Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

A estiagem é a maior em 100 anos

O semiárido brasileiro vem sendo castigado por uma forte seca há cinco anos. A estiagem é considerada a maior em pelo menos 106 anos de medições.  Quase metade dos municípios da região Nordeste entra em 2017 em emergência, são 853 de um total de 1.794. O semiárido brasileiro, região seca mais densamente povoada do planeta, inclui oito estados nordestinos (Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia) e o norte de Minas Gerais e, conta com cerca de 23 milhões de habitantes.

A atual seca apresentou novas características. Sua área de extensão atingiu, além do sertão, a zona da mata, chegando ao litoral nordestino. A seca chegou ao mar, como podemos observar no mapa da vegetação feito por satélite pelo Lapis (Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites).

Com a ampliação das áreas afetadas, a seca que está sendo considerada como a maior da história, ameaça o abastecimento de água em grandes centros urbanos. Campina Grande, na Paraíba, sofre o risco de colapso de abastecimento. Já a região metropolitana de Fortaleza está ameaçada de racionamento. O açude Castanhão, que abastece os quase 4 milhões de habitantes da capital cearense e seu entorno, está com pouco mais de 5% de sua capacidade. Se a estiagem se aprofundar, com o atual ritmo de consumo, o reservatório só terá água até março.

Todos os grandes reservatórios do Nordeste estão operando abaixo da média, com 16,3%, da capacidade. Em 2011, esse percentual era de 46,3%. Dos 533 reservatórios da região monitorada pela Agência Nacional das Águas (ANA), 142 estão secos. O Ceará tem a situação mais crítica, pois seus reservatórios têm apenas 7% da capacidade armazenada, conforme apontam os dados da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).

Sede, doenças e mortes de animais
Muitos rios e açudes também secaram. Em 2015, 554 mil gados morreram de fome e sede, somente em Pernambuco. Cidades inteiras não sabem o que é cair água na torneira há anos, como é o caso de Alagoinhas (PE), localizada a 232 Km do Recife. São 1.600 dias nessa condição, onde falta água nas torneiras desde julho de 2012. Outras 27 cidades de Pernambuco estão sem água nas torneiras, segundo a Compesa (Companhia Pernambucana de Saneamento).

A população só tem acesso à água através de caminhões-pipa fornecidos pelos governos federais e estaduais. Hoje, 6.800 caminhões-pipa abastecem 3.500 localidades do semiárido brasileiro. A política dos caminhões-pipa não resolve o problema e reforça a indústria da seca. A água distribuída não atende o conjunto da população, a sua péssima qualidade tem ocasionado epidemia de diarreia, a população fica dependente da boa vontade dos governantes e esse descaso tem gerado um mercado da água. Donos de caminhões cobram de R$130 a R$180 por carregamento de 8.000 litros, e R$20 por 100 litros.

Transposição não é a saída
A resposta de todos os governantes é que obras estruturantes e adutoras são as medidas para a solução do problema da seca. Obras estruturantes e adutoras resumem-se, para estes senhores, à transposição do Rio São Francisco, projeto iniciado no governo Lula (PT) e que segue em andamento com Michel Temer (PMDB), que tem como objetivo principal garantir água para os latifundiários e não para matar a sede dos trabalhadores.

Exemplos de que as obras estruturantes não estão a serviço dos mais pobres, não nos faltam, inclusive na região do semiárido. Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) são duas cidades localizadas no coração do sertão, ostentam modernos métodos de irrigação das águas do Rio São Francisco utilizados para garantir a plantação de manga e uva para exportação. Aos pequenos produtores resta a seca, a destruição de suas plantações e a morte de suas criações animais.

Enquanto os pequenos produtores perdem tudo que plantam e criam, os grandes latifundiários, com sua rica irrigação, batem recorde de produção e lucro em meio a maior seca da história. Ainda em abril de 2016, a exportação de frutas do Vale do São Francisco tinha crescido 121% em relação a abril de 2015, com aumento das vendas para a Europa, Ásia e Estados Unidos, revelam os dados da Valexport (Associação dos Produtores e Exportadores de Hortifrutigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco).

O Instituto da Fruta da Bahia informa que mais de 120 mil hectares de terras são irrigados para o cultivo de frutas às margens do Velho Chico, produzindo mais de um milhão de toneladas de frutas por ano, garantindo aos latifundiários um faturamento de mais de R$2 bilhões anualmente.

Reforma agraria já
Não basta jogar a culpa da seca no clima, na falta de chuva ou em São Pedro. A culpa está nos governantes e nos latifundiários que se aproveitam da seca, o primeiro grupo para se beneficiar eleitoralmente. O segundo, para lucrar bilhões.

Os governantes fazem propostas mirabolantes, como a transposição do Rio São Francisco, quando medidas mais simples podem garantir a convivência no semiárido como o projeto apresentado pela ASA Brasil que desenvolve um programa de 1 milhão de cisternas na região seca do Nordeste. Esse programa já tem cerca de 300 mil cisternas implantadas. Uma cisterna de 16 mil litros resolve o problema de uma família de 5 pessoas durante os oito meses sem chuva na região. Isso ajuda a população que mora nos pequenos lugarejos, grotões e pés de serra. Um projeto simples, eficiente, sem grandes custos. O governo não adota esta medida pelo simples fato de que o sertanejo deixa de depender de suas medidas paliativas, bem como, pelo fato de ser um projeto simples que não beneficiará as grandes construtoras, ao contrário do projeto da transposição.

A cerca é a grande linha divisória do semiárido. As terras boas e irrigadas estão nas mãos de poucos latifundiários, protegidas por jagunços armados. Aos pequenos produtores resta a terra árida, sem as mínimas condições de plantio, sem irrigação.

Somente uma reforma agrária radical, sob o controle dos trabalhadores, poderá acabar de vez com a sede que mata os pobres no Nordeste. É preciso arrancar as melhores terras das mãos dos coronéis saruês que dominam a região, interromper o projeto de Transposição do Rio São Francisco e elaborar projetos simples de irrigação voltados para atender as necessidades básicas da população, e não o lucro de um punhado de senhores.

A seca mata os pobres. Os ricos têm água de sobra para beber, irrigar suas lavouras, preparar saborosos vinhos no Vale do São Francisco. Vinhos que são degustados em lindas taças de cristais, fruto da miséria de milhares de sertanejos. É preciso acabar com essa desigualdade, o primeiro passo é derrubar as cercas.