Leia artigo de Júlia Eberhardt, militante do PSTU e coordenadora da Conlute, publicado nesta terça-feira, na Seção Opinião, do Jornal “O Globo“.Em agosto de 1992, milhares de estudantes desfilaram pela Rio Branco, vindos de todos os bairros. Traziam faixas, tintas e amigos, com os quais se pintavam e comemoravam. A imprensa encontrou um nome para eles e conta-se que eram tantos que deixaram boquiabertos até os que haviam marcado o protesto.

Anos depois, a União Nacional dos Estudantes anuncia a volta dos caras-pintadas. Há semelhanças no desenrolar desta crise política com a que derrubou Collor, mas a história nunca se dá da mesma forma. Como fazia oposição a Collor, a UNE pôde expressar a revolta com a corrupção. Este sentimento se repete, mas ela não está mais em sintonia com ele.

A UNE de hoje faz parte de um governo que é alvo de denúncias. Perdeu a dependência por completo. Não só apóia o governo como é co-autora da reforma universitária, que vai privatizar as universidades. A retribuição vem em espécie, com o espantoso aumento das verbas para a entidade. Só este ano, foi mais de R$ 1,185 milhão do governo para eventos. Sim, a UNE também recebe seu mensalão.

Como não pode protestar contra si mesma, a saída da UNE tem sido os atos “contra a corrupção”, como se o governo Lula simplesmente não existisse. A corrupção não é privilégio do PSDB, do PFL ou do anacrônico Roberto Jefferson. A lama envolve também a cúpula do PT (que o escolheu como aliado) e começa a subir a rampa. Não dá para combatê-la sem lutar contra o governo.

Os atos que a UNE fará com a CUT e o MST em Brasília serão uma farsa. Até o novo residente do PT, Tarso Genro, estará lá. É preciso muita cara-de-pau da UNE para chamar os caras-pintadas a defender o governo do mensalão. Aí está o golpismo.

A UNE de outrora — da campanha “O Petróleo é Nosso” e da resistência à ditadura — não existe mais. A partir dos anos 90, avançou na burocratização e comercializou a meia-entrada. Antes do apoio cego a Lula, já havia virado um balcão de carteirinhas, com falta de democracia, violência nos congressos e divórcio dos estudantes.

Mas a UNE já não é absoluta. Muitos estudantes estão rompendo e buscando uma alternativa independente. A Coordenação de Luta dos Estudantes (Conlute) já reúne mais de 80 entidades, como o DCE da UFRJ. É expressão do descontentamento, principalmente nas universidades públicas, onde a experiência com a política educacional de Lula foi traumática.

No dia 17, haverá outro ato em Brasília, esse contra a corrupção, o governo e o Congresso. Ao contrário dos protestos contra o vento que a UNE vem anunciando, esse sim é um bom motivo para pintar a cara.

JÚLIA EBERHARDT é ex-diretora da Executiva da UNE e uma das coordenadoras da Conlute.