Afundado na sua própria lama. É assim que se pode definir o Senado Federal. Desde o início do ano, a sucessão de escândalos não para. Começou com a eleição de José Sarney (PMDB) para assumir pela terceira vez a presidência da casa. Na eleição, o destaque foi a ressurreição de um notório corrupto da arena política brasileira: Renan Calheiros.

Em seguida, veio a entrega dos cargos prometidos por Renan aos senadores que garantiram a vitória se Sarney. O ex-presidente Fernando Collor (PTB) foi brindado com a presidência da poderosa Comissão de Infraestrutura do Senado, responsável pelo gerenciamento dos recursos do PAC. O cargo foi entregue com a anuência do presidente Lula. Mas Renan emplacou outros aliados em cargos estratégicos. Almeida Lima, tenaz integrante da tropa de choque de Renan, vai presidir a Comissão Mista de Orçamento que vai administrar R$ 1,5 trilhão.

Tem mais escândalos. Veio à tona a revelação dos gastos de R$ 6 milhões com horas extras em janeiro para os funcionários do Senado. Detalhe, o Senado estava em recesso nesse mês. Em seguida, veio o “deslize” do senador Tião Viana, do PT, que admitiu ter emprestado o celular do Senado (cuja conta é paga pelo dinheiro público) para sua filha em viagem pelo México.

Agora os senadores se veem presos num emaranhados de denúncias sobre cargos de diretorias do Senado que garantem uma bela mamata para seus apadrinhados.

Amigo do amigo do amigo…

As Metamorfoses do PT
“Falar da história do PT é falar de alegrias e muitas decepções”, diz Cyro Garcia. Deparar-se hoje com o Partido dos Trabalhadores (PT) e, sobretudo com os ataques que ele tem representado ao nosso país, é sem dúvida deparar-se com a traição de uma grande história de luta que se iniciava em 1980, ano de sua fundação. Partido composto majoritariamente por sindicalistas e, naquela década, representante de uma ruptura com a lógica da diferença e com a forma de fazer campanha, a partir da década de 1990 o PT deixa de ser um partido radical e passa a ser um grande gestor do capital financeiro e mantenedor da lógica neoliberal.

Para Cyro Garcia, “Na verdade, o PT nunca foi um partido revolucionário. Ele falava em independência de massas, tinha um caráter classista, mas daí a ter uma alternativa de ruptura com o projeto burguês, nunca!”. Ainda assim, na década de 80, o PT cumpriu um importante papel na mobilização da sociedade o que o tornou referência na esquerda internacional, sobretudo na América Latina. Foi o partido que inaugurou, em seu modo de fazer política, o debate sobre a importância de realização de campanhas de independência de base e sobre a necessidade de organização de uma estrutura sindical livre do Estado. Fundada em 1983, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) foi um exemplo disso e, passadas quase três décadas, hoje é sinônimo de atrelamento e subserviência.

A chegada do PT a diversas prefeituras em 1988, a por pouco não eleição de Lula em 1989 e a ocupação de cargos por seus dirigentes durante a década de 1990 – não apenas cargos em instituições políticas estatais, mas também em órgãos de gestão direta do capital financeiro – foram acelerando a burocratização do partido e a mudança de sua base e composição social. Refém da lógica do mercado eleitoral, muda-se a política de alianças, e entram em jogo as campanhas milionárias, com apoio de empreiteiras e bancos privados.

No governo, o PT passava de partido que defendia a ética na política aquele dos grandes escândalos a exemplo do que foi o esquema de compra de votos de parlamentares, o mensalão, entre 2005 e 2006, período do governo Lula ou, como mais recentemente, os sucessivos escândalos envolvendo ministros durante a presidência de Dilma. Em relação aos movimentos sociais, como é o caso da União Nacional dos Estudantes (UNE), o PT deixa de ser apoio e passa à cooptação; e em nível sindical, a palavra de ordem da CUT, que até então era, “Sindicato é pra lutar”, passa a ser “Sindicato cidadão”, diluindo assim, com a mudança do conceito, todo o caráter de classe tido naquela reivindicação.

O livro
O livro “PT: de oposição à sustentação da ordem” baseia-se em pesquisa realizada para tese do doutorado em História da Universidade Federal Fluminense (UFF), em abril de 2009. A pesquisa teve como ponto de partida a dissertação de mestrado em História da mesma Universidade apresentada pelo autor em 2000, quando analisava o partido desde sua fundação até 1994. Agora, o recorte abrange um período mais recente, como o que compreende as duas últimas campanhas eleitorais que levaram o PT à presidência da República.

No prefácio do livro, Valério Arcary, professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), explica que o livro de Cyro relata uma história política que foi, ao mesmo tempo, emocionante e terrível, e fala também que esta era uma publicação que fazia falta tanto porque não se havia ainda narrado uma história do PT que estivesse para além dos elogios a Lula e ao seu partido, como também porque evidencia como este partido, visando aproximar-se dos trabalhadores para ganhar votos, realizou um espantoso giro à direita.

Fortaleza
Ao final do lançamento, enquanto Cyro Garcia autografava os livros e conversava com alguns ativistas, perguntei-lhe sobre qual era a importância de reivindicar a História de um partido como o PT. Sorridente, Cyro respondeu, por meio da citação do teórico italiano Antônio Gramsci, que se podia dizer que “escrever a história de um partido significa escrever a história geral de um país”.

Perguntei-lhe, então, sobre o que representava o lançamento daquele livro na capital cearense, onde tínhamos a experiência presente de uma prefeitura municipal do PT, seus constantes ataques e a consequente ascensão de algumas categorias, como vimos com a greve municipal de professores. Cyro conta que, coincidentemente, os locais onde ocorreram os primeiros lançamentos do livro – Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre – também vêm de experiências com o PT e que, neste sentido, acredita que seu livro possa contribuir para a compreensão e dissolução do mito que se tornou esse partido e, mais ainda, de estímulo às lutas dos trabalhadores pela transformação de sua realidade.

Cyro Garcia nasceu em 1954 e em 1978 formou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Concluiu o mestrado em 2000 e o doutorado em 2008, ambos em História na Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi fundador do PT e da CUT. Exerceu, entre 1992 e 1993, na condição de suplente, o mandato de deputado federal e em 1992 sua corrente, a Convergência Socialista, foi expulsa do PT. Participou em 1994 da fundação do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), integrando-lhe até os dias hoje. Em 2003 rompeu com a CUT e participou da fundação da Conlutas, atualmente CSP-Conlutas – Central Sindical e Popular.