Carta de Brasília: não há democracia num país que criminaliza as lutas sociaisA Carta de Brasília contra a criminalização da pobreza, da luta e das organizações dos trabalhadores, lançada ao final (22/10) do seminário nacional realizado no Conselho Federal da OAB, afirma que “não se pode dizer que há democracia e vigência do Estado de Direito em um país em que os trabalhadores que se organizam para a luta e a pressão social sejam tratados como criminosos; em que a proteção ao Capital e à ganância pelo lucro resumam as atribuições das instituições do Estado”.

No documento, as entidades organizadoras e participantes do evento afirmam que a criminalização da pobreza, da luta e das organizações dos trabalhadores é inaceitável e que essa situação precisa mudar. Inúmeros relatos de perseguição judicial e violência cometida pelos agentes do Estado contra militantes e dirigentes de entidades sindicais e dos movimentos sociais foram feitos pelos participantes nesses dois dias.

As entidades signatárias da carta expressam as medidas que adotarão contra a criminalização cada vez mais crescente da pobreza e da organização sindical no país. A primeira delas é a constituição de um fórum nacional aberto a novas entidades, sob a coordenação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. O fórum se reunirá regularmente para receber denúncias relacionadas ao tema, examinar situações e propor medidas de combate à criminalização dos movimentos e lutas sociais. Além dessa, outras medidas serão adotadas:

  • Desencadear uma campanha buscando atingir este objetivo: iremos cobrar medidas concretas da Presidência da República, dos poderes Judiciário e Legislativo e apelaremos às cortes internacionais; exigiremos a responsabilização das empresas que incorrerem em práticas anti-sindicais e de criminalização da atividade dos sindicatos de trabalhadores;
  • Denunciaremos a toda a sociedade esta situação ao mesmo tempo em que buscaremos mobilizá-la para pressionar os poderes constituídos pelas mudanças que aqui preconizamos, pela correção das injustiças e reintegração ao trabalho de trabalhadores e dirigentes atacados;
  • Como parte das atividades do “Fórum Nacional”, o Seminário indica que sejam analisadas as condições e causas da grande quantidade de trabalhadores que morrem exercendo o seu trabalho no campo e nas fábricas;
  • Constitui um princípio de ação do “Fórum Nacional” que toda agressão ao direito de manifestação e exercício das atividades sindicais, dos movimentos populares e estudantis, em qualquer entidade na qual o trabalhador, dirigente ou ativista atue, será entendida como uma agressão ao coletivo de entidades signatárias dessa “Carta”;
  • Convocar amplamente uma atividade a ser realizada durante o “Fórum Social Mundial” em janeiro de 2009, em Belém/PA, que debata a criminalização dos movimentos sociais.

    O documento conclama todos os sindicatos, centrais sindicais, movimentos populares, organizações e entidades democráticas do país a se engajarem na luta. “Juntos, mobilizados, faremos valer os direitos daqueles que constroem, com seu suor e trabalho, todas as riquezas deste país”, assinala. Assinam a carta o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Conlutas, CUT, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB e ANDES-SN. A união das três centrais sindicais contra a criminalização da pobreza e das lutas sociais e dos trabalhadores foi elogiada pelos participantes, que conhecem as divergências dessas entidades mas sabem do esforço necessário na luta pela verdadeira democracia.

    CARTA DE BRASÍLIA

    Contra a criminalização da pobreza, da luta e das organizações dos trabalhadores

    Reunidos em Brasília, representantes de sindicatos, centrais sindicais, movimentos populares, entidades representativas dos advogados e magistrados, com o objetivo de estudar e debater a crescente onda de criminalização da pobreza, das lutas e das organizações dos trabalhadores de nosso país, decidimos apresentar essa Carta à sociedade brasileira.

    São quase diários os massacres de jovens e trabalhadores, negros e pobres em sua imensa maioria, em algumas cidades do país, assassinados pela polícia do Estado em operações voltadas pretensamente para o combate ao crime organizado.
    O ajuizamento de ações de “Interdito Proibitório”, instrumento utilizado generalizadamente junto à Justiça Civil e à Justiça do Trabalho, tem sido o principal meio através do qual o empresariado tenta impedir os trabalhadores de exercer o direito à manifestação e à greve, garantias constitucionais inquestionáveis.

    Alem dos Interditos, a intervenção – via de regra truculenta – da polícia para impedir o trabalho do sindicato na construção e condução das mobilizações dos trabalhadores, a perseguição e demissão de dirigentes e ativistas sindicais completam um quadro que parece querer retroceder à realidade do início do século passado e dos períodos ditatoriais, quando a luta dos trabalhadores era considerada “caso de polícia”.

    Os interditos proibitórios e a ação da polícia do Estado são utilizados, de forma ainda mais violenta e abusiva, contra movimentos populares que buscam organizar o povo pobre para lutar por uma vida minimamente digna. Existem hoje em nosso país cidadãos proibidos pela Justiça de “passar em frente a uma prefeitura”, e são inúmeros os casos em que a violência policial foi utilizada de forma completamente abusiva, em defesa da propriedade e não da lei.

