Calheiros se licencia da presidência, mas seu retorno será difícil
José Cruz / ABR

Afogado num mar de lama, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) deixou a resistência de lado e pediu licença de 45 dias da presidência da Casa, no último dia 11. Acusado por cinco quebras de decoro parlamentar, Calheiros se mantinha firme no cargo há quase cinco meses, utilizando-o para safar-se das acusações contra si. O petista Tião Viana, vice-presidente do Senado, assumirá a vaga.

Antes de anunciar sua licença, Calheiros passou o dia reunido com aliados e assessores, negociando seu afastamento. É provável que Calheiros não retorne ao cargo e que a ação tenha sido uma forma de amenizar o impacto da perda da presidência.

O senador pediu afastamento depois de uma forte pressão da opinião pública. Cinicamente, Calheiros disse, em seu pronunciamento, que tomou a decisão para “demonstrar, de forma cabal e respeitosa, à Nação e a todos os ilustres senadores, que não precisaria do cargo de presidente do Senado Federal para me defender”.

As falcatruas de Calheiros vieram à tona com a denúncia de que o lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Junior, pagava à jornalista Mônica Veloso, com quem o senador tem uma filha, uma pensão mensal no valor de R$ 12 mil. A partir daí, outras três denúncias surgiram: o favorecimento à cervejaria Schinchariol para quitar dívidas junto ao INSS; o uso de “laranjas” para compra de veículos de comunicação; e o desvio de dinheiro dos ministérios do PMDB para a presidência do Senado.

Para manter-se no cargo, Calheiros contou com a ajuda do governo Lula diretamente e da base aliada. Foi o próprio Aloizio Mercadante (PT-SP) quem articulou a sua absolvição no primeiro processo. O senador sentou na cadeira e não levantou mais, desafiando quem tentasse tirá-lo. A presidência do Senado transformou-se num escudo, principalmente após a vergonhosa absolvição no caso do lobista.

Relativamente fortalecido após a absolvição em plenário, Calheiros afrontou os senadores que exigiam o seu licenciamento da presidência. A primeira medida foi a destituição dos senadores Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e Pedro Simon (PMDB-RS) na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. O caso, porém, abriu uma grave crise no PMDB e Calheiros perdeu apoio dentro de seu próprio partido, ficando obrigado a recuar.

Em seguida, Calheiros dirigiu inúmeras ameaças aos senadores – de denunciar suas práticas corruptas, envolvimento com lobistas, sonegação fiscal, etc. Foi daí que surgiu a quinta denúncia, agravando a crise. Calheiros foi acusado de grampear os telefones de dois senadores da oposição de direita, Marconi Perillo (PSDB-GO) e Demóstenes Torres (DEM-GO). Cenas de grotesca bandidagem. Certamente, os opositores têm muito a esconder também.

Governo conseguiu segurar
Apesar dos esforços do governo para manter o mandato e o cargo de Calheiros, a crise tomou uma proporção que fugiu do controle do Planalto. A demagógica oposição burguesa – tão corrupta quanto o governo e sua base aliada – ameaçou paralisar o Senado. A pressão da oposição de direita, porém, não teve conseqüência na votação do primeiro processo no Senado, quando os parlamentares podiam ter cassado o mandado de Calheiros. A absolvição do corrupto contou com uma “ajudinha” de senadores da oposição.

Por outro lado, mesmo os partidos que apóiam o governo, também fizeram a barganha em torno à aprovação da CPMF para pressionar o governo a retirar Calheiros do cargo.

Lula tentou a todo custo sustentar Calheiros no Senado, mas a ameaça de não ter a CPMF prorrogada, assunto vital para o governo, somada a enorme pressão da opinião pública obrigou o governo a recuar. Calheiros foi rifado em troca da aprovação da CPMF.

O preponderante, contudo, foi a pressão da opinião pública. Não apenas o Senado, mas também a Câmara caíram em descrédito perante a população. Uma pesquisa divulgada na própria Câmara dos Deputados, intitulada A Imagem das Instituições Públicas Brasileiras, realizada pela Opinião Consultoria a pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), revelou que 80,7% dos entrevistados não confiam no Senado. A Câmara recebeu a desconfiança de 83,1%.

Acabou a crise?
O caso Renan Calheiros virou o maior símbolo da pilantragem que rola solta no Congresso Nacional. É lá em se votam diariamente leis contra os trabalhadores e se realizam “tenebrosas transações” com lobistas de empresários, banqueiros e latifundiários. São esses mesmo picaretas que desejam aprovar agora a reforma da Previdência do governo Lula. Acabando de vez com a aposentadoria dos trabalhadores.

A licença de Calheiros é vista pela grande imprensa como a liquidação da crise política que paralisou o Senado nos últimos meses. Aparentemente, está sendo feita uma operação para removê-lo da presidência sem causar maiores danos.

No entanto, o governo vai ter que administrar a crise que se abriu dentro de sua base parlamentar. A licença de Calheiros escancara disputa pelo comando do Senado, algo que já se debate abertamente. A disputa poderá ter um desfecho imprevisível para o governo.

Além disso, as promíscuas relações do governo com os partidos por meio de subornos, de “toma-lá-dá-cá”, o loteamento dos cargos das estatais e a impunidade a corruptores e corruptos, vai continuar realimentando a corrupção. O deputado Inocêncio Oliveira resumiu numa declaração o que pensam esses picaretas: “O mais tolo aqui conserta relógio debaixo de água com luva de boxe. Somos um grupo seleto. Os bobos ficaram lá fora”, disse

O caso Calheiros é uma conseqüência natural dentro de um Congresso do “mensalão”. A pergunta é: quem será o próximo Renan Calheiros?

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