Sem-tetos de todo o país também fazem mobilizações na cidadeEnquanto o governo Lula trama com Bush a transformação do Brasil num imenso canavial para a produção de etanol, sem-terra realizam uma jornada de lutas pela reforma agrária. É a deflagração da tradicional onda de mobilizações realizadas pelo MST no mês de abril, além de diversos outros movimentos sociais do campo com o objetivo de reivindicar terra e o fim do latifúndio. A série de protestos e ocupações teve início na semana do dia 10 de abril e deve se estender por todo o mês.

A data rememora o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido no Pará, no dia 17 de abril de 1996. Na ocasião, 19 trabalhadores rurais sem-terra foram brutalmente assassinados pela polícia durante uma marcha na Rodovia PA-150. As ocupações, manifestações e bloqueios de estradas chamam a atenção para o caos em que caminha cada vez mais o campo no Brasil. De um lado, uma enorme concentração de terras nas mãos de poucas famílias e, de outro, um verdadeiro exército de trabalhadores sem-terras e sem trabalho.

Este ano, no entanto, uma outra face da desigualdade se tornou ainda mais explícita. Às manifestações dos sem-terra se uniram os trabalhadores sem mo¬ra¬dia nas cidades. Desta forma, a Jornada de Luta pela ref¬orma agrária coincidiu com as mobilizações dos sem-teto, que foram às ruas exigir mo¬ra¬dia digna para todos e lutar con¬tra o cruel déficit ha¬bi¬tacional.

Governo mente sobre reforma Agrária
Ao mesmo tempo em que Lula elege os latifundiários seus novos “heróis”, o governo divulga informações falsas sobre a reforma agrária, turbinando dados e estatísticas sobre assentamentos. Maior prova dessa manobra ocorreu em uma nota amplamente divulgada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra no final de janeiro. O governo afirmou ter assentado 381.419 famílias entre 2003 e 2006, atingindo, segundo a nota, o “melhor desempenho do Incra em seus 36 anos de atuação”.

Da forma como foi divulgado, o governo tentou confundir a opinião pública, dando a entender que cumpria as metas definidas no II PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária), elaborado durante seu primeiro mandato. Porém, o professor de Geografia Agrária pela USP, Ariovaldo Umbelino Oliveira, contesta esses dados. Para o geógrafo, o governo superfaturou os números, garantindo no período o assentamento de apenas 79 mil famílias, segundo os critérios definidos no PNRA, ou seja, desapropriações, compra ou utilização de terras griladas.

Além disso, o governo Lula se recusa a atualizar os índices de produtividade da terra. Tal índice é o que determina se uma propriedade é produtiva ou não. O atual critério utilizado é o mesmo definido pelo IBGE em 1975, uma defasagem de mais de 30 anos. No artigo “Me engana que eu gosto”, o professor Ariovaldo exemplifica: “No estado de São Paulo basta-se produzir 1.900 kg/hectare de milho para que a propriedade seja considerada produtiva. Entretanto, a produtividade média do milho neste estado na safra de 2005/6, foi de 4.150 kg/hectare”.

Lula se comprometeu com os movimentos sociais em 2003 a revisar esse índice, no entanto, até agora nada foi feito. Ao todo, pelo atual critério, o Brasil pos¬sui 54 mil grandes propriedades rurais improdutivas, ocupando nada menos que 120 milhões de hectares utilizado na especulação. O descaso apenas prova mais uma vez o compro¬me¬timento do gover¬no Lula com o agronegócio.

Dinheiro do FAT para fazendeiros
Prova maior da política de privilégios aos fazendeiros foi a tentativa do governo de editar uma Medida Provisória em que parte dos recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) seria desviada para refinanciar as dívidas dos produtores rurais com seus credores, ou seja, o governo quer tirar dinheiro dos trabalhadores para pagar as dívidas dos fazendeiros.

Tal desvio serviria para pagar as dívidas contraídas pelos latifundiários desde a safra de 2004 e 2005, cujo valor total é estimado hoje em R$ 4 bilhões. O governo, com os recursos dos trabalhadores, criaria um fundo para dar conta de R$ 2,2 bilhões desse montante. Devido à má repercussão do projeto, o governo foi obrigado a adiar a edição da MP, mas ainda não desistiu da medida.

Latifúndios urbanos
As mobilizações não se restringiram ao campo e incendiaram as cidades, expondo a calamidade em que sobrevivem milhões. Diversas organizações de sem-teto realizaram ocupações e manifestações em todo o país exigindo mais verbas para moradia. “O objetivo das mobilizações é pressionar os três níveis de governo, municipal, estadual e nacional, para que se aumente e aplique recursos para habitação para as pessoas de baixa renda”, afirmou Maria das Graças Xavier, coordenadora da UNMP (União Nacional por Moradia Popular) ao Opinião Socialista. A entidade reúne cerca de 150 movimentos por moradia em 17 estados.

Além do aumento dos investimentos em habitação, o movimento exige a criação, no âmbito federal, do Conselho Nacional de Moradia. Para que os recursos destinados à área não fiquem emperrados nos estados ou municípios, o movimento reivindica que os investimentos sejam repassados diretamente às organizações do movimento popular. “No estado de São Paulo, por exemplo, há 31 mutirões de moradia paralisados desde o governo Covas”, denuncia Maria das Graças.

O movimento dos sem-teto exige a retomada dos mutirões e também a assinatura de novos convênios e a suspensão imediata de todos os despejos, além da urbanização das favelas e regularização das ocupações.

Situação explosiva
Se a falta de reforma agrária cria uma situação preo¬¬¬cupante no campo, nas cidades o déficit habi¬ta¬¬cional chega a ser explosivo. De acordo com a UNMP, seria necessária a construção de 10 milhões de moradias para suprir toda a demanda, tanto de pessoas sem nenhum tipo de casa quanto das que vivem precariamente em favelas ou ocupações. Só no estado de São Paulo, seriam necessárias 600 mil moradias. Cerca de 80% desse déficit se concentra nas famílias com renda mensal de até três salários mínimos.

Romper com o governo para lutar por reforma agrária
O MST é hoje um dos mais importantes movimentos sociais no país. No último período, o movimento foi obrigado a aprofundar suas críticas ao governo Lula, que se recusa a implementar uma verdadeira reforma agrária. Porém, contraditoriamente, o MST ainda não rompeu com o governo, limitando-se apenas a criticá-lo. Infelizmente, o movimento continua atrelado ao Planalto.

Lula, porém, já demonstrou de que la¬do está: ao lado dos seus “heróis” fazendeiros, ao lado de Bush na transformação do Brasil num imenso ca¬na¬vial, ao lado da Mon¬santo e os transgênicos. Para mover uma luta con¬se¬qüen¬te por reforma agrária, é ne¬ces¬sário que o movimento rompa com esse go¬verno neoliberal e se alie aos trabalhadores da cidade, impulsionando uma forte mobilização que enfrente a política pró-imperialista de Lula.
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