Em junho de 1998, em meio aos preparativos para mais uma campanha, Lula estava de mudança. Havia comprado seu apartamento, mas ainda dormia no colchão – a cama e os outros móveis estavam para chegar.

Onze anos depois, centenas de sem-teto acamparam em frente ao endereço do presidente em São Bernardo do Campo. Chegaram com lonas, panelas e colchões. Dormiram ali por seis dias. Suportaram o frio da madrugada, de seis, sete graus, e um ou outro xingamento de motoristas.

O MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) exigia a desapropriação e regularização de terrenos, como o da ocupação Zumbi dos Palmares, em Sumaré (SP). As famílias ameaçadas levaram uma faixa com os dizeres “Nosso Despejo, Nossa Morte”.

O plano de habitação de Lula foi lembrado. “A inscrição é em cada prefeitura. Isso vai acabar em curral eleitoral”, afirmou à imprensa Zezito da Silva, do MTST. Em carta, o movimento disse que o “Minha Casa, Minha Vida” não atendia a quem luta e precisa de moradia. “As construtoras, que tanto já ganharam em cima de nosso suor, só têm apresentado projetos para pessoas de renda média e alta”, dizia o texto.

Pessoas que vivem como Lula: sala com dois ambientes, três quartos (uma suíte), outro reversível, copa, lavanderia e uma escada em caracol para um salão de festas particular. Com 186 metros quadrados, a cobertura do presidente poderia muito bem estar entre os projetos das construtoras que disputam financiamento público.

Mas Lula não estava em casa. Na Itália, acompanhava o G8. Não viu quando os cinco primeiros sem-teto se acorrentaram e nem como, nos dias seguintes, um a um, outros três se juntaram ao grupo. Só após quase uma semana e algumas vitórias, o grupo abandonou as correntes.

Os sem-teto, assim como os operários da construção e a maioria de nós, não têm nada a perder. A vida aqui embaixo é completamente diferente da dos poderosos. Não tem nada a ver com a realidade dos donos da construtora Abyara, que pedem verbas da Caixa em encontros na mansão do presidente do Senado. “É coisa grande”, anuncia por telefone o filho de José Sarney, sem saber que era gravado.

É a senhores assim que Lula permanece preso, acorrentado. Como os sem-teto, ele também se prendeu porque quis. No entanto, não quer – e nem pode – se soltar.
Post author Atnagoras Lopes, do Sindicato da Construção Civil de Belém (PA) e da Conlutas
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