Apesar das expectativas em relação à aprovação da Emenda Constitucional 29, o sistema público de saúde continuará a ter baixíssimo financiamentoHá anos os ativistas que lutam por avanços na saúde pública do Brasil esperavam com ansiedade a votação da Emenda Constitucional 29. A EC 29 estava em tramitação no Congresso Nacional há vários anos. Já havia uma definição de piso para os gastos de municípios e estados com saúde, mas a definição do mínimo de gastos federais estava emperrada.

Desde a criação do SUS (Sistema Único de Saúde), pela Constituição de 1988, houve uma enorme quantidade de leis e portarias que regulamentam seu funcionamento, sem dúvida muito complexo.

Um dos aspectos centrais desta complexidade está relacionado às diferentes esferas governamentais (nível federal, estadual e municipal), as atribuições e deveres de cada esfera no tocante à saúde pública e o financiamento necessário para dar conta destas atribuições. Há anos já estava definido que os municípios são obrigados a investir na saúde no mínimo 15% de sua receita, e os estados tem um piso de gastos de 12% de suas receitas.

O próprio Ministério da Saúde já divulgou várias vezes que particularmente os estados não cumprem este gasto mínimo constitucional, seja por não atingirem o piso de 12%, seja por considerarem como gastos de saúde tópicos que não o são (como gastos com aposentadorias de funcionários da saúde estadual).

O piso de gastos federais, no entanto, não estava devidamente regulamentado. Havia várias propostas no Congresso Nacional, sendo a mais famosa a do senador Tião Viana (PT), que propunha um piso mínimo de gastos federais equivalentes a 10% da receita corrente bruta da federação.

Esta proposta, embora não fosse a ideal, permitiria uma importante injeção de gastos federais no SUS. Estima-se que significaria um aumento de nada mais do que R$ 32,5 bilhões ao ano para a saúde em 2016 (acrescido de correção monetária). Por isso, quando o governo Dilma resolveu jogar força para aprovar a emenda constitucional 29, que em tese estabeleceria este piso mínimo de gastos federais com a saúde pública, muitos lutadores e defensores do SUS ficaram esperançosos.

A realidade, no entanto, foi bem outra. A Lei Complementar 141, votada no Congresso no final de 2011 e sancionada por Dilma no último dia 13 de janeiro, traz apenas que o Orçamento Federal da saúde vai variar de acordo com o crescimento do PIB. Todos sabem que o PIB de 2011 será de medíocres 2,7%, portanto este é o piso de aumento de gastos federais para a saúde para o próximo Orçamento. A proposta de Tião Viana foi derrotada justamente com o voto dos parlamentares da base do governo Dilma.

Para piorar ainda mais, também no final de 2011, Dilma conseguiu aprovar a prorrogação da DRU (Desvinculação de Receitas da União) para até 2015. A DRU permite ao governo tirar da Seguridade Social até 20% de seu orçamento, transferindo o dinheiro para itens de maior preocupação governamental (em outras palavras, pagamento de juros da dívida pública aos banqueiros nacionais e internacionais, que já come cerca de 47% da receita da federação).Para se ter uma idéia do volume de recursos drenados pela DRU, entre 2005 e 2010 foram R$ 228,7 bilhões!

Como desgraça pouca é bobagem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já anunciou cortes no Orçamento Federal deste ano. No caso da Saúde, o corte vai ser de “apenas” cinco bilhões de reais (num orçamento para a saúde federal de R$ 71 bilhões). Todas estas medidas têm um único objetivo: manter a meta de Superávit Primário acordada com o FMI.

Os governos e a mídia procuram alimentar o discurso de que o principal problema do SUS é o mau gerenciamento e a corrupção. Esta ideia, no entanto, não resiste ao frio exame dos números. Segundo o Tribunal de Contas da União, entre janeiro de 2002 e junho de 2011, houve desvio ou mau uso de dinheiro público equivalente a R$ 2,3 bilhões. Isso é menos da metade dos 5 bilhões que vão ser cortados do orçamento da saúde federal só neste ano.

O curioso e triste deste falso argumento do “problema de gestão do SUS” é que quem nomeia os gestores e quem não permite um verdadeiro controle social do SUS são os mesmos que cinicamente privatizam e falam em “má gestão”. A melhora da gestão só poderá se dar quando os próprios trabalhadores, principais interessados em que o SUS funcione, sejam os administradores do sistema, que deve ser democraticamente controlado pela classe, suas organizações sindicais e populares.

Quanto aos corruptos e corruptores, que sejam julgados, punidos, expulsos do serviço público e devolvam o que roubaram (com juros e correção monetária). É preciso menos falação por parte das autoridades e mais ação. Mas isso não vai ocorrer, pois os governos que aí estão são financiados por estas empresas corruptoras e os funcionários corruptos são afilhados políticos dos partidos no poder. Os governantes têm interesse na privatização, seja para obter polpudas verbas da corrupção (os famosos 10 ou 20% de comissão), seja porque as empresas que entram no mercado da saúde “pública” tem lucro garantido e financiam estes mesmos governantes nas sucessivas campanhas eleitorais.

Dizemos que “a montanha pariu um rato”, pois o resultado de tanta luta pela EC 29 e consequente expectativa de melhora do financiamento do SUS deu em nada. Apesar dos discursos grandiloqüentes do ministro da Saúde Padilha, dos partidos da base governista fazendo juras de amor ao SUS, o que teremos de fato é a continuidade do baixíssimo financiamento estatal ao sistema público de saúde. O Brasil investe com saúde apenas metade do mínimo necessário para sistemas de saúde universalizados (6% do PIB, segunda a O.M.S.) Por aí se vê a prioridade que este governo dá para a saúde pública. Não adianta a presidente, demagogicamente, dizer que vai instalar câmaras de vídeo nos principais hospitais do país e acompanhar o funcionamento deles diretamente do seu gabinete. Se o subfinanciamento da saúde continuar, não há como o SUS funcionar a contento.

Assim, a luta dos ativistas defensores do SUS por mais verbas para a saúde vai ter de continuar. Já há iniciativas nesse sentido, porém cabe ao pólo mais consciente do movimento ter clareza estratégica e não sem deixar levar por propostas demagógicas que acabam se perdendo. Precisamos sempre saber quem são nossos inimigos, para melhor combatê-los. Hoje, além dos partidos burgueses, fica claro que também o governo Dilma e sua “base de apoio” no parlamento são contra gastar mais com saúde pública, em nome do sacrossanto Superávit Primário. Para conseguirmos mais verbas para a saúde pública, precisaremos mobilizar os trabalhadores para derrotar o governo e sua política econômica.

Ary Blinder é membro da Coordenação Nacional de Saúde do PSTU