Um capítulo e uma experiência concreta da reorganização do movimento estudantil. É esse o sentido que pode ser dado ao Seminário Nacional de Educação, que contou com a presença da ANEL e da Esquerda da UNE, realizado em Uberlândia (MG) nos últimos dias 9, 10 e 11 de outubro. Por um lado, suas resoluções são ainda limitadíssimas, refletindo a dificuldade imposta pela conjuntura para que a esquerda avance em sua unidade. Contudo, pelo cenário de divisão e avanço do governismo, por menor que seja a construção de um calendário comum, tais ações unitárias, articuladas em nível nacional, já significam um passo a frente.

No entanto, o curso dos debates demonstrou, com muito mais clareza que as próprias resoluções, os dilemas que envolvem a tarefa de unificar a esquerda combativa no movimento estudantil brasileiro. A seriedade com que a ANEL tomou a construção desse seminário, enviando a maior delegação entre as entidades e campos presentes, foi decisiva para que o debate em torno à unidade saísse do terreno da artificialidade ou da mera saudação a bandeira.

Todos os setores da esquerda da UNE seguem relutantes à idéia de uma entidade alternativa. Mas o que explica que todas as vezes que a esquerda se articulou para lutar isso aconteceu longe dos fóruns da UNE? Foi assim nos momentos de maior efervescência do movimento estudantil, como em 2007 quando as ocupações de reitoria tomaram as universidades e passaram longe do CONUNE. Na época foi a Frente de Luta contra a Reforma Universitária que catalisou a necessidade de organização das lutas por fora da entidade tradicional dos estudantes. E também é assim agora, num período de estabilidade e auge do apoio ao Governo Lula, onde o próprio Seminário de Uberlândia mostra a necessidade de construir caminhos por fora da UNE para articular as lutas.

A reorganização
A reorganização é um fator objetivo, ou seja, ocorre independente da vontade de entidades, coletivos, partidos ou qualquer outro ator subjetivo nesse processo. Ou seja, esses elementos incidem apenas no rumo que a reorganização pode tomar. No plano concreto, o que acreditamos é que CUT e UNE perderam não apenas a representatividade diante de amplas bases sociais, mas, o que é ainda mais profundo, a referência de organismos catalisadores da luta perante o que há de mais dinâmico no movimento de massas. Abre-se, assim, um deslocamento de toda uma base minoritária, porém de massas, para fora das entidades tradicionais.

É a análise desse processo que orienta a aposta do PSTU em estimular a reorganização no conjunto dos movimentos sociais. E é a base real para o desenvolvimento da CSP-CONLUTAS e da ANEL, enquanto sujeitos conscientes do fenômeno. Portanto, para nós a ruptura com as entidades não se trata de uma mera tática diante do “governismo” ou “falta de independência” das entidades tradicionais. Mesmo que CUT e UNE fossem ainda mais governistas ou ainda mais organicamente vinculadas ao aparato do Estado, a construção de alternativas seria um projeto estéril e condenado ao fracasso – caso, apesar de tudo, a luta do movimento apontasse para dentro desses organismos.

Governo Lula e o fim da Frente Única nas entidades
Para que a análise de todo esse processo não seja um mero enunciado, é preciso buscar a natureza desse deslocamento das expressões mais ativas do movimento para fora dos grandes aparatos. Se entendermos as entidades como “organismos de frente única”, ou seja, as ferramentas por onde o movimento de massas organiza sua luta e condensa seu programa, entenderemos que elas expressam a unidade não de partidos ou correntes, mas a unidade do próprio movimento para lutar.

Na medida em que o governo Lula cooptou as principais direções do movimento social brasileiro, as entidades tradicionais passam a organizar a implementação das políticas do governo, em vez de suas bases para a luta. Ao mesmo tempo, convertem o seu programa e suas reivindicações históricas em plataformas de sustentação do próprio governo. Se isso, por si só, não implica no deslocamento de qualquer setor para fora da UNE ou CUT, a combinação com uma forte crise de seus aparatos resulta em uma transformação qualitativa dessas entidades e em suas próprias falências políticas.