    Os recorrentes assassinatos de trabalhadores no campo, de líderes religiosos e indígenas, acompanhados quase sempre da impunidade, o que incentiva a mais crimes, é uma triste e dura realidade em nosso país. A presteza, a rapidez e a força que os órgãos policiais e judiciais não têm para punir os assassinos sobram na hora de reprimir os movimentos sociais e sindicatos que lutam pela reforma agrária.

    Sequer as mobilizações estudantis escapam dessa realidade. Neste último período a luta dos estudantes e demais setores da comunidade universitária em defesa da educação pública, de qualidade e para todos, tem sido alvo de um processo repressivo cada vez mais intenso. Muitas entidades estudantis estão ameaçadas por multas milionárias originadas nos mesmos interditos proibitórios. Há dezenas de estudantes processados criminalmente neste momento pelo menos em Minas Gerais, São Paulo e Brasília.

    Para agravar ainda mais este quadro começamos a assistir nos últimos meses a uma ação cada vez mais ousada do governo federal, através do Ministério do Trabalho, no sentido de intervir nas organizações sindicais, cassando ilegalmente registros sindicais, concedendo outros sem a observância dos preceitos legais, ferindo frontalmente o que está prescrito na Constituição Federal.

    Ao contrário do que pode parecer, estes problemas não dizem respeito apenas às entidades e pessoas diretamente envolvidas. A ocorrência generalizada destes fenômenos indica claramente que são resultado de uma política, de uma ação consciente e organizada envolvendo empresários, proprietários rurais e governos, para limitar ou diretamente impedir o acesso dos trabalhadores ao exercício de garantias constitucionais, de lutar em defesa de seus direitos sociais e por uma vida melhor.

    Não se pode dizer que há democracia e vigência do Estado de Direito em um país em que os trabalhadores que se organizam para a luta e a pressão social sejam tratados como criminosos; em que a proteção ao Capital e à ganância pelo lucro resumam as atribuições das instituições do Estado. Mais grave ainda tende a ficar a situação se considerarmos que a crise econômica que ora se apresenta, como tem sido a regra, pode aumentar ainda mais a degradação das condições de vida e o ataque aos direitos dos trabalhadores.

    Afirmamos categoricamente: a criminalização da pobreza, da luta e das organizações dos trabalhadores são inaceitáveis! Esta situação precisa mudar!

    É necessário que se estabeleça o respeito aos direitos dos trabalhadores e, particularmente neste momento, o direito à livre organização sindical e popular, o pleno direito à greve e à mobilização social como meios legítimos de defesa das reivindicações sociais e da busca por melhorias na condição de vida.

    Nesse sentido, os representantes das entidades signatárias dessa Carta, adotam as seguintes iniciativas:

  • Constituir um “Fórum Nacional contra a criminalização da pobreza, da luta e das organizações dos trabalhadores” aberto à incorporação de novas entidades, sob a coordenação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que se reunirá regularmente para receber denúncias relacionadas ao tema, examinar situações e propor medidas de combate à criminalização dos movimentos e lutas sociais;
  • Desencadear uma campanha buscando atingir este objetivo: iremos cobrar medidas concretas da Presidência da República, dos poderes Judiciário e Legislativo e apelaremos às cortes internacionais; exigiremos a responsabilização das empresas que incorrerem em práticas anti-sindicais e de criminalização da atividade dos sindicatos de trabalhadores;
  • Denunciaremos a toda a sociedade esta situação ao mesmo tempo em que buscaremos mobilizá-la para pressionar os poderes constituídos pelas mudanças que aqui preconizamos, pela correção das injustiças e reintegração ao trabalho de trabalhadores e dirigentes atacados;
  • Como parte das atividades do “Fórum Nacional”, o Seminário indica que sejam analisadas as condições e causas da grande quantidade de trabalhadores que morrem exercendo o seu trabalho no campo e nas fábricas;
  • Constitui um princípio de ação do “Fórum Nacional” que toda agressão ao direito de manifestação e exercício das atividades sindicais, dos movimentos populares e estudantis, em qualquer entidade na qual o trabalhador, dirigente ou ativista atue, será entendida como uma agressão ao coletivo de entidades signatárias dessa “Carta”;
  • Convocar amplamente uma atividade a ser realizada durante o “Fórum Social Mundial” em janeiro de 2009, em Belém/PA, que debata a criminalização dos movimentos sociais.

    A essa luta conclamamos todos os sindicatos, centrais sindicais, movimentos populares, organizações e entidades democráticas de nosso país. Juntos, mobilizados, faremos valer os direitos daqueles que constroem, com seu suor e trabalho, todas as riquezas deste país.

    Brasília, Sede Nacional do Conselho Federal da OAB, 21 e 22 de outubro de 2008.

    ASSINAM:Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
    ABRAT – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas
    AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil
    Anamatra – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
    Conlutas – Coordenação Nacional de Lutas
    CUT – Central Única dos Trabalhadores
    CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
    ANDES/SN – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior