LIT-QI

Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional

PST-Colômbia

Apesar de que as medidas de confinamento foram tomadas pelos governos devido a pressão de especialistas em pandemia e da classe trabalhadora, nas redes sociais circulam teorias da conspiração que apresentam planos maquiavélicos, de governos, de grandes corporações, ou associações secretas para confinar a população gerando pânico. Essas teorias têm como denominador comum que esquecem o caráter de classe do modo como assumiu a pandemia para impor uma luta do bem contra o mal em abstrato, como uma espécie de filme apocalíptico, eles esquecem que os governos decretam as quarentenas com relutância e que agora fazem todo o possível para suspendê-la.

Teorias de conspiração

Essas teorias não são novas, elas acompanham a humanidade há séculos e têm em comum a existência de uma sociedade secreta (seitas illuminatis, alienígenas disfarçados de humanos, elites corporativas, redes de iniciados etc.) que lutam contra o “Mal”. Essas teorias têm sua explicação nas formas sutis de como as classes dominantes (das lideranças monárquicas e clericais à burguesia moderna) mascararam a exploração com ideologias que justificam o sistema. Elas também se baseiam na desconfiança justificada dos governos e da mídia.

Os criadores e seguidores da maioria dessas teorias tentam explicar por quê – apesar da evidência da injustiça do sistema – o “Mal” continua no poder. É o que explica que a classe média reacionária assim como a progressista, abraçam esse tipo de teoria que fornece uma resposta ao que eles veem como caos, para alguns o caos pode ser a diversidade cultural e, para outros, o caráter selvagem do capitalismo.

Essas teorias sugerem que está sendo criada uma Nova Ordem Mundial na qual todos os habitantes do planeta serão inoculados com um microchip através da vacina secreta do Covid-19 que Bill Gates já preparou para que uma elite secreta possa controlar nossos movimentos e até nossos pensamentos. Eles até argumentam que toda a pandemia é para impor teletrabalho para valorizar as empresas de tecnologia.

Dizem que é uma crise criada pelos diferentes governos para impor seus planos de domínio: que é criada na China para dominar o mercado mundial e destruir a economia dos Estados Unidos; que são os Estados Unidos para acabar com os idosos e, assim, aliviar o negócio das aposentadorias e pensões; que foi a Rússia para ganhar hegemonia na ordem mundial … existem teorias para todas as nuances ideológicas, desde a  ‘esquerda’ que vê a China ou a Rússia como uma espécie de “polo anti-imperialista” até a extrema direita dos Estados Unidos que luta por um mundo sem leis em que o capitalismo é governado pelas velhas normas dos filmes do oeste, além das várias versões do cristianismo e das religiões apocalípticas que se aproveitam da crise para anunciar o fim dos tempos.

Mas, a serviço de quem ou de que estão essas teorias? Longe de serem libertadoras como aqueles que as espalham acreditam, elas tendem a esconder os problemas reais. No caso da pandemia, seu objetivo é ajudar a descartar o risco de contágio com discursos de que a pandemia é falsa ou que os médicos matam pessoas para inventar os casos. Isso é muito funcional para os planos do governo de suspender a quarentena no meio da subida da curva sem que a população exija medidas sanitárias porque acredita que não há perigo. Também servem para dividir a classe trabalhadora, impedindo a luta unificada, gerando descrédito contra profissionais de saúde que lutam não apenas contra o vírus, mas também por biossegurança, salários etc.

Muitas dessas informações são baseadas em vídeos ou imagens editados e diretamente falsos, como o de uma enfermeira que supostamente relatou que matavam pessoas em hospitais nos Estados Unidos. Nesse caso, as legendas foram alteradas e o vídeo verdadeiro relatava morte causada por Covid-19 em pessoas sem atendimento médico. Conseguimos identificar outros vídeos feitos pelo VOX, um grupo de extrema direita do Estado Espanhol, aqui paradoxalmente replicado por pessoas que se identificam como esquerdistas. Sabe-se que governantes desse tipo, como Bolsonaro e Trump, promoveram e incentivaram essas teorias para evitar assumir a responsabilidade pelo genocídio causado por sua política negacionista.

Regimes autoritários: bonapartismo

Nós socialistas estamos convencidos de que o imperialismo e a burguesia, como classe social, levarão o planeta à destruição, nesse sentido, sabemos que eles são capazes de tudo, mas não é por isso que tudo o que é dito é verdadeiro. Hoje é possível o desaparecimento da espécie humana do planeta, porque a burguesia – como uma classe parasitária que vive do trabalho de milhões de seres humanos – só está interessada em seus lucros. Além disso, em sua lógica de produção, tende a explorar cada vez mais a classe trabalhadora, a reduzir sua renda, o que também reduz o consumo e isso aumenta a disputa de rapina entre os burgueses para dominar os mercados, o que faz com que seja um sistema de produção caótico e violento.

Por esse motivo, todas essas teorias têm um público tão grande, porque se aproveitam da crise humanitária para fornecer uma explicação “crível” ao seu público. Além disso, atualmente, as teorias ganharam muito mais impulso das novas tecnologias de comunicação e informação que as propagam para uma quantidade maior da população.

Agora, conhecendo o caráter dessas teorias da conspiração, devemos dizer que a aspiração da burguesia sempre será em direção a uma sociedade policial e controlada, e é por isso que seus regimes políticos tendem mais ao autoritarismo, bonapartismo, do que a sociedades mais democráticas.

Devemos dizer que o termo “bonapartismo” tem sua origem na análise de Marx do golpe de estado de Luis Bonaparte, sobrinho de Napoleão, para o qual a burguesia se volta diante da impossibilidade de controlar as massas. Por essa razão, entende-se como “o regime no qual a classe economicamente dominante não possui os meios necessários para governar com métodos democráticos e é forçada a tolerar (para preservar a propriedade privada) a dominação descontrolada do governo por um aparato militar, ou seja, por um personagem que poderia muito bem ser chamado de salvador ”(1).

Portanto, o que está claro é que – além das teorias da conspiração – depois da crise, não haverá mais regime democrático, o capitalismo humano que o reformismo espera, mas tendência ao autoritarismo, fortalecimento dos aparatos policiais e maior controle das massas, não por causa das teorias da conspiração que surgiram em torno da pandemia, mas por causa da tendência do capitalismo em manter a exploração de maneira violenta. Esse controle da população não é realizado por chips ou vacinas, mas pelas forças repressivas e policiais, os golpes e desemprego.

Pandemia e autoritarismo na Colômbia

Uma das ideias sustentadas pelas teorias da conspiração é o controle que exercerão por meio de aplicativos e microchips. Isso é verdade e não é de agora, a partir essa pandemia. Há anos a burguesia assumiu o controle de informações privadas através das informações que devemos fornecer ao Estado de maneira obrigatória em muitos procedimentos, bem como o que concedemos através das redes sociais.

Essas informações permitem que os proprietários das redes tenham em mãos um negócio poderoso para vender publicidade e ao Estado informações que permitem determinar localizações, conversas privadas etc. Além disso, existem câmeras que monitoram bairros e nos fazem sentir “mais seguros”, aplicativos de reconhecimento facial e um longo etc.

Portanto, devemos entender que o capitalismo tirará proveito de qualquer situação, como as pandemias, para aprimorar seus mecanismos de controle e aprovar medidas autoritárias. Portanto, devemos resistir a todas as formas de controle e mapeamento da sociedade, da mesma maneira que devemos resistir à busca de explicações fora da luta de classes, nas teorias da conspiração.

Como sabemos, na Colômbia existe um regime autoritário por excelência, que sistematicamente assassina lutadores sociais e que, sem nenhum pudor, assassinou mais de 10.000 jovens como se fossem vítimas em combate. E nesse caráter autoritário do regime tem a concordância de todos os partidos burgueses: Liberal, Conservador, Centro Democrático, Mudança Radical e a U (Partido Social de Unidade Nacional). Não é apenas patrimônio do uribismo, os massacres paramilitares e os “falsos positivos”* se deram nos governos desses partidos. . Da mesma forma, o stalinismo justifica regimes autoritários com o objetivo de defender suas burocracias.

Por esse motivo, os governos estão se aproveitando para massificar as aplicações de medidas com a desculpa da pandemia. Em Medellín, circula uma “pesquisa”, o DANE** busca registrar a localização geográfica dos infectados e das pessoas que convivem com os pacientes, inclusive o censo de 2018 realizado por Santos, segundo declarações oficiais, era mais mapeamento do que censo.

Como enfrentar o controle e o autoritarismo?

Não há dúvida de que os diferentes governos tentaram aperfeiçoar os aparatos repressivos do Estado, para defender os capitalistas e seus negócios. Para isso precisamos entender o que é o Estado, para não criarmos ilusões, como Lenin o descreveu em O Estado e a Revolução (2), onde ele o define como “um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe por outra, é a criação da ‘ordem’ que legaliza e fortalece essa opressão, amortecendo os confrontos entre as classes ”.

Para o reformismo o Estado tem outro sentido, é um mecanismo de conciliação de classe, é por isso que eles confiam em organizações internacionais como a ONU, coincidindo de outro lado com a extrema direita, que denuncia essas organizações pela mesma situação: por considerá-las independentes e imparciais do poder da burguesia.

Mas o Estado é, em última análise, um conselho que administra os negócios da burguesia e as leis, decretos ou medidas, estão ao seu serviço e dependem da luta de classes, isto é, da luta da classe trabalhadora e dos pobres. – em alguns casos da classe média – essas leis reconhecem algumas liberdades democráticas para a população, mas elas sempre estarão prontas para tirá-las assim que tiverem a oportunidade.

Assim, é importante ter formas mais eficazes de luta de classes, como a organização e mobilização das massas. No livro de Victor Serge, “Tudo o que um revolucionário deve saber sobre a repressão” (3), é mostrado que nenhum mecanismo de controle, por mais sofisticado que seja, resiste com a irrupção das massas. Neste livro o autor analisa os arquivos de inteligência da polícia czarista e descobre que os órgãos de direção do Partido Bolchevique haviam sido infiltrados, mas, apesar disso, eles não conseguiram parar o processo revolucionário quando a classe trabalhadora e as massas tomaram as ruas e o poder.

Certamente, não acreditamos que seja necessário facilitar as coisas para os aparelhos repressivos ao serviço da dominação burguesa, mas estamos convencidos de que quando as massas saem para lutar, é muito difícil contê-las e, com sua ação, derrotam não apenas o regime, mas também os seus aparelhos repressivos.

Também não acreditamos que devemos acreditar cegamente em dados oficiais ou nas informações da mídia; os socialistas sempre estiveram do lado da ciência e dos fatos, devemos seguir esses critérios o máximo possível para evitar cair na armadilha de conspirações.

Porém, mais do que uma confiança cega na luta das massas, acreditamos na necessidade de construir um partido revolucionário, como o Bolchevique, que foi capaz de liderar a classe trabalhadora com suas organizações para a tomada do poder na Rússia, que foi capaz de se construir nas piores condições de repressão política.

Por essa razão, nós socialistas revolucionários não devemos fazer eco às teorias da conspiração que ocultam a luta de classes, mostrando a realidade como um confronto do Bem contra o Mal, mas  mostrar como a pandemia é explorada pela burguesia para aumentar o controle sobre a classe trabalhadora.

*(NT) Na guerra civil colombiana, militares mataram civis inocentes para elevar as estatísticas de mortes de rebeldes das Farc.

**(NT) Entidade responsável pelo planejamento, levantamento, processamento, análise e divulgação das estatísticas oficiais da Colômbia.

Tradução: Alex Leme