Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

No dia 8 de julho, foi destaque na imprensa a prisão do fundador da Ricardo Eletro, uma das maiores redes varejistas de eletrodomésticos do país. O empresário Ricardo Nunes foi preso na Operação Direto com o Dono, deflagrada pelo Ministério Público de Minas Gerais em parceria com a Secretaria da Fazenda mineira e a Polícia Civil. Ele é acusado de sonegar R$ 400 milhões em impostos, que deveriam ter sido pagos ao estado de Minas Gerais ao longo de cinco anos.

Segundo o Ministério Público, as lojas da rede Ricardo Eletro cobravam dos consumidores impostos embutidos no preço dos produtos, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviço (ICMS). Depois, os empresários embolsavam essa quantia.

O ICMS é a principal fonte de receita dos estados, cobrado pela movimentação de mercadorias e serviços, devendo ser recolhido e repassado ao governo. Muitos empresários, porém, como o fundador da Ricardo Eletro, sonegam, roubam o dinheiro público, porque sabem que são protegidos pelo próprio Estado. Somente em dezembro, por sete votos a três, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o não pagamento do ICMS é considerado crime tributário, com pena prevista de seis meses a dois anos de detenção.

Sonegar impostos é uma prática corriqueira de empresários, banqueiros e latifundiários brasileiros. Quanto mais lucros esses senhores obtêm, fruto da exploração da classe trabalhadora e de roubo do dinheiro público, menos impostos pagam.

 

Quem paga imposto é o pobre

O orçamento do governo para garantir o funcionamento da administração pública e os investimentos em serviços depende fundamentalmente dos impostos. Contudo, além da sonegação, os empresários são beneficiados pelas formas de arrecadação. Longe de obedecer ao critério de “quem tem mais, paga mais”, temos um sistema tributário inverso: os pobres e os trabalhadores pagam mais impostos.

O Imposto de Renda sobre as Pessoas Físicas (IRPF) é um exemplo dessa desigualdade. Todos os rendimentos superiores a R$ 4.664,68 mensais são tributados em 27,5%. Isso significa que um operário metalúrgico paga a mesma alíquota que o seu patrão.

Outra aberração é a Lei 9.249/95, sancionada por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mantida pelos governos de Lula e Dilma (PT), que isenta de tributos os lucros e dividendos pagos aos acionistas e sócios de empresas e bancos. Em 2019, os acionistas e sócios do banco Itaú receberam R$ 18,8 bilhões em dividendos e não pagaram nem um centavo de imposto sobre esse valor. Enquanto isso, o trabalhador que recebe um salário mínimo de R$ 1.045 tem descontado 7,5% do rendimento para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Um estudo elaborado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco) revela que o governo federal, por não tributar lucros e dividendos, deixa de arrecadar cerca de R$ 59,79 bilhões por ano. A Lei 9.249/95, que favorece empresários e banqueiros, precisa ser derrubada.

Outra forma de beneficiar as empresas é a chamada renúncia tributária. No orçamento votado no Congresso Nacional, o Governo Federal prevê que vai abrir mão de R$ 331,18 bilhões de arrecadação em 2020 por conta de renúncias tributárias. O valor equivale a 4,35% do Produto Interno Bruto (PIB). As renúncias correspondem a 21,8% de tudo que a Receita projeta arrecadar este ano com a cobrança de impostos e contribuições federais.

Veneno não  paga imposto

Apenas as empresas que produzem e vendem agrotóxicos têm um pacote de benefícios, com isenções e reduções de impostos, que soma quase R$ 10 bilhões por ano conforme estudo divulgado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). O que o Governo Federal e os estados deixam de arrecadar com a isenção fiscal para os agrotóxicos equivale a quase quatro vezes o orçamento total previsto para o Ministério do Meio Ambiente neste ano (R$ 2,7 bilhões).

RANKING

Os maiores devedores de impostos

Mesmo com todos os benefícios garantidos por políticas governamentais, negociadas pelo Estado, o grande balcão de negócios da burguesia, empresários, latifundiários e banqueiros devem os impostos.

Bolsonaro e Paulo Guedes negociaram uma reforma da Previdência que atacou de forma brutal os direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora. Com o falso discurso do rombo da Previdência, conversa mole que já era usada pelos governos anteriores, falavam que geraria empregos e o Estado teria um ganho de R$ 1 trilhão em uma década. Contudo, o desemprego só aumenta e a crise econômica se aprofunda.

Não existe rombo na Previdência, mas sim roubo. De acordo com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em fevereiro deste ano, as dívidas previdenciárias dos 500 maiores devedores somavam R$ 491 bilhões.

