Ocupação permanente de comunidades foi testada na ação de tropas da ONU no HaitiEm meio a uma estreita viela no Complexo do Alemão, um policial caminha passivo sob corpos perfurados alinhados no chão. Numa mão, carrega um fuzil. Na outra, um charuto.

A imagem que poderia ser uma cena do massacre americano no Iraque ilustra a nova política de segurança pública inaugurada durante os preparativos para os Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro. Enquanto o governo festeja a eleição da estátua do Cristo Redentor como uma das sete novas maravilhas do mundo, bem perto dali não há o que comemorar.

O protagonista da cena que estampou jornais e a capa da revista Época é o inspetor da Polícia Civil Leonardo da Silva, o “Trovão”. Treinado pela Swat americana e pelo Centro de Inteligência da Marinha, ex-Cenimar (órgão de repressão da ditadura), o policial pediu emprestado a um amigo um uniforme idêntico ao utilizado pelos marines e conta que seu maior sonho é “lutar em Bagdá”. Mas a lógica de guerra não se limita aos delírios de um policial: é parte de uma ação desencadeada contra a população pobre do Rio.

A investida da polícia contra o conjunto de favelas no Complexo do Alemão, iniciada no dia 2 de maio, já resultou em 50 mortes e mais de 70 feridos. Em apenas uma ação, realizada no dia 26 de junho, 19 pessoas foram mortas, de acordo com os dados oficiais. A ação resulta de um ataque coordenado pelo governo do Rio e o governo federal. A polícia carioca, com a cobertura da Força Nacional de Segurança, invadiu e ocupou a comunidade. Várias denúncias dão conta de execuções sumárias praticadas por policiais.

Nova tática de repressão
A proximidade entre o massacre e os jogos do Pan não é coincidência. O objetivo da polícia é intimidar não só traficantes, mas a própria população, de acordo com a política de higienização da cidade, impondo um novo modelo de repressão, testado nas ações das tropas brasileiras no Haiti. Se antes a ação da polícia restringia-se a ações temporárias nos morros, agora a tática é a ocupação permanente das comunidades.

O plano foi desenvolvido para ser implantado no Rio, mas teve em Porto Príncipe seu primeiro laboratório. “Mesmo que as operações realizadas no Haiti sejam específicas, elas têm conceitos e estratégias semelhantes aos visualizados para o Rio de Janeiro”, afirmou o coronel Cláudio Barroso Magno Filho, comandante da Minustah, ao jornal O Estado de S. Paulo em maio. O que ocorre hoje no Rio segue o padrão da ocupação na favela Cité Soleil, na capital haitiana.

Isso significa que, longe de ser uma luta contra o tráfico e o crime organizado, o plano considera toda a população da comunidade ocupada como uma força hostil e, portanto, alvo da repressão.

Mídia apóia barbárie
Apesar das cenas de barbárie e das denúncias de execuções, a grande imprensa elogiou o massacre da polícia. A revista Época, que estampa a foto do policial no Complexo do Alemão, trazia como manchete: “Um ataque inovador”. Já a revista Veja estampou o seguinte título: “A guerra necessária para a reconstrução do Rio”.

Em geral os meios de comunicação repetiram o argumento do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB). Para ele, a ação nos morros do Rio foi exemplar e as mortes de inocentes foram meros “efeitos colaterais”. “Quando se tem uma infecção generalizada, é muito melhor dar um antibiótico que vai resolver o problema, mesmo que tenha efeitos colaterais”, afirmou. Tal discurso tenta ganhar o apoio de setores médios da população para a ação repressiva da polícia.

Lula quer expandir ação
O presidente também apoiou a chacina da polícia no Complexo do Alemão. “Tem gente que acha que é possível enfrentar a bandidagem jogando pétalas de rosas”, disse. Lula anunciou a continuidade da parceria com o governo carioca para o “combate à violência”. Novos investimentos foram anunciados para aumentar ainda mais o aparato repressivo da polícia.

O Rio é a ponta de lança do novo modelo de repressão, mas o governo Lula quer ampliar e estender a estratégia para todo o país. O chamado PAC da Segurança, anunciado pelo governo federal, prevê a ocupação de comunidades pela Força Nacional de Segurança em várias partes do país.

Onze regiões metropolitanas receberiam as tropas num primeiro momento. A Força Nacional reforçada atuaria nas periferias de São Paulo (SP), Vitória (ES), Belém (PA), Recife (PE), Maceió (AL), Salvador (BA), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR) e Brasília (DF).

O verdadeiro papel da polícia
Enquanto isso é cada vez mais evidente o verdadeiro papel da polícia. A instituição não só não combate o crime, como é um de seus maiores causadores. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a polícia paulista seria responsável por um terço das 21 chacinas cometidas só este ano.

Um vídeo revelado pelo jornal Extra flagrou a execução sumária de um vigia realizada por um PM na cidade de Caixas (RJ). O crime chocou pela brutalidade e covardia com que o policial atirou no trabalhador desarmado. Imagens e cenas chocantes, mas cotidianas para jovens e trabalhadores das periferias, mostram que a pena de morte existe na prática para essa parte da população.

Dois pesos e duas medidas
Uma vez que o Estado e a polícia vêem o povo pobre e trabalhador como criminosos em potencial, não espanta o crescimento dos casos de violência praticados por grupos de delinqüentes de classe média alta contra trabalhadores. Nestes casos a hipocrisia da mídia é gritante. Enquanto os assassinados nos morros pela polícia são “bandidos”, os agressores de classe média são apenas “jovens”. Isso expressa bem o caráter de classe da imprensa burguesa.

Um programa socialista de combate a violência
A atual política de segurança pública baseada na repressão policial já demonstrou sua completa falência. Enquanto a transferência de recursos públicos aos banqueiros e agiotas internacionais impede educação e saúde de qualidade, impondo um modelo econômico recessivo e desemprego, nas periferias grande parte da juventude tem no tráfico sua única opção de subsistência.

Para combater a violência, o PSTU defende, em primeiro lugar, o fim do pagamento dos juros da dívida pública e o investimento maciço em serviços públicos e na geração de empregos. A única forma de combater a violência é atacar a raiz do problema, a política econômica recessiva que joga milhões de jovens na criminalidade.

Outra medida seria a dissolução das atuais polícias, que estão entre as principais causadoras da violência. A população deve formar sua própria autodefesa, constituindo e elegendo sua polícia. Esta, por sua vez, deve ter total liberdade de organização sindical.

O PSTU também defende a descriminalização das drogas, um meio para acabar com tráfico. Por fim, somos a favor do combate aos maiores criminosos do país – a condenação dos políticos corruptos colocaria um fim aos inúmeros exemplos de impunidade hoje.
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