Novamente, as entidades da patronal agrária argentina decidiram iniciar uma mobilização contra as “retenções” (impostos sobre a exportação) fixadas pelo governo. Intensifica-se assim um conflito que, no mês passado, através de um lockout (paralisação da produção determinada pela patronal e não pelos trabalhadores) e bloqueio de estradas, sacudiu o país e teve grande repercussão na imprensa internacional.

O conflito agrário dividiu a esquerda argentina e gerou uma intensa polêmica sobre que atitude adotar frente a ele. Quais a lições que devemos tirar deste episódio?

Uma disputa entre poderosos
O duríssimo embate entre os produtores rurais e o governo de Cristina Kirschner, provocou em março um lockout patronal do comércio de grãos e de carne, ameaça de desabastecimento, bloqueios de estradas, “panelaços” das classes médias nas cidades, contra-piquetes organizados pelos governistas Hugo Moyano (líder da Confederação Geral do Trabalho) e Luis D`Elía (dirigente piqueteiro pró- Kirschner), atos massivos na Praça de Maio em apoio a presidente Cristina e a concentração de Gualeguaychú, um dos principais centros do conflito agrário.

Contudo, tais enfrentamentos, expressam uma disputa pela posse dos lucros do atual modelo econômico. De nenhuma maneira os enfrentamentos expressaram um questionamento do modelo baseado no saque dos recursos naturais argentinos e das matérias primas.

O marco é a crise economica mundial, que, como de costume, o imperialismo procura descarregar sobre os trabalhadores e os povos do mundo, sobretudo dos países oprimidos. Da Argentina, além das obrigações acertadas, exigem que pague de uma vez uma dívida externa com o Clube de Paris.

A fórmula de Cristina Kirchner para pagar foi a imposição por um lado do teto salarial, através do “pacto social”, para arrochar os salários dos trabalhadores e diminuir os gastos do Estado. Por outro lado, aumentou os impostos sobre as exportações agropecuárias, conhecido como “retenções”. Isso enfureceu os patrões do campo, não só porque aumentava a percentagem dos impostos como também tinha um carácter móvel: a percentagem aumenta de acordo com o aumento do preço da soja.
Uniram-se, então, a Sociedade Rural, as confederações agrícolas Coninagro, CRA e a Federação Agrária para exigir que se voltasse ao esquema anterior. A patronal agroexportadora organizou uma paralisação reaccionária porque não aceitava a redução dos seus lucros.

Trata-se de um conflito entre setores da burguesia. O governo tem uma diferença táctica com os agroexportadores: a percentagem dos imposto sobre exportações, mas tem um grande acordo estratégico, porque a exportação de soja é a “galinha dos ovos de ouro”, não somente da patronal agrária, mas também do próprio governo que extrai daí uma parte do famoso superávit fiscal. Essa é uma das razões de fundo que explica porque nunca existiu perigo de golpe militar contra o governo, assim como porque o governo evitou reprimir os piquetes dos agrários. Alguém poderia imaginar três semanas de piquetes operários sem repressão?

Quem paga pela crise?
Por outro lado, não há dúvidas sobre quem pagou a conta pelos pratos vazios causados pela crise. Basta ir a mercearia nas cidades para ver o desabastecimento, o aumento dos preços e outras conseqüências graves para os trabalhadores. O lockout provocou a alta dos preços dos alimentos básicos dos trabalhadores. Uma demonstração explícita do seu caráter anti-operário.

Quem são os aliados dos trabalhadores no campo?

O conflito do campo gerou um importante debate na esquerda. Uma grande parte da esquerda, incluindo o MST, Movimento Socialista dos Trabalhadores, (que tem relações com o MES, corrente da direção do PSOL) caiu no erro de apoiar a greve reacionária, com o argumento de que se tratava dos “pequenos produtores”.

O FOS (Frente Operária Socialista, seção da Liga Internacional dos Trabalhadores), cometeu alguns erros no início do processo, deixando de caracterizar a greve patronal como reacionária, embora jamais a tenha apoiado o movimento, como o MST.

Mas em seguida, corrigiu este erro e fez uma autocrítica publica. Uma parte importante da esquerda, porém, cada vez mais aprofunda seus erros, e se alia, na pratica, a ultradireita da burguesia.

Na verdade, nunca existiu uma luta independente dos pequenos produtores. Houve uma única luta com um único programa: não ao aumento das retenções. E essa luta teve uma direção unificada, com grande peso da Sociedade Rural, que reune a grande burguesia agrária argentina, que sempre expressou as posições da ultradireita, estreitamente ligada ao imperialismo. A Federação Agrária, parte importante da direção da mobilização, surgiu representando pequenos produtores, mas hoje tem uma relação estreita com a Sociedade Rural.

A globalização no campo argentino , com a monocultura agroexportadora acabou com grande parte dos pequenos produtores. Uma parte importante dos que sobraram, enriqueceram, como os produtores de soja. Basta ver que, hoje, um “pequeno” produtor com 300 hectares de terra em Buenos Aires, Córdoba, Entre Rios, Santa Fé, que não queira correr risco, pode alugá-la por US$ 180 mil por ano (US$ 15 mil por mês, sem realizar nenhum esforço). É isso que explica a aliança da grande burguesia com esses pequenosprodutores enriquecidos.

Continuam existindo setores endividados e alguns (rancheiros, pequenos produtores de gado) participaram dos bloqueios de estradas. Contudo, o programa e a direção da paralisação não tinha nada a ver com “camponeses pobres”, mas com a grande burguesia associada ao imperialismo e aos setores enriquecidos dos pequenos produtores.

O que está acontecendo na Argentina é como se o governo Lula no Brasil aumentasse os impostos sobre os bancos gerando uma reação furiosa dos banqueiros. E como se eles que chamassem uma mobilização contra o governo. Imaginem agora um setor da esquerda apoiando a mobilização dos banqueiros.

Os trabalhadores da cidade e do campo devem repudiar o protesto patronal e não apoiar as medidas do governo. Devem se unir em torno a um programa operário para garantir a alimentação que exige: aumento de salário que cubra a cesta básica familiar, contrato de trabalho para os trabalhadores rurais, provisão de alimentos a preço barato, controle de preços pelas organizações populares, monopólio do comércio exterior, créditos baratos para os pequenos produtores, impostos progressivos aos lucros rumo à expropriação dos grandes latifúndios, e a expulsão de multinacionais como a Monsanto.

Post author Bruno Sanchez, de São Paulo (SP)
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