FIFA
Wellingta Macedo, de Belém (PA)

Wellingta Macêdo, do PSTU-PA

No dia 23 de outubro de 1940, vinha ao mundo na cidade de Três Corações (MG), Edson Arantes do Nascimento, mas que para todos é conhecido como Pelé, um ex-futebolista brasileiro que atuou como atacante do Santos FC, da Seleção Brasileira, do Cosmos e imortalizou a camisa 10.

Considerado um dos maiores atletas de todos os tempos, foi eleito em 1999 o jogador do século pela Federação Internacional de História e Estatísticas de Futebol, bem como foi um dos vencedores conjuntos do prêmio da FIFA de Melhor Jogador do Século desta entidade. Eleito o Atleta do Século XX pelo Comitê Olímpico Internacional, ele é o maior goleador da história do Futebol com 650 gols marcados em 694 partidas da liga, totalizando 1281 gols em 1363 jogos, incluindo amistosos não oficiais. Está no livro dos Recordes e foi, durante um período, o atleta mais bem pago do mundo.

Pois, exatamente por conta de todo esse currículo digno dos grandes astros, Pelé, que nesta sexta-feira (23) completou 80 anos, recebeu várias homenagens dos principais veículos da imprensa esportiva internacional e também de atletas de várias modalidades, relembrando o legado e a inspiração do “Rei” na vida deles como atletas.

Importante dizer que Pelé, para além da carreira de futebolista, também teve uma carreira artística como ator e cantor, participando de filmes e gravando discos. Pelé, sem dúvida, tornou-se um “pop star” internacional, reverenciado e amado por muitos. Inclusive o título de “Rei” foi dado a ele por ninguém mais ninguém menos que o cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues, num texto chamado “A realeza de Pelé”, depois de uma partida em que o Santos venceu o América-RJ por 5 a 3, sendo 4 gols de Pelé. Ele tinha só 17 anos.

Mas, na medida em que Pelé tornava-se um ídolo para milhões de pessoas –  incluindo muitas crianças no mundo inteiro – sua imagem como homem público, um homem negro, ia se tornando contraditória, cheia de incoerências, com escândalos em sua vida pessoal, envolvendo sua família e seu papel como pai, muito contestado e com críticas duras a ele, principalmente por conta de sua relação nada amorosa com uma de suas duas filhas que teve fora do casamento.

Sandra Regina Machado foi fruto de uma relação extraconjugal de Pelé com uma trabalhadora doméstica e nunca quis assumir sua paternidade. Sandra travou uma batalha judicial contra Pelé pelo reconhecimento da paternidade e faleceu em 17 de outubro de 2006, vítima de um câncer. O reconhecimento demorou quase 30 anos para acontecer e Pelé nem foi ao enterro da filha, para uma despedida.

Por isso, na medida em que se rendem homenagens ao Rei Pelé, também esse “reinado” é contestado por muitas pessoas. Afinal, que Rei é Pelé?

Pelé é um Rei num país racista, cujo mito da democracia racial entranhou-se no inconsciente coletivo.

Por muito tempo, foi o brasileiro mais conhecido e um dos homens negros mais conhecidos em todo o mundo. E, diferente de outros atletas negros como o boxeador Muhamad Ali e os corredores Tommie Smith e John Carlos – que ergueram seus punhos em protesto contra o racismo nos EUA – Pelé jamais se somou à luta contra o racismo, nem no Brasil e nem no mundo.

Pelé é um rei num país machista, cuja cultura de estupro nascida com a escravidão de povos indígenas e africanos, com o estupro de mulheres indígenas e africanas, construiu papéis sociais a homens e mulheres no qual os primeiros – independentemente da cor da pele – são privilegiados neste sistema.  Uma sociedade onde muitos homens abandonam e não assumem seus filhos e filhas, enquanto as mulheres são julgadas e condenadas se fizerem o mesmo com suas crias. Obrigadas a terem filhos que não planejaram, muitas mulheres são submetidas a abortos clandestinos que as matam e, quando escapam, são presas. Nada acontece aos homens.

Pelé é um Rei num país LGBTIfóbico que mais mata a população LGBTI no mundo, cujo o futebol, o esporte que lhe deu seu reinado, segue com práticas machistas e lgbtifóbicas nos estádios, através de suas torcidas que não só entoam cantos lgbtfóbicos, como perseguem jogadores LGBTIs que são obrigados a esconderem sua orientação sexual.

É Rei num país onde o futebol feminino não tem o mesmo respeito e tratamento que o masculino, mesmo tendo uma “Rainha”, Marta, eleita seis vezes a melhor do mundo.

Pelé é um Rei num país capitalista dividido em classes sociais, onde os setores  mais vulneráveis da classe trabalhadora seguem oprimidos e explorados.

Pelé é um negro de origem pobre que ascendeu socialmente e que a burguesia branca e racista adora. Assim, tornou-se amigo dos poderosos do Estado.

Pelé foi, em 1995, Ministro do Esporte pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso e deixou o cargo, em 2001, por suspeitas de corrupção. Foi próximo de figuras como Ronald Reagan e José Sarney. Um “Negro da Casa Grande”, um Negro “da Fazenda”, como definiu Malcom X.

Pelé é um Rei, num país cuja monarquia não existe mais – apesar de suas “viúvas” chorarem sua volta – mas que adora eleger “Reis” e “Rainhas”. O Rei da Música é Roberto Carlos. A Rainha dos Baixinhos é Xuxa. Pelé é o Rei do Futebol. Aliás, é o único “Rei” negro no país mais negro fora da África! Cujo reinado é contestado. Por que será?

Para o futebol e para o mundo do esporte a figura de Pelé, como atleta do século XX, é incontestável. Seus feitos, seus gols, sua forma de jogar e comemorar são ainda, inspiração para muitos meninos e meninas negras espalhadas pelas periferias e favelas desse pais que sonham em ser estrelas do futebol. Sua história dentro de campo é incontestável, sim!

Agora, o homem Pelé, ou melhor, o Edson Arantes do Nascimento (seu alter ego), deve ser contestado e criticado por suas incoerências, contradições, por sua posição de classe e por suas posições políticas. O “reinado” de Pelé é marcado por manchas e falhas irreparáveis. É um rei sem legado fora do campo de futebol.