Leia, abaixo, a íntegra do manifesto do Movimento al Socilaismo (MAS), seção da LIT-QI no Equador, sobre o novo governo de Rafael Correa. Ao tomar posse no último dia 15 de janeiro, Correa propõe “mudança radical“, mas não se dispõe a romper com o imperQual o significado do governo equatoriano de Rafael Correa?
A eleição de Rafael Correa para presidente do Equador revela, como em vários outros processos latino-americanos, o resultado distorcido da insatisfação e da vontade de mudança das massas. Por outro lado, assinala também a falta de uma opção de esquerda que possa conduzir tal insatisfação à construção de uma alternativa de organização que realmente leve os trabalhadores, os camponeses e todo o povo pobre ao rompimento com o sistema capitalista e ao fim da fome, da miséria, do desemprego e de todas as desigualdades e injustiças que enfrenta a população pobre do Equador.

Nós equatorianos lutamos muito nos últimos anos. O forte sentimento de mudanças levou a uma luta sem trégua que derrubou presidentes pró-imperialistas e burgueses, como Mahuad e Gutiérrez, e garantiu a conquista de vitórias importantes na defesa da soberania do país, como a expulsão da Oxy e a não-instalação da TLC.

Nesse contexto, surge Rafael Correa com um discurso de caráter nacionalista e como alternativa de mudança para o país. Nós do MAS – Movimento al Socialismo – caracterizamos este governo como nacionalista-burguês em tempos de recolonização e, ainda que apareça com a palavra-de-ordem de que “outro país é possível“, seu verdadeiro objetivo é converter-se em apaziguador do processo de lutas sociais.

Os governos nacionalistas-burgueses surgiram nos movimentos nacionalistas, se enfrentaram e tiveram contradições com o imperialismo – centralmente com os Estados Unidos – e os melhores exemplos deste tipo de governo na América Latina são o mexicano Lázaro Cárdenas e o argentino Juan Perón. O governo de Cárdenas expropriou e estatizou o petróleo em 1938. O peronismo, por sua vez, estatizou áreas muito importantes da produção: petróleo, energia elétrica, os setores ferroviário e de telecomunicações, etc. Entretanto, ao não superar os limites do capitalismo, o imperialismo e seus aliados nacionais mantiveram intactas, em grande parte, suas bases econômicas, para depois avançar e dominar o país.

Governos como o de Chávez e Correa são governos nacionalistas-burgueses em tempos de recolonização e se diferenciam dos primeiros: Cárdenas e Perón existiram durante um período em que o crescimento da economia após a Segunda Guerra Mundial lhes permitiu fazer importantes concessões econômicas aos trabalhadores, aos camponeses e ao povo pobre. Atualmente, as condições políticas e econômicas mundiais reduziram praticamente a zero as perspectivas de um desenvolvimento mais ou menos sustentável deste tipo de processo. A aplicação dos planos neoliberais e a ofensiva do imperialismo para saquear nossos países não permitem as mesmas possibilidades de melhorar as condições de vida sem uma ruptura radical com o sistema vigente.

Neste sentido, as medidas paliativas prometidas por Rafael Correa, embora possam significar melhoras no nível de vida das massas mais empobrecidas, não resolvem os problemas mais graves, como o desemprego e a tremenda desigualdade social que existe no país. Por outro lado, esse tipo de “remédio paliativo“ busca atuar como “calmante“ das massas radicalizadas para que aceitem as instituições burguesas de governo, que surgem com uma face “democrática“.

Rafael Correa e seu movimento Alianza País são parte do setor de intelectuais que defendem o discurso de que a revolução não é possível e que é melhor apoiar alguém que “luta pelos pobres“ e por um capitalismo que redistribua a riqueza. Esta é uma política paliativa que aparece em momentos de convulsão social ou para prevenir grandes explosões populares. Ela é aplicada por governos reformistas ou pelos chamados nacionalistas-burgueses que a utilizam com um objetivo explícito: convencer as massas de que é possível resolver os graves problemas gerados pelo capitalismo – a fome, os péssimos serviços de saúde, a falta de moradia, a discriminação racial, etc. – sem revolucionar o sistema e sem romper com a burguesia e com o imperialismo.

Aonde vai o governo Correa?
Alianza País, segundo o próprio Rafael Correa, é um movimento constituído por intelectuais e foi fundado para rechaçar a dolarização – o que ele mesmo já disse que não fará em seu mandato – e que defende uma democracia representativa, deixando evidente que o voto do povo equatoriano foi contra o neoliberalismo e que conta com o apoio de setores empresariais e não será excludente.

Nessa mesma linha de pensamento, o programa de governo do Alianza País propõe “um grande acordo nacional para construir oportunidades para todos e todas“. Propõe, ainda, garantir acesso “adequado a todos os habitantes do país na tomada de decisões“ e, também, uma nova estratégia de desenvolvimento, chamando a atual de “excludente, marginalizante, desigual, racista, destruidora da economia, da sociedade e da natureza“.

Alianza País descreve seu programa como “viável, transformador, progressista, que busca uma mudança radical das estruturas de poder, da forma de organizar o Estado, da inserção internacional do Equador, da distribuição das receitas nacionais e da riqueza…“

Em seu discurso geral, a proposta do Alianza País expressa os desejos, esperanças e sentimentos de amplas camadas da população equatoriana que querem transformações políticas e exigem participar da refundação do Equador, mas quando se trata de propostas concretas, podemos perceber que as mudanças que propõe o atual presidente e sua corrente política são limitadas.

Os limites do governo Rafael Correa
O programa de governo convida a participar da construção das propostas e soluções que necessitamos. O MAS chama os trabalhadores, camponeses e pobres do país a defender e lutar por nossas bandeiras e exigir do governo a tal “mudança radical” que ele sugere, pois, ao examinar o programa, podemos concluir que:

• Quando fala sobre a dívida externa, não diz que não vai pagá-la, mas que “será paga na medida em que não afete as prioridades de desenvolvimento nacional“. Porém já conhecemos essa história: se a dívida continua sendo paga, será impossível ao Estado investir em moradia, rodovias, canais de irrigação, refinarias, etc. para fomentar a geração de emprego. Por isso, defendemos e exigimos: Não ao pagamento da dívida externa!

• Quando fala sobre trabalho, defende uma política salarial justa e incentivadora, mas se dispõe apenas a regular o descontrole e abuso das terceirizadas. Defendemos e exigimos: Não ao trabalho terceirizado!

• Quando fala sobre a redistribuição da terra, expõe uma reforma da posse da terra a partir da construção de consensos na sociedade civil, mas não se diz nada sobre uma mudança radical que garanta terra para os trabalhadores rurais. Defendemos e exigimos: Reforma agrária radical, sob controle dos trabalhadores rurais!

• Quando fala de uma política energética soberana e da defesa dos recursos naturais, fala sobre proteger a Petroecuador e melhorar as receitas do Estado com o Petróleo, mas, nesse aspecto tão importante para a economia do país, também não propõe uma mudança radical. Defendemos e exigimos: Nacionalização do petróleo sem nenhuma indenização às transnacionais!

Estas e outras bandeiras, como a educação gratuita em todos os níveis, a expulsão das transnacionais mineiras, saúde gratuita e de qualidade, etc. sempre estiveram entre nossas prioridades para uma verdadeira mudança.

Vamos manter nossa luta e organização independentes!
O MAS chama aos trabalhadores da cidade e do campo e ao povo pobre do Equador a não depositar sua confiança nesse governo. Acreditamos que, depois de tantas lutas e levantes protagonizados por nós, os lutadores, nossa proposta deva ser a organização e a luta independentes.

As organizações de esquerda que, buscando cargos na nova administração, chamam a confiar no novo governo estão equivocadas. Acreditamos que somente com a luta e a organização pela conquista de nossas reivindicações e de nossos direitos conseguirão fazer as mudanças radicais prometidas.

Nós, do MAS, afirmamos que não há possibilidades sérias de melhorar as condições de vida dos trabalhadores e das massas sem atacar as raízes do sistema capitalista-imperialista e sem avançar em direção a uma revolução operária e socialista. Sem atacar a fundo os interesses do imperialismo e da burguesia; sem acabar com a rapina e o saque das riquezas, não há como melhorar definitivamente a situação das massas equatorianas e do mundo.