Na lista dos 500 maiores devedores de impostos à União, o agronegócio é responsável por 149 empresas ou empresários, ou seja, a cada três empresas que devem ao fisco, uma pertence ao setor, revela o levantamento organizado pelo De Olho Nos Ruralistas, com dados da PGFN.

Ao todo, 29,8% empresas ou empresários ligados à produção rural brasileira devem R$ 335 bilhões à União.

Os clubes brasileiros devem R$ 5,3 bilhões. Quase metade (49%) está concentrada em uma dezena deles. O Corinthians lidera o ranking com uma dívida de R$ 737,7 milhões.

Já as igrejas evangélicas têm uma dívida de R$ 420 milhões em impostos. Os dirigentes, apoiadores de Bolsonaro, tentam barganhar no Congresso leis favoráveis a não cobrança de tributos.

As entidades religiosas precisam recolher taxas como a do INSS de seus funcionários, o que não está sendo feito. Pelo menos não está sendo repassado aos cofres públicos. No topo do ranking está, a Igreja Internacional da Graça de Deus, do pastor Romildo Ribeiro Soares, com quase três mil templos espalhados em onze países.

NA PANDEMIA

Governo entrega mais dinheiro a burguês

Desde o início da pandemia, a preocupação de Bolsonaro tem sido manter o lucro dos empresários. Uma das medidas aprovadas a favor dos empresários e sonegadores de impostos é a chamada transação excepcional, que começou a valer desde o dia 1º de julho e vai atender tanto as pessoas jurídicas quanto as pessoas físicas que estão inscritas na Dívida Ativa da União. A medida garante aos caloteiros dos impostos descontos de até 100% dos encargos da dívida, além do parcelamento em até 133 meses de pagamento.

Hoje, existem 5 milhões de contribuintes inscritos na Dívida Ativa da União. Desses, 70% serão beneficiados pela transação excepcional. A expectativa da PGFN é que até R$ 56 bilhões sejam negociados. Esse valor é quase duas vezes maior que todo o orçamento do programa Bolsa Família para 2020 (R$ 29,5 bilhões). Para o governo, o mais importante é o Bolsa Empresário.

Utilizando-se da pandemia e atendendo um pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Bolsonaro editou uma Medida Provisória (MP) voltada ao crédito que concede empréstimos com recursos públicos a empresas que tenham pendências com a União. A MP dispensa uma série de exigências previstas hoje na legislação, facilitando o financiamento público para empresas com dívidas fiscais e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), por exemplo. A liberação vai ficar em vigor até 30 de setembro de 2020.

Enquanto isso, microempresas sofrem com a burocracia e as inúmeras exigências dos bancos para liberar os recursos. O governo não esconde que sua preocupação é com as grandes empresas. Paulo Guedes disse em reunião ministerial: “Vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos para salvar grandes companhias, e vamos perder dinheiro salvando as pequenas.” O ministro ultraliberal despreza que as pequenas empresas empregam cerca de 19,8 milhões de trabalhadores.

É urgente e necessária a derrubada deste governo, que aproveita a pandemia para impor seu ajuste fiscal, salvar empresas e bancos, enquanto os mais pobres, os trabalhadores, os informais e os micro e pequenos empresários pagam a conta com seus direitos e suas vidas.

IMPOSTOS E DÍVIDA PÚBLICA

O roubo nos impostos cruza com o roubo maior: a dívida pública

Os impostos vêm da riqueza gerada pelos trabalhadores. A cada dia, milhões de horas trabalhadas, tomam a forma de mercadorias que são transportadas, vendidas em lojas ou entre as próprias empresas. O fruto do trabalho de milhões se transforma em lucro para um punhado de burgueses e em juros para outro punhado de banqueiros. Apenas uma pequena parte se transforma em salários.

É dessa riqueza gerada pelos trabalhadores que o governo recolhe os impostos. Mas como já vimos, os burgueses quase não pagam impostos. Quando não são isentos, cometem crime de sonegação.

Metade de tudo que governo arrecada vai o para o bolso dos parasitas que não pagam impostos: os banqueiros. Em 2019, foi destinado R$ 1,38 trilhão do orçamento geral da União para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública conforme aponta o estudo realizado pela Auditoria Cidadã da Dívida Pública.

No livro A superestrutura da Dívida, o sociólogo Daniel Bin argumenta que os juros funcionam como um imposto a mais para os trabalhadores e, ao mesmo tempo, como um não imposto (um imposto negativo nas palavras do autor) para os grandes capitalistas. Em outras palavras, o que a burguesia paga de imposto com uma mão, recebe de volta com a outra pelos juros da dívida pública, e com acréscimo.

Se não suspendermos imediatamente o pagamento dessa dívida fraudulenta, não existe reforma tributária que possa resolver o roubo do orçamento público causado pelos bancos e empresários.