As entidades integrantes do Fórum Fisco Nacional, abaixo signatárias, manifestam sua preocupação e alertam a sociedade para os prejuízos que traz o substitutivo do PLP 123/2004, conhecido como Super-Simples, apresentado a pretexto de eliminar burocracias e regulamentar a unificação da legislação tributária das três esferas de governo para micro e pequenas empresas.

O substitutivo extrapola em muito a abrangência dessa matéria e avança sobre legislação trabalhista, previdenciária e até em normas de fiscalização sanitária, ambiental, metrológica e segurança do trabalho. Essas matérias estranhas devem ser retiradas do substitutivo.

Os principais prejuízos e problemas do substitutivo do PLP 123/2004 são:

FACILITA A SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS E A “LAVAGEM DE DINHEIRO”
O projeto fragiliza e reduz a atuação do Estado em nome da “simplificação”, enfraquecendo o combate à sonegação de tributos e contribuições. O PLP-123 fere a Constituição Federal, ao deixar de observar o disposto nos artigos 37, inciso XXII, e 146, inciso IV, parágrafo único, que estabelecem que as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deverão atuar de forma integrada e compartilhada. Assim, as três esferas de governo devem ter competência plena e atuar de forma compartilhada e integrada como determina a CF.

Ao deixar o fisco federal apenas com a competência “supletiva” e não compartilhada, como diz a CF, fica prejudicado o efetivo combate à sonegação e à “lavagem de dinheiro”, especialmente para desbaratar grandes esquemas montados com base em empresas aparentemente pequenas, localizadas em diferentes estados da federação.

FACILITA A CRIAÇÃO DE EMPRESAS “FANTASMAS”
O projeto facilita a criação de empresas “fantasma” ou “laranja”, amplamente conhecidas por sua utilização em atividades ilícitas que envolvem altas somas de recursos, ao proibir a exigência de comprovação de propriedade ou contrato de locação do imóvel de localização da sede do estabelecimento, por ocasião da sua abertura. Isso dificulta enormemente a ação fiscalizadora do Estado, como recentemente comprovado pelas CPIs em andamento no Congresso Nacional.
É preciso criar mecanismos para evitar e impedir a proliferação desse tipo de empresa, e não para facilitar essa prática.

PRECARIZA DIREITOS TRABALHISTAS E PREVIDENCIÁRIOS
O substitutivo fragiliza a fiscalização trabalhista que examina as condições de segurança e saúde no trabalho e o cumprimento do pagamento do salário, férias e 13º salário, por exemplo. É um estímulo ao descumprimento da lei.

O cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalho também é prejudicado. Os acidentes de trabalho poderão aumentar ainda mais, elevando despesas da Previdência Social com pagamento de benefícios a trabalhadores e a pensionistas.

Há ainda outras mudanças que dificultam a fiscalização do trabalho, cuja função é proteger o trabalhador: as empresas optantes do Simples são dispensadas de anotar as férias dos empregados nos livros ou fichas de registro e de afixar em suas dependências o “Quadro de Trabalho”, prejudicando os trabalhadores.

REDUZ DIREITOS DO TRABALHADOR – FGTS PASSA DE 8% PARA 4%
O recolhimento do FGTS poderá ser reduzido dos atuais 8% para até irrisórios 4% para empregados de empresas com receita bruta anual de até R$ 36 mil, com a simples concordância do empregado (art. 48, II).

Qualquer que seja a redução do percentual do FGTS, estará ferindo o princípio constitucional da isonomia, consagrado nos artigos 5º, 6º e 7º. Dessa forma, criando duas classes de trabalhadores. A primeira, dos que têm direito aos 8%, e a segunda classe, justamente os mais pobres, dos que terão o seu direito reduzido.
A Constituição prevê a proteção contra a demissão sem justa causa. Com a redução do FGTS para até 4%, estaria invalidada a proteção diante do valor irrisório da multa rescisória. O dispositivo nada mais é que a concretização da “flexibilização” das leis trabalhistas, uma redução dos direitos dos trabalhadores.

Implica, também, queda na arrecadação do FGTS, restringindo a capacidade de investimento do Estado em infra-estrutura urbana, saneamento básico e habitação para população de baixa renda.

COLOCA EM RISCO A VIDA E A SAÚDE DA POPULAÇÃO E FRAGILIZA O CONSUMIDOR
O substitutivo do PLP afrouxa as fiscalizações trabalhista, metrológica, sanitária, ambiental e de segurança, trazendo prejuízos para toda a população. O substitutivo estabelece que a fiscalização trabalhista deverá ter “natureza prioritariamente orientadora” e que, em caso de constatação de irregularidade, apenas na segunda visita poderá ser lavrado “Termo de Ajustamento de Conduta” contendo orientação e prazo de cumprimento. O auto de infração somente poderá ser lavrado se a mesma irregularidade for cometida pela terceira vez. É uma franca obstrução ao trabalho da fiscalização.

O procedimento fragiliza a fiscalização fitossanitária que examina a qualidade e a validade de alimentos, colocando em risco a saúde e a vida da população.
Enfraquece também a fiscalização metrológica, que garante que o consumidor não seja enganado em relação a pesos e medidas de alimentos, por exemplo.

RISCOS PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL PÚBLICA
A ampliação das atividades econômicas cobertas pelo Simples Nacional não pode ser promovida sem um profundo estudo técnico prévio sobre os impactos da renúncia de contribuições previdenciárias no financiamento da Previdência Social Pública.

Ao substituir a contribuição previdenciária patronal por alíquota única substituta de vários tributos, o projeto pode comprometer a vinculação constitucional dos pagamentos de benefícios previdenciários e provocar o desequilíbrio atuarial do sistema previdenciário brasileiro, além de ameaçar o financiamento da Previdência Social Pública.

A União, por meio da SRP, deve continuar com a competência para fiscalizar as contribuições dos trabalhadores das empresas do Super-Simples.
A pergunta que fica: se os estados e municípios não têm competência para fiscalizar as empresas do Simples, quem irá fiscalizar as contribuições previdenciárias dos milhões de trabalhadores das empresas do novo sistema?

QUEBRA DO PACTO FEDERATIVO
O projeto fere de morte o pacto federativo. De acordo com o artigo 60, parágrafo 4°,inciso I, da Constituição Federal, tal projeto não deveria, sequer, ser apreciado por ser flagrantemente inconstitucional quando tenta tirar dos Estados e Municípios a autonomia, prevista na Carta Magna, para instituir e legislar sobre o ICMS e o ISS. Sem dúvida nenhuma, é um retrocesso que relega esses entes federados à qualidade de dependentes com a perda de sua autonomia financeira.

PERDA DE ARRECADAÇÃO PARA ESTADOS MAIS POBRES E MUNICÍPIOS
O projeto aumenta a carga tributária para alguns setores da economia e a reduz para outros. Isso significa perdas consideráveis de arrecadação para alguns estados, sobretudo os mais pobres. Os municípios chegam a perder arrecadação na ordem de 6% a 10% no imposto sobre serviços.

Os entes federados terão dificuldade de planejar seu desenvolvimento e seu orçamento anual, uma vez que as informações prestadas pelos contribuintes passarão de um período mensal para anual, dificultando qualquer informação estatística.

CAOS URBANO
O projeto dispensa o cumprimento das normas que disciplinam a instalação de empresas no município, permitindo o estabelecimento em locais inadequados e promovendo, conseqüentemente, o caos urbano.

NOVO “REFIS” – DESRESPEITO AO BOM CONTRIBUINTE
O substitutivo do projeto prevê novo parcelamento de dívidas com o fisco, em até 120 meses, para as empresas do Simples Nacional, inclusive a seus titulares e sócios. Isso desrespeita o bom contribuinte que pagou seus tributos no prazo legal e favorece a concorrência desleal na economia, ferindo o princípio constitucional da isonomia. Além disso, favorece duplamente o contribuinte inadimplente e sonegador: ao não cumprir com sua obrigação tributária, ele leva vantagem em relação ao bom pagador de tributos; e ainda é privilegiado com parcelamento a longo prazo.

O resultado do Refis anterior é um fracasso: 80% das empresas foram excluídas do programa por falta de pagamento; de 129.166 empresas que aderiram, em 2000, permaneciam apenas 25.622, até novembro de 2005. Com um passivo inicial de R$ 150 bilhões, em 2000, arrecada-se apenas cerca de R$ 1 bilhão por ano.

Assim, as entidades reconhecem a necessidade de regulamentar o artigo 146 da Constituição Federal, mas consideram essencial a retirada e a modificação de todos os dispositivos que causam prejuízo à população brasileira.

Brasília, 16 de março de 2006

Anfip – Associação Nacional do Auditores-Fiscais da Previdência Social
Fenafim – Federação Nacional do Auditores e Fiscais de Tributos Municipais
Fenafisco – Federação Nacional do Fisco Estadual
Febrafite – Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais
Fenafisp – Federação Nacional dos Auditores-Fiscais da Previdência Social
Sinait – Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho
Unafisco Sindical – Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal