Em cenário político marcado por grave crise ética e política, o governo federal edita a MP 258, centralizando toda a administração tributária do país por meio da fusão da Secretaria da Receita Federal (SRF) com a Secretaria da Receita Previdenciária (SRP). Essa concentração de recursos no âmbito do Ministério da Fazenda, justamente quando surgem propostas de aumento do superávit primário e de “déficit nominal zero”, é extremamente preocupante e significa uma ameaça ao financiamento da Previdência.

Sem demonstrar custos, riscos e conseqüências, o governo utiliza-se do instrumento antidemocrático da medida provisória, impedindo o debate responsável e a avaliação dos impactos da fusão para o Estado, a Previdência, os direitos dos trabalhadores e a vida do contribuinte.

Um dos principais riscos da MP está consubstanciado em seu artigo 30, parágrafo 20, que restringe o financiamento da Previdência às contribuições incidentes sobre a folha de salários, deixando de fora as que incidem sobre faturamento e lucro. Assim, “legaliza” o rapto de parcela das receitas previdenciárias garantidas e vinculadas pela Constituição Federal, sendo altamente temerária para os trabalhadores e para os que dependem dos benefícios da Previdência.

Outro prejuízo iminente é a abertura de brecha para que empresas que devem à Previdência utilizem-se de créditos podres, como recentemente denunciado pela imprensa, relativamente às compensações realizadas pelo sistema “perdcomp” da SRF, envolvendo fraudes milionárias.

Tal como outras medidas neoliberais já implementadas, a proposta de fusão dos fiscos também tem sua origem em instituições financeiras multilaterais: FMI e Banco Mundial.

Dia 2 de junho de 2005 o Banco Mundial (BM) aprovou empréstimo de US$ 658,3 milhões ao Brasil, para apoiar as reformas previdenciárias e o documento-programa desse empréstimo (disponível no site do BM) afirma que “Esse esforço está sendo feito a partir do reconhecimento de que as reformas do Regime Geral de Previdência Social e do Regime Próprio de Previdência dos Servidores envolverão reduções nos benefícios, e que os trabalhadores devem ter o acesso a sólidos esquemas de aposentadoria complementar.” No mesmo documento, afirma que a implementação do projeto de fusão dos fiscos disporá de recursos do BM.

Por sua vez, o FMI, em dezembro de 2004, divulgou estudo que defende a fusão, a partir da análise do processo de unificação das distintas arrecadações tributárias em países da Europa Central e do Leste (Albânia, Bulgária, Romênia e Suécia). Segundo o Fundo, pode-se conseguir maior eficiência com essa unificação, chegando a sugerir a redução de pessoal como um possível resultado positivo da fusão.

A MP 258 traz ainda o risco de “trem da alegria”, ou seja, para reduzir a resistência de servidores, o governo promove ”transformação” de cargos, compartilhamento de atribuições e outras ilegalidades que ferem a Constituição, desrespeitando a exigência de concursos públicos para ingresso em cargos públicos.

O verdadeiro fortalecimento da administração tributária terá que passar por ampla revisão do modelo tributário vigente, alterando-se a legislação que enfraquece a atuação do Estado, promove injustiças, concentra a renda e incentiva a sonegação fiscal. A MP 258 não cuida dessas questões, razão pela qual deve ser rejeitada, abrindo espaço para uma discussão séria sobre o tema.

* 2a vice-presidente do Unafisco Sindical e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida pela Campanha Jubileu Sul Brasil
Post author Maria Lucia Fattorelli
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