Em que pese a popularidade do governo ou a imensa superestrutura que envolvem a CUT e a UNE, o fato é que até mesmo o trabalhador ou o estudante que apóia o governo, quando se mobiliza, tende a se enfrentar com essas entidades. A estabilidade que vivemos no país faz com que CUT e UNE cumpram mais o papel de sufocar mobilizações do que vislumbrem a hipótese de mobilizar em favor do governo. Assim, a crise desses aparatos é que, por mais que tenham tido êxito até aqui em impedir um grande ascenso, o fazem a custa de um desprestígio crescente.

Num cenário como o que vivemos, sem grandes processos de luta, que possam acelerar as experiências, e com o governo gozando de ampla popularidade, é impressionante que, ainda assim, esse processo se afirme. É por isso mesmo que consideramos a reorganização um dos fenômenos mais progressivos da atualidade – precisamente porque se dá apesar de uma situação da luta de classes marcada pela estabilidade e do peso político majoritário que tem o governo Lula.

É o conjunto desses elementos que faz com que, hoje, a ANEL siga se fortalecendo, a esquerda da UNE não seja capaz de se unificar e a necessidade de construir espaços por fora da UNE siga sendo imperativa para construir uma intervenção comum de todos os setores de esquerda do movimento estudantil. O desenvolvimento do projeto político da ANEL e a defensiva do projeto político da Esquerda da UNE têm a mesma base real: o deslocamento real do movimento para fora da velha entidade.

O “Forum”: uma estratégia sem base real
A saída que alguns companheiros da Esquerda da UNE apresentam para a reorganização do movimento é a formação de um “fórum” que, em tese, “unifique” todos os lutadores. O primeiro elemento que chama atenção nessa política é a aposta em uma artificialidade. Hoje, há uma diferença legítima entre os setores de oposição de esquerda ao governo, justamente no terreno de que organização os estudantes precisam para sua luta. Nenhum nome ou sigla comuns são o bastante para resolver essa polêmica – senão a luta de classes. Nesse sentido, convidar toda a esquerda a ingressar em um fórum que não pressupõe um acordo real do sentido de seu desenvolvimento, pode ter como conseqüência ainda mais divisão e luta fratricida.

Em segundo lugar, frente ao processo de reorganização, é um projeto sem base material. O desenvolvimento da unidade da esquerda só pode se dar por meio de algum processo real e, portanto, não depende apenas da “vontade” subjetiva de cada setor envolvido. Se o movimento passa hoje por fora da UNE, o avanço de um processo de unidade orgânica da esquerda só tem futuro se assumir de maneira consciente essa localização. Ou o movimento irriga a organicidade da unidade da esquerda, ou teremos – na melhor das hipóteses – uma unidade entre aparatos, em vez da unidade do movimento.

Unifiquemos na ação
É por isso tudo que, ao apresentar seu entendimento sobre a reorganização, de maneira a dialogar com sinceridade com todos os setores presentes no Seminário de Uberlândia, a ANEL apresentou sua proposta de “Jornada da Unidade” – um calendário para que a esquerda se apresente de maneira unitária nas principais datas do movimento.

Ao afirmar politicamente sua análise sobre os dilemas que os estudantes precisam enfrentar, o Seminário apontou a unidade da esquerda na ação como proposta mais conseqüente. Proporemos aos organismos da ANEL o absoluto compromisso com o calendário de Uberlândia e com o desenvolvimento desse processo.

Seguiremos lutando por uma entidade unificada de toda a esquerda. Até que isso se dê, combateremos o sectarismo e todo tipo de impaciência – inclusive no interior da ANEL. Lutaremos pela total unidade na ação: o cumprimento do calendário, as chapas unitárias nas eleições do DCE, etc. É nesse trilho, que conduz para fora da UNE, que uma verdadeira alternativa orgânica poderá se desenvolver.