdeu a credibilidade e que nenhum clube deveria ser rebaixado.

A única certeza no meio dessa história toda, contudo, é que, pra variar, os únicos que realmente saíram perdendo de verdade foram os torcedores, tanto os que pagaram para assistir a uma farsa dentro dos estádios, quanto os que, Brasil afora, foram literalmente enganados.

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