Há exatos 60 anos, no dia 27 de janeiro de 1945, tropas soviéticas entraram em Auschwitz e Birkenau, na Alemanha, e libertaram cerca de 7 mil prisioneiros que por milagre ainda sobreviviam naqueles campos de concentração nazistas, onde aproximadamente 1,5 milhão de pessoas foram assassinadas, a mando de Hitler. Com a libertação dos campos, chegava ao fim o Holocausto, genocídio perpetrado pelo nazismo que matou mais de 6 milhões de judeus e militantes comunistas durante a Segunda Guerra Mundial.

“Ninguém mexeu um só dedo para impedir o Holocausto”, disse Ariel Sharon. “Isso significa que o povo judeu depende apenas de si mesmo, só pode contar com suas próprias forças para continuar existindo”, concluiu o primeiro-ministro de Israel, em discurso para lembrar a data.

Dessa maneira, Sharon usa indevidamente a morte e o sacrifício de milhões de pessoas inocentes para justificar a existência de Israel, erguida sobre o sangue palestino. Sharon também joga com o sentimento de solidariedade de todos os povos para com os judeus, brandindo uma mentira deslavada. Jamais o povo judeu contou com apenas as suas próprias forças. Ao final da guerra, as grandes potências, por intermédio da ONU, não só fizeram vistas grossas à ocupação e massacre do povo palestino visando a criação de Israel, como deram o status legal à situação colonial criada durante a dominação britânica. Em 1947, quando se vota a divisão da Palestina em dois estados, a burocracia soviética enviou armas e aviões para ajudar o imperialismo a massacrar os árabes. Afogada em um banho de sangue a resistência palestina, é proclamado o Estado de Israel em maio de 1948. Hoje, Israel continua contando com seu grande benfeitor, George W. Bush, que mantém o estado gendarme equipado até os dentes com o que há de mais moderno em matéria de armamento e milhões de dólares em sua conta bancária.

Para refrescar a memória de Sharon

Em 1947 havia 630 mil judeus e um milhão e trezentos mil árabes na Palestina. No momento em que as Nações Unidas dividem a Palestina, os judeus eram minoria (31% da população). Essa divisão, promovida pelas principais potências imperialistas com o apoio de Stalin, deu 54% da terra fértil ao movimento sionista. Mas, antes de que se formasse o Estado de Israel, o Irgun e as Haganah (organizações paramilitares israelenses) já haviam se apoderado das três quartas partes da terra e expulsado seus habitantes. Dos 475 povoados palestinos que havia em 1948, 385 foram completamente arrasados, reduzidos a cinzas e os 90 que ficaram tiveram suas terras confiscadas. Esse processo ficou conhecido como a “judaização” da Palestina.

Raphael Eitan, então chefe do Estado Maior das Forças Armadas israelenses, não podia ser mais claro quando disse que “Declaramos abertamente que os árabes não têm qualquer direito a um só centímetro de Eretz Israel. Os de bom coração, os moderados, devem saber que as câmaras de gás de Adolf Hitler serão como brincadeira de criança. O único que entendem e entenderão é a força. Utilizaremos a força mais decisiva, até que os palestinos se aproximem de nós de joelhos”. (Ralh Schoenman, História Oculta do Sionismo).

David Ben Gurion, em um discurso pronunciado em 13 de outubro de 1936, formulava assim a estratégia sionista: “Quando nos tornemos uma força com peso depois da criação do estado, aboliremos a partição e nos expandiremos a toda Palestina. O estado será somente uma etapa na realização do sionismo, e sua tarefa é preparar o terreno para nossa expansão. O estado terá que preservar a ordem, não com palavras, mas com metralhadoras”. (História Oculta do Sionismo)

Entre 29 de novembro de 1947, data da divisão da Palestina pela ONU e 15 de maio de 1948, quando foi formalmente proclamado o Estado de Israel, o exército sionista e as milícias paramilitares se apoderaram de 75% da Palestina, expulsando do país 780 mil árabes. Os que ficaram foram vítimas de perseguições selvagens e uma carnificina só comparada ao holocausto nazista. Assim começou a tragédia palestina, que dura até hoje.

O “Holocausto” palestino

No território ocupado por Israel depois da partilha havia 950 mil árabes palestinos, vivendo em cerca de 500 povoados e em todas as grandes cidades. Em menos de seis meses sobraram apenas 138 mil pessoas. A grande maioria dos palestinos haviam sido assassinados, expulsos pela força ou fugido aterrorizados diante dos bandos assassinos das unidades do exército israelense. Grandes extensões de terra foram confiscadas ao amparo da Lei de Propriedades de Ausentes, ditada em 1950 em Israel. Até 1947, os judeus possuíam 6% da terra da Palestina. Quando surge formalmente o Estado de Israel, o Fundo Nacional Judeu calcula que tenha se apoderado de 90% da terra. O valor das propriedades roubadas aos árabes era superior a 300 milhões de dólares, em cálculos da época. Se multiplicamos essa cifra pelo valor atual do dólar, cai a máscara: Israel tem pouco a ver com Jeová ou a terra santa, e muito a ver com a pirataria e a pilhagem.

