Foi fundado, nos dias 5 e 6 de junho, em um Encontro Nacional, em Brasília, o Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL), formado pelos parlamentares Heloísa Helena, Babá, João Fontes e Luciana Genro. A criação desse partido era aguardada, por muitos ativistas honestos, como uma alternativa à decepção causada pelo PT. No entanto, podem estar embarcando em uma outra decepção.

O Encontro deveria discutir uma proposta de programa e estatutos do partido. Em tese, essas deveriam ser discussões essenciais porque definiriam o caráter do partido, seus objetivos, seu funcionamento. Temas que deveriam ser discutidos amplamente nas bases, e definidos por profundos debates. Afinal, nesse partido existe uma enorme heterogeneidade, com setores claramente reformistas e outros que defendem uma revolução. Mas nada disso aconteceu.

O projeto de programa foi apresentado pela sua Direção Nacional no dia 2 de maio, há pouco mais de um mês, e modificado, também pela Direção Nacional, para uma versão “mais sintética”, menos de uma semana antes do seu Encontro Nacional. A proposta de estatutos foi feita da mesma maneira. Ou seja, não houve nenhum debate nas bases antes do Encontro. Isso é gravíssimo, na medida em que os militantes não tiveram nenhuma possibilidade de definir que partido querem construir.

Restava a possibilidade de discussão no próprio Encontro. Depois de feita a apresentação formal de programa e estatutos, na tarde do sábado, a discussão foi encaminhada para os grupos, que se reuniram na noite do mesmo dia e na manhã de domingo. Ao final da discussão, como não havia nenhum acordo nos grupos, optou-se por manter os mesmos documentos apresentados no início, sem qualquer modificação. Ou seja, não houve discussão nas bases e o debate foi desconsiderado.

O encaminhamento, de seguir a discussão até um próximo Encontro Nacional no Fórum Social, em janeiro próximo, é apenas uma formalidade. Todos sabem que não irá funcionar, porque agora todos irão se dedicar à legalização do partido, e não farão qualquer discussão séria de programa e estatutos.

Nasceu, então, o PSOL, com programa e estatutos impostos pela direção, sem nenhuma discussão, nem nas bases, nem no próprio Encontro de fundação.

Existe uma enorme diferença com o Encontro que criou o PSTU, há dez anos. Discutimos profundamente, entre dezenas de organizações e grupos diferentes, uma proposta de programa e estatutos por dois anos. Houve debates, polêmicas e, finalmente, criamos o partido.

A fundação do PSOL não se parece sequer com os debates que precederam o Encontro de fundação do PT, no início da década de 80. Naquela época, o PT cumpria um papel progressista e agrupava milhares de ativistas de distintas origens. Houve um grande debate sobre programa e estatutos, sobre a presença ou não de palavras-de-ordem, como a de Governo dos Trabalhadores no programa, sobre o funcionamento dos núcleos etc. Não existe na história recente do país nenhuma fundação de partido de esquerda tão burocrática como esta do PSOL.

Um partido burocrático

Isso não é por acaso. Um encontro burocrático criou um partido burocrático.
O estatuto votado, diz: “que essa unidade na ação, seja, na medida do possível, fruto da compreensão coletiva e voluntária”, ou seja, cada um decide individual e “voluntariamente” o que fazer. Por exemplo, em uma greve nacional, poderemos ter militantes desse partido com uma proposta diferente em cada uma das cidades.
Pior ainda, os parlamentares poderão decidir o que fazer, o que votar, por sua “compreensão voluntária”. O que vai imperar nesse partido é exatamente o funcionamento do PT: os parlamentares decidem, e as bases recolhem votos. Como são os parlamentares que têm acesso à mídia, são eles que declaram as posições do partido, decididas por eles mesmos, sem qualquer participação da base.

Uma esperança, outra vez?

O setor majoritário na direção desse partido, que defende uma estratégia reformista eleitoral, não está disposto a fazer nenhuma discussão programática de fundo. Por outro lado, as correntes que falam em uma revolução não estão dispostas a nenhuma batalha programática. Isso explica o “grande acordo”, e a ausência de discussão nas bases.

O programa tem uma cobertura de esquerda para contentar uma parte do partido, mas não fala em revolução socialista, para não se chocar com o setor majoritário. Não se trata simplesmente de um “meio termo” entre as duas posições, mas de um programa reformista, com o eixo do partido voltado para a disputa eleitoral, institucional. Não por acaso, toda uma parte do programa é dedicada à importância das eleições para o PSOL.

A grande base de acordo, o que solda a estratégia comum dos dirigentes do PSOL, é a candidatura de Heloísa Helena para as eleições de 2006. Isso foi comprovado pelo próprio Encontro, que reafirmou sua candidatura.

Uma camiseta usada por participantes do Encontro dá uma idéia da essência do PSOL: “Uma esperança outra vez, Heloísa 2006”. Qualquer semelhança com o “Feliz 2002” do PT não é mera coincidência.

Ao nosso ver, as eleições de 2006 não resolverão questões como a submissão do país ao FMI, os baixos salários, o desemprego crescente e a miséria no campo.
Simplesmente, porque não se resolverão os problemas do país pelas eleições burguesas. Nós só acreditamos nas lutas diretas das massas, apontando para uma revolução, e as eleições são apenas um ponto de apoio dessa estratégia. Essa estratégia eleitoral do PSOL foi o caminho perseguido pelo PT, que deu no que deu.
Nem no encontro de fundação do PSTU, e nem sequer no do PT do início dos anos 80, foram lançadas candidaturas. Na verdade, a fundação do PSOL lembra os encontros do PT dos últimos anos: sem nenhuma discussão política ou programática, e voltados para a preparação de campanhas eleitorais.

Foi formado o PSOL, um novo partido reformista, eleitoral e burocrático, muito parecido com o PT dos últimos anos, logo antes de chegar ao governo federal. Resta uma pergunta: o que há mesmo de novo nisso?

Post author Eduardo Almeida, da redação
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