Os trabalhadores da Ford de Camaçari passaram por momentos difíceis e de muito pânico no mês de abril. Mais de 70 demissões ocorreram na montadora e empresas parceiras durante o mês, e corre rumores dentro da fábrica que outras estão por vir. São pais e mães de família, completamente desamparados, que se vêem sem seu emprego do dia para a noite. Ao mesmo tempo em que anuncia a possibilidade de contratar mais de 1000 trabalhadores, a Ford de Camaçari vem demitindo todos os dias.

O perfil dos demitidos geralmente são trabalhadores lesionados com mais de 8 anos de empresa. Mas, por que, mesmo batendo recordes de lucros, a Ford de Camaçari vem demitindo?

Os lucros da Ford no Brasil e no mundo
A Ford é uma das montadoras que mais lucram no mundo todo. No ano passado, a montadora bateu recorde de lucros. Foram mais de 6,5 bilhões de dólares, o melhor desempenho em 10 anos. Esse ano já se encontra em 3º lugar no ranking mundial de vendas de veículos. Também em 2011, já registrou lucro de 2,6 bilhões de dólares no 1º trimestre, o maior em 13 anos.

Em 2010, em relação à América do Sul, Marcos de Oliveira, presidente da Ford do Brasil e Mercosul, comemorou o 28º semestre consecutivo de números positivos. O Brasil é o terceiro maior mercado da Ford, ficando atrás apenas dos EUA e da China. Por cumprir um papel de submetrópole do imperialismo, o país é palco fértil das multinacionais para expansão e extração de mais lucros e riquezas, além de ser base de exportação para países vizinhos.

Só em 2010, segundo Jim Farley, vice-presidente global de marketing da Ford, o Brasil atingiu 765 milhões de dólarse em renda bruta, contra 86 milhões de dólares da Europa. “O Brasil é extremamente importante para a companhia e pode ser um dos tops em termos de vendas de veículos Ford”, disse o vice-presidente. Dentro do país, a planta de Camaçari desponta como a galinha dos ovos de ouro: “a unidade da montadora em Camaçari, na Bahia, é uma das principais referências da Ford em produção e vendas de veículos no mundo”, disse Farley.

A Ford na Bahia
A Ford se instalou em Camaçari em 2001, a partir de muitos incentivos fiscais do governo. A região, que também garantiu mão de obra muito mais barata, proporcionou o pulo do gato nos lucros da multinacional que vinha de momentos difíceis no Brasil. “Para superar esse quadro, precisávamos de fábricas altamente produtivas, baixo custo e produtos novos”, afirmou Antônio Maciel Neto, na época presidente da Ford para a América do Sul. “Camaçari nos trouxe esse tripé de sucesso. Atingimos em quatro anos a meta prevista para seis anos”, completou.

Segundo dados da Ford, Camaçari produz 250 mil veículos por ano, 912 veículos por dia e 1 veículo a cada 80 segundos. Com uma tecnologia de ponta, a Ford Camaçari produz veículos que são muito vendidos no Brasil como o Ecosport, o Fiesta Hatch e o Ford Ka.

Com todos os lucros obtidos, a Ford já anuncia os planos de expansão e permanência no Estado. Foi anunciado um investimento de R$ 4,5 bilhões no país até 2015. Uma parte importante desse investimento seria voltada para a Bahia, pois o objetivo central é a criação de um novo veículo global desenvolvido no centro de engenharia da Ford de Camaçari.

A partir de um quadro de muita exploração (baixos salários, aumento da jornada, péssimas condições de trabalho) do setor operário metalúrgico a Ford tem como objetivo aumentar a produção de 250 mil para 300 mil veículos por ano.

Demissões para aumentar os lucros da empresa
Ao observarmos os lucros e os recordes atingidos pela Ford nos parece, no primeiro momento, que não há lógica em dizer que a Ford demite trabalhadores. Porém, tudo se torna lógico quando analisamos esses fatos dentro da lógica do sistema capitalista de obtenção cada vez maior de lucros.

No mês de março, começou a ser aplicado dentro da empresa o plano de cargos e salários. Sem nenhuma discussão com a base, o PCS ou progressão de STEP, como denomina a empresa, foi elaborado através de negociação entre o sindicato dirigido pela CTB e a Ford.

O que vem se demonstrando é que o PCS foi um verdadeiro golpe aos trabalhadores. Não houve valorização dos metalúrgicos mais velhos, mas sim uma redução do piso salarial para os que entraram a partir do mês de março e um aumento irrisório de 8 em 8 meses. Enquanto a empresa aumenta de maneira significativa os seus lucros, o salário do trabalhador poderá chegar a R$ 2425,00 reais só em 2014. Parece piada, mas é o que vem sendo divulgado pelo sindicato como uma grande vitoria para os trabalhadores da Ford de Camaçari.

Em abril, começou o processo de demissões. Até o dia 25 do mês, mais de 70 trabalhadores foram demitidos do complexo. Boa parte desses trabalhadores tem mais de 8 anos de empresa e são lesionados.

As demissões fazem parte da movimentação dentro da empresa de atingir seus planos já anunciados. A estratégia é aumentar a produtividade a partir da redução do quadro e contratação de mão de obra novinha que possa dar conta de mais de duas funções como já vem acontecendo dentro da fábrica, pagando menores salários. Tudo isso em acordo com o sindicato dirigido pela CTB que até então não se pronunciou contra as demissões no complexo.

Governo e patrões de mãos dadas contra o trabalhador
Enquanto a empresa demite trabalhadores com o aval do sindicato, o governador Jacques Wagner (PT) passa longe dos ataques sofridos pelos trabalhadores e segue na briga por mais incentivos fiscais para a multinacional no Estado. Em abril do ano passado, uma reunião do governador com Lula e o presidente mundial da Ford, Alan Mulally, discutiu a ampliação dos investimentos da Ford no Brasil e na Bahia.

As declarações do governador, após a reunião, só comprovam a satisfação do governo Federal e estadual em garantir o melhor para a multinacional: “Fizemos uma aposta na aprovação da lei que aumentou os incentivos para a indústria automotiva do Nordeste e estamos colhendo os frutos”, afirmou o governador. Resta saber quais frutos o governador se refere: demissões, baixos salários, intensificação do trabalho ou os lucros da Ford?

Hoje se encontra no Senado a Medida Provisória 512 que foi aprovada na Câmara dos Deputados e que garante renúncia fiscal do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para empresas automotivas que se instalem ou ampliem unidades já existentes, beneficiando a área de abrangência da SUDENE: região Nordeste, Espírito Santo e norte de Minas Gerais. A aprovação dessa medida garante a ampliação da Ford na Bahia e a instalação da Fiat em Pernambuco. O novo incentivo fiscal ficaria valendo por nove anos. Agora só resta a aprovação do Senado e da presidente Dilma. Como o governo vem seguindo a cartilha do imperialismo, é muito provável que a medida passará para a felicidade das montadoras que terão seus lucros garantidos.

Avançar nas lutas e na consciência para construção de um novo mundo
Todo o processo que vem sendo vivenciado pelos metalúrgicos da Ford de Camaçari faz parte do conjunto de ataques à classe trabalhadora do mundo inteiro promovidos pelo imperialismo e por seus governos subservientes. Desde o início do seu mandato, a presidente Dilma vem seguindo à risca a linha do imperialismo. São baixos salários, desemprego, cortes de verbas, aumento do preço dos alimentos e da inflação, criminalização e repressão aos movimentos sociais e retirada de muitos direitos. São inúmeros ataques a quem depositou muitas expectativas em seu governo. Por outro lado, para as multinacionais segue a garantia de mais lucros no país e incentivos do governo federal. A lógica do governo se aprofunda e segue a mesma: mais lucro e produtividade para as empresas; mais exploração e retirada de direitos para os trabalhadores.

Como parte disso, a CUT e a CTB cumprem um papel nefasto de legitimar a política do imperialismo à medida que abortam as lutas dos trabalhadores fechando acordos por fora com os patrões e governos em troca de benefícios. Prendem-se às pautas econômicas evitando relacioná-las ao plano político. As centrais pelegas fazem de tudo para não elevar o nível de consciência da classe. Porém, à medida que os ataques vão se aprofundando e que vão se dando as experiências com o governo e estas centrais, os trabalhadores sentem a necessidade de se organizar e lutar por seus direitos.

Na medida em que a consciência avança, os trabalhadores vão delineando seu caminho, vão compreendendo a sua condição semelhante de explorados e oprimidos, saindo da condição de uma classe econômica para uma classe política. A necessidade da sua organização na luta contra o capitalismo se tornará cada vez mais operante e a construção de outro sistema que garanta melhores condições de vida gerido pelos próprios trabalhadores passará a fazer parte dessa luta.