A ocupação das propriedades palestinas era indispensável para que o Estado de Israel fosse viável. Entre 1948 e 1953 foram criados 370 povoados e assentamentos judeus, sendo 350 deles em propriedades de “ausentes”. Em 1954, calculava-se que 35% dos judeus de Israel viviam em propriedades confiscadas de “ausentes” e 250 mil novos imigrantes se haviam estabelecido em áreas urbanas das quais os palestinos haviam sido expulsos.

Dez mil empresas e comércios foram entregues a colonos judeus. Se na zona urbana, o saque foi generalizado, no campo a usurpação corria solta. Todas as plantações de limão dos palestinos foram confiscadas; cobriam mais de 240 mil dunums (correspondentes a 21.200 hectares). Até 1951, um milhão de caixas de limões colhidos de propriedades arrebatadas dos árabes – o que correspondia a 10% de todas as divisas de exportação – estavam em mãos israelenses. Nesse mesmo ano, 95% das plantações de oliveiras de Israel eram feitas em terra palestina ocupada. As azeitonas que produziam representavam o terceiro produto mais exportado por Israel, depois dos limões e dos diamantes. Um terço da produção de pedra provinha de 52 pedreiras palestinas usurpadas. As terras confiscadas dos árabes iam parar num Fundo Nacional Judeu, criado em 1954 pelo governo israelense.

Como lembra o historiador Ralf Schoenman, a mitologia sionista pretende passar a idéia de que o espírito de sacrifício, de abnegação no trabalho e de perícia dos judeus transformaram a terra desértica, descuidada por seus anteriores guardiães árabes – nômades e primitivos – fazendo florescer o deserto. As plantações palestinas, a indústria, a madeira, as fábricas, casas e fazendas foram espoliadas e saqueadas depois de uma conquista sangrenta: “o barco do estado é um barco pirata, a bandeira que carrega é a caveira com dois ossos cruzados.”

Racismo contra o trabalhador árabe

Mas o “holocausto” criado por Israel contra os palestinos não por aí. A sua é uma história que começou com uma grande espoliação e isso obrigou o país a continuá-la, mais e mais. O barco da espoliação nunca encontrou um porto seguro. Essa viagem macabra continuou em frente, espoliando também o mercado de trabalho dos árabes, tanto no campo quanto nas cidades. Esse processo de judaização do trabalho se assentou em uma ideologia racista contra o trabalhador árabe.

No campo, qualquer relação do homem com a terra era regida por uma lei racista: “O arrendatário deve ser judeu e tem de aceitar realizar todas as atividades relacionadas com o cultivo da terra somente com mão-de-obra judia”. Portanto, a terra não pode ser arrendada por um não-judeu, nem subarrendada, vendida, hipotecada, dada ou cedida a um não-judeu. Os não-judeus não podem ser empregados na terra e nem em qualquer trabalho relacionado com o cultivo.

Em Israel, as terras estatais, que estão nas mãos do Fundo Nacional Judeu, são consideradas “terra nacional”, o que significa terra judia. A contratação de trabalhadores não-judeus é ilegal. Devido a escassez de operários agrícolas judeus, e dado que os palestinos ganham um salário menor que os trabalhadores judeus, alguns agricultores judeus (como Ariel Sharon) contratam mão-de-obra árabe, violando explicitamente a lei.

Schoenman ressalta que Israel emprega todas as expressões normais em um sentido racista. O “povo” significa somente os judeus. Um “imigrante” ou um “colono” só pode ser um judeu. Um assentamento significa um assentamento só para judeus. A terra nacional significa terra judia, não terra israelense. Dessa maneira, a lei e os direitos, as garantias e o direito ao trabalho ou à propriedade correspondem somente aos judeus. A cidadania ou nacionalidade israelense corresponde estritamente aos judeus em todas as aplicações específicas de seu significa e jurisdição. Como a definição de judeu se baseia inteiramente num preceito religioso ortodoxo, gerações de ascendência materna judia é o pré-requisito para gozar do direito de propriedade, de emprego e de proteção legal. Atualmente, 93% da terra do chamado Estado de Israel é administrada pelo Fundo Nacional Judeu, sendo que para ter o direito a viver na terra, arrendá-la ou trabalhar nela, a pessoa tem de demonstrar que tem pelo menos três gerações de ascendência materna judia.

O sionismo, o fascismo e os judeus

Dizer que os judeus sempre contaram com suas próprias forças é uma falsificação grosseira da história e uma tática de Sharon para humilhar o povo palestino. A burguesia sionista e as classes dominantes das grandes potências se uniram para combater os judeus de esquerda, que se incorporavam em massa aos partidos revolucionários antes da guerra. O sionismo, em sua colaboração com o fascismo, cumpriu um papel sórdido, pois jogava com os sentimentos religiosos dos judeus para massacrar os que fossem de esquerda. O movimento juvenil sionista Betar, por exemplo, serviu de bucha de canhão para Mussolini formando esquadrões com camisas negras. Quando Menajem Beguin tornou-se chefe do Betar, trocou suas camisas negras pelas beges, como usavam os bandos de Hitler.

A estratégia do sionismo foi recrutar os europeus que odiavam os judeus e alinhar-se com os movimentos e regimes mais perversos, para que apoiassem a criação de uma colônia sionista na Palestina. E essa estratégia incluiu o nazismo. A Federação Sionista da Alemanha enviou um memorando de apoio ao Partido Nazista em 21 de junho de 1933. Dizia: “… um renascimento da vida nacional como o que ocorre na vida alemã… deve ocorrer também no grupo nacional judeu. Sobre as base de um novo estado (nazi) que estabeleceu o princípio da raça, desejamos enquadrar nossa comunidade na estrutura de conjunto de maneira que também para nós, na esfera a nós designada, possa desenvolver uma atividade frutífera pela Pátria…”.

Longe de repudiar essa política, o Congresso da Organização Sionista Mundial, de 1933, derrotou por 240 votos contra 43 uma resolução que chamava a atuar contra Hitler. Durante esse mesmo congresso, Hitler anunciou um acordo comercial com o Banco Anglopalestino da Organização Sionista Mundial (OSM), que significava o rompimento do boicote judeu ao regime nazista em um momento em que a economia alemã era extremamente crítica. A OSM rompeu o boicote judeu e se tornou a principal distribuidora de produtos nazis em todo o Oriente Médio e Norte da Europa. Fundaram na Palestina o Ha’avara, banco destinado a receber dinheiro da burguesia judia-alemã, com o qual se adquiriu grande quantidade de produtos nazis.

Traindo a Resistência

Um dos reflexos mais sórdidos dessa política foi a ação do sionismo em relação à resistência judaica contra os massacres de judeus na Europa. Em julho de 1944, o dirigente judeu eslovaco, rabino Dov Michael Weissmandel, escreveu aos funcionários sionistas encarregados das “organizações de resgate”, propondo uma série de medidas para salvar os judeus de Auschwitz. Ofereceu mapas exatos das ferrovias e planejou o bombardeio das linhas que levavam aos crematórios. Pediu que bombardeassem os fornos de Auschwitz, que lançassem de pára-quedas munição para 80 mil presos e bombas para explodir o campo e pôr fim à cremação de 13 mil judeus por dia. Caso os aliados se recusassem a colaborar, Weissmandel propunha que os sionistas, que dispunham de fundos e organização, comprassem aviões, recrutassem voluntários e fizessem a operação.

Não foi o único. Durante todos os anos 40, porta-vozes judeus na Europa pediram socorro, fizeram campanhas públicas, resistência organizada, manifestações para obrigar os governos aliados a colaborar. Mas sempre se deparavam com o silêncio sionista ou mesmo com sua sabotagem ativa.

Em julho de 1944, um ano antes de terminar a guerra, Weissmandel enviou aos sionistas uma carta de protesto, publicada em parte em História Oculta do Sionismo, de Schoenman:

“Por que não fizeram nada até agora? Quem é o culpado por esta terrível negligência? Não são vocês os culpados, irmãos judeus, que têm a maior sorte do mundo, a liberdade? Enviamos a vocês esta mensagem especial: informamos que ontem os alemães iniciaram a deportação de judeus da Hungria. Os que foram para Auschwitz serão mortos com gás cianido. Essa é a ordem do dia de Auschwitz desde ontem: A cada dia serão asfixiados doze mil judeus – homens, mulheres e crianças, anciãos, crianças de peito, doentes ou não.

E vocês, nossos irmãos aí na Palestina, e de todos os países livres, e vocês, ministros de todos os reinos, por que mantêm silêncio diante desse grande assassinato? Silenciam enquanto assassinam milhares, já são seis milhões de judeus? Silenciam agora, quando dezenas de milhares estão sendo assassinados ou esperam na fila da morte? Seus corações destroçados pedem socorro, choram por vossa crueldade.

São brutais, vocês também são assassinos, pelo sangue frio do silêncio com que olham, porque estão sentados com os braços cruzados sem fazer nada, apesar de que nesse mesmo instante poderiam deter ou postergar o assassinato de judeus.

Vocês, nossos irmãos, filhos de Israel, estão loucos? Não sabem o inferno que nos rodeia? Para quem guardam seu dinheiro? Assassinos! Loucos! Quem faz caridade aqui, vocês, que soltam uns centavos daí, de suas casas seguras, ou nós, que entregamos nosso sangue neste inferno?”

Nenhum dirigente sionista apoiou esta petição, nem os governos ocidentais bombardearam um único campo de concentração. Tanto que hoje eles estão inteiros, inclusive com os fornos crematórios e os trilhos intactos, sendo visitados de maneira hipócrita pelos mandatários das mesmas grandes potências capitalistas que continuam a promover um genocídio igual ou pior contra os palestinos, os iraquianos e todos os povos no Oriente Médio.