Mário* trabalha em uma unidade da siderúrgica Gerdau em Pindamonhangaba, interior de São Paulo, há mais de vinte anos. É do setor de produção de cilindros utilizados para laminação, que abastece principalmente as fábricas de auto-peças. No final de 2008, como inúmeros outros trabalhadores país afora, ele percebeu que a “marolinha” de Lula era na verdade um tsunami. A crise internacional chegava com tudo no Brasil, deixando um rastro de demissões no setor industrial.

Primeiro, a produção caiu drasticamente. Depois, vieram os cinco meses de férias coletivas, e o inevitável medo da demissão. O tempo passou e a siderúrgica foi aos poucos retomando o ritmo. Muitos trabalhadores, porém, não retornaram. “Mais de 300 foram mandados embora”, atesta Mário, que calcula trabalharem na unidade uns 2 mil funcionários.

Hoje, quase um ano e meio depois da chegada da crise, a produção está quase no mesmo nível que antes. “Fazíamos cerca de 10 cilindros por dia, hoje estamos fazendo algo como 7 ou 8”, diz. A diferença, porém, é que, se antes havia 75 trabalhadores na mesma área que trabalha Mário, hoje há somente 40. Resultado: horas extras, pressão para aumentar ainda mais o ritmo de trabalho e assédio sobre os trabalhadores.
Na fabricante de aeronaves Embraer, em São José dos Campos (SP), isso é ainda mais explícito. Em 2008, a empresa produziu 204 aviões, no ano seguinte foram 244. E isso com 4.200 trabalhadores a menos.

Esses exemplos mostram exatamente a realidade nas fábricas hoje. O governo e a imprensa fazem alarde sobre o suposto fim da crise e a retomada do crescimento econômico. Na indústria, prevalece o discurso otimista que dá a entender que as dificuldades ficaram para trás. O que ninguém diz, porém, é que a tal recuperação se dá às custas do aumento brutal da exploração dos operários.

O que sustenta a “recuperação”?
No Brasil, a indústria foi o setor mais afetado pela crise. Para enfrentá-la, as empresas, com o apoio de centrais como CUT e Força Sindical, lançaram mão além das demissões, de férias coletivas com redução dos salários e todo tipo de flexibilização. Queriam manter suas margens de lucros reduzindo os custos com mão de obra. Além da Embraer, que demitiu 4 mil trabalhadores, a também privatizada Vale dispensou 1,3 mil. E a General Motors, recuou em 2.500 postos de trabalho em São José dos Campos (SP).

O governo Lula, por sua vez, lançou mão de uma série de medidas para ajudar os empresários. Bilhões em subsídios, financiamentos a juros baixos e isenções fiscais protegeram os lucros das grandes empresas e multinacionais.
A produção industrial ainda não retomou os níveis pré-crise, mas aumentou seu ritmo. Os patrões, porém, valendo-se da máxima que “crise” é sinônimo de oportunidade, arrumaram logo um jeito de lucrar ainda mais.

Como já haviam demitido, para que recontratar todos se podem forçar os trabalhadores que ficaram a trabalhar mais? Gastando menos com mão de obra e contando com a ajuda do governo, a Embraer, por exemplo, aumentou em 109% seu lucro líquido. Há hoje, em toda a indústria, 300 mil operários a menos do que em outubro de 2008.

Mais por menos
Se antes da crise, em pleno crescimento da economia, já havia uma enorme pressão para o aumento da produtividade, depois da onda de demissões isso só piorou. Como a produção cresce numa proporção maior que os empregos, os trabalhadores são obrigados a compensar essa diferença aumentando seu ritmo e a jornada de trabalho.
A metalúrgica Beatriz é auxiliar de produção e opera uma máquina de solda. A jornada é extenuante e as horas extras cada vez mais frequentes. “Trabalho 8 horas por dia na semana e 7 horas no sábado, mas ultimamente sempre tem hora extra no domingo”, relata. Quando faz hora extra, trabalha outras 8 horas.

Para a refeição, são 30 minutos. Mas na prática pode ser menos. A gente só sai, come e já volta.” Tudo muito corrido “para que a máquina não fique parada”.

O jovem Bruno, funcionário de uma autopeça de São Paulo, vê essa realidade cotidianamente. “Tem um setor grande da empresa que faz muitas horas extras”, relata. “Agora estão dizendo que a segunda parcela da PLR vai depender do rendimento, da produtividade, qualidade, e da frequencia”, conta o metalúrgico que ganha R$ 4,60 a hora e que percebeu um aumento no ritmo de trabalho nos últimos meses.

Controle
No último trimestre de 2009, a produtividade dos trabalhadores da indústria cresceu 10% em relação ao mesmo período do ano anterior. Enquanto a produção cresceu 5,8%, o emprego diminuiu 4%.

Como se não bastasse, a média salarial diminui, pois os operários que entram no mercado de trabalho são obrigados a aceitar salários mais baixos. Ajuda nisso a altíssima rotatividade da mão de obra.

Se os mais novos já são contratados sabendo dessa situação, os mais antigos são disciplinados, com um controle cada vez mais rígido do serviço. “Dizem bem claramente: quem não se enquadrar no sistema, é rua”, conta Mário. Não é de se espantar, assim, os cada vez mais frequentes acidentes de trabalho. Só na Gerdau de Pindamonhagaba foram oito só na época do carnaval.

* Todos os nomes são fictícios

“Vocês vão ganhar três vezes menos”
“Quem não estiver satisfeito, pode procurar outro emprego”. Foi o que Mauro ouviu na entrevista de seleção para um trabalho em uma fábrica de auto-peças do grande ABC, que tem cerca de 6 mil operários.

Durante a crise, a fábrica demitiu todo um setor da unidade, a fim de terceirizar o serviço e cortar custos. Não deu certo e a empresa teve que abrir novas contratações. Mas vão pagar um terço do que recebem os antigos funcionários. “Eles logo advertiram: aqui dentro vocês vão ouvir toda hora que estão ganhando menos que os outros”, conta Mauro.

Se antes do auge da crise, um operário ganhava quase R$ 10 por hora, agora a empresa oferece apenas R$ 3,50 aos que quiserem entrar